Autor: Júlia Costines
(ADA NEGRI)
Uma estrangeira, em púrpuras e gala,
Tocou-me a fronte com um dedo, e riu-se.
Um frêmito me abala.
E disse-me: “Um sinal tu tens na fronte,
Talhado em forma de uma cruz bizarra.
Tens um sinal na fronte.
Dos anos teus no afortunado giro
Sempre o trarás contigo – pois abriu-o
A boca d’um vampiro,
Que da tua existência a melhor parte
Ávido suga, e o fogo às tuas veias,
E tem o nome de Arte.
Quantas vezes o viste, ó quantas, quando
Velavas solitária, à cabeceira,
Famélico, te olhando!…
Foi o reino de Apolo a ti prescrito;
Mas neste séc’lo vendilhão e bárbaro
O talento é delito.
Vibrações 113
Sus, desnuda no verso prepotente
As vivas chagas de teu peito; em face
Há de te rir a gente.
Rica de juventude sã, doirada,
Vibra um hino de amor; e hão de chamar-te
De doida e deslocada.
Reis e censores, com insultos crassos,
Seguir-te-ão, como o lobo segue a prea
P’ra comê-la a pedaços.
E extinguir o sinal embalde vais;
Embalde: a luz da ideia não se extingue
Jamais, jamais, jamais!…”
Disse. E, proterva, em trajo purpurino,
Ergue-se em frente a mim, tal como o fado.
E eu a cabeça inclino.