Poeta: Júlia Costines

Via dolorosa – Júlia Cortines

Alma, galgando vais o teu Calvário abrupto,Em farrapos, em sangue, em lágrimas, em luto,Por fragas arrastando, em convulsões de dor,O lenho, que te verga ao peso esmagador.Ruge em torno de ti a tempestade; o açoiteDo vento dilacera a cortina da noite.Como um túrbido mar, roto pelo escarcéu,Vês na altura rolar o proceloso céu,E em baixo, …

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Dor eterna – Júlia Cortines

O tempo – dizem – apagaO prazer e o sofrimentoSobre eles rolando a vagaSombria do esquecimento.E transforma encantadoresSítios, que tu, Abril, vestesDe uma gaze de esplendores,Em sítios feios e agrestes.E faz germinar nas águas,Que bebe a gandra bravia,O lírio, como das mágoasBrota a flor da alegria.E, no entretanto, contemplo,Extática e dolorosa,Entre os escombros de um …

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IV – Júlia Cortines

Com triste olhar seguindoOs pássaros, que em bandoLá voam para o azul da montanha fronteiraEnvolta na doirada e lúcida poeira,Que foge, à proporção que o sol vai recuandoE a sombra vai subindo; Penso no amor infindoQue me prendeu ao brandoRaio do teu olhar; e minha alma de poetaDeixa a sombra que a cerca, e voa, …

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V – Júlia Cortines

Do mês de Maio a luz do sol mais brandoDesce do espaço em leves frocos de ouro,E, pelos frios ares ondulando,Envolve a mata e espelha o sorvedouro.Se enrola o raio aveludado e louroPelos ramos, aos quais, se aproximandoAs horas do crepúsculo, cantandoVoltam as aves em alegre coro.Mas nem sequer eu na janela assomo.Só vejo a …

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VIII – Júlia Cortines

Como é doce seguir o teu rastro, ó saudade,Se equilibras no azul, à branda claridadeDe um sonhado luar, as tuas asas mansasDoiradas pela luz das nossas esperanças,E levas para longe o teu voo, a um passadoDe sorrisos e amor e sonhos estrelado,Onde vemos alguém, que sobre nós derramaDo seu profundo olhar a cariciosa chama,Fazendo rebentar …

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Indiferente – Júlia Cortines

E vão assim as horas! – Vão fugindoUm após outro os dias voadores,Ao túmulo do olvido conduzindoAs alegrias como os dissabores,O sonho agita as asas multicores,E vai-se e vai-se rápido sumindo,Enquanto a vaga quérula das doresSoluça, e rola pelo espaço infindo…A mim, porém a mim, a mim que importa,A mim, cuja esperança há muito é …

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Finis – Júlia Cortines

Ouço um surdo, abafado e discorde ruído, Logo após um fragor que pelos ares trona. Qual se dum terremoto o solo sacudido Fosse, em torno de mim tudo se desmorona. O que é feito de vós, altivos monumentos, Que afrontáveis do tempo os inúteis furores, Mergulhando no azul dos largos firmamentos, Mergulhando dos céus nos …

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Soledade – Júlia Cortines

Poeta, dentro de ti, desmesurado e arcano,Ou se cava, ou se empola, ou se espedaça o oceanoDe tua alma, que exala um contínuo clamor,– Brados de imprecações e soluços de dor!Nele canta e suspira a lânguida sereiaDo Amor; a Mágoa geme; a Cólera estrondeia;E a essas vozes se prende a dolorida vozDa Saudade, chorando o …

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Por toda parte – Júlia Cortines

Interrogaste a vida: interrogaste o arcano, Misterioso sentir do coração humano; A mesta palidez serena do luar; O murmúrio plangente e soturno do mar; O réptil, que rasteja; o pássaro, que voa; A fera, cujo berro as solidões atroa; A desenfreada fúria insana do tufão; A planta a se estorcer numa atroz convulsão. Interrogaste, enfim, …

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O infinito – Júlia Cortines

(G. LEOPARDI)AO DR. ESPERIDIÃO ELOY FILHO. Sempre caro me foi este ermo cole,Mais esta sebe, que de tanta parteO longínquo horizonte à vista oculta.Mas, se me assento, contemplando-a, espaçosIntérminos além, e sobre-humanoSilêncio, e profundíssima quietudeMeu pensamento fantasia; e quaseSe me apavora o coração. Se o ventoOuço fremir nas árvores, aqueleInfinito silêncio a este murmúrioVou comparando: …

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Sinal na fonte – Júlia Cortines

(ADA NEGRI)Uma estrangeira, em púrpuras e gala,Tocou-me a fronte com um dedo, e riu-se.Um frêmito me abala.E disse-me: “Um sinal tu tens na fronte,Talhado em forma de uma cruz bizarra.Tens um sinal na fronte.Dos anos teus no afortunado giroSempre o trarás contigo – pois abriu-oA boca d’um vampiro,Que da tua existência a melhor parteÁvido suga, …

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A um cadáver – Júlia Cortines

Eis-te, enfim, a dormir o teu sono de morte:Semicerrado o olhar, as pupilas serenas,Na atitude de quem nada teme da sorte,Deslembrado do amor e esquecido das penas.Nada pode turbar-te em teu repouso: estalaO raio, a lacerar das nuvens os vestidos;No espaço a luz se extingue, o estampido se cala,Sem vir ferir-te o olhar ou ferir-te …

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Alma solitária – Júlia Cortines

O que sentias era o que ninguém sentia:– O ódio, o amor, a saudade, a revolta tremenda.Não há ninguém que te ame e te console e entenda.Ninguém compartilhou tua funda agonia.A alma que possuir acreditaste, um dia,Indiferente, vai a trilhar outra senda.Do infinito deserto ergueste a tua tendaEm meio à solidão da paisagem vazia…E ora …

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Eternidade – Júlia Cortines

Eternidade d’alma! ilusória miragem, Que a alma busca através da crença e do terror, A idear uma calma ou sombria paragem De infinito prazer ou de infinita dor!Por que há de haver além, noutro mundo distante, Um prêmio eterno para a virtude mortal? E para o ser que vive apenas um instante Por que há …

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Sonhadores – Júlia Cortines

Almas – da natureza a execrada exceção – Em que o Sonho ateou seu nefasto clarão, Vós que, presas à terra, a asa do pensamento Sentis sempre a voar, em livre movimento, Para o distante azul dos mundos ideais, Onde o bem que buscais não existiu jamais; Vós que abris, procurando o mistério das coisas, …

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Anfitrite – Júlia Cortines

(Sobre uma página de Fénelon) Tinta a escama de azul e de oiro, solevandoEm seus brincos a vaga espúmea, pelo bandoDos alegres tritões, que os búzios retorcidosSopram, enchendo o ar de músicos ruídos,Acompanhados, vão os ligeiros golfinhosSeguindo de Anfitrite o carro, que marinhosCorcéis, – que têm na cor cetinosa do peloA brancura da neve e …

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Em vão – Júlia Cortines

É a ilusão, bem vejo: em tua fronte Inda fulge um resplendor de aurora. Tens o mesmo sorriso com que outrora Deliciavas a minha alma insonte. Debalde apontas para além do monte Prainos que a ardência do verão enflora; Asas vibrando pelos céus em fora, Céus sem nuvens, sem raias o horizonte… Esta grandiosa e …

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Dies iræ – Júlia Cortines

A esse som de trombeta e de alarma, quem há de Dormir? Mortos, deixai a paz da sepultura E acorrei: o que ouvis é o clarim da Saudade! De pé! de pé! de pé! Despedaçai a dura Lousa que sobre vós lançou o esquecimento, Espectros do sofrer, fantasmas da ventura! Ó divina ilusão, que um …

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Ancião africano – Júlia Cortines

A testa negra sob a carapinha branca.Da longa escravidão a tremenda torturaNão lhe alterou da face a expressão de doçura.Um riso bom entreabre a sua boca franca.A vingança do peito um brado não lhe arranca;Em seu tranquilo olhar o rancor não fulgura,Quando, na resignada e humílima postura,Vê se erguer uma mão que ameaça e que …

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Entre abismos – Júlia Cortines

Mistérios só, de um lado, e sombras…Em seguida,A estrada tortuosa e aspérrima da vida,Onde impreca a Revolta, onde brada o Terror,Onde geme a Saudade e se lastima a Dor,E, co’o gesto convulso e os traços descompostos,Batidos pelo vento, à tempestade expostos,Atropelam-se, em doida e febril confusão,O Desespero, a Raiva, a Cólera, a Paixão,Cujo concerto de …

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