Autor: Patativa do Assaré
Foi a verdade e a mentira
Nascida no mesmo dia,
A verdade, no chão duro
Porque nada possuía
E a mentira por ser rica
Nascer na cama macia
E por causa disto mesmo
Criou logo antipatia,
Não gostava da verdade,
Temendo a sua energia,
Pois onde a mentira fosse
A verdade também ia
O que a mentira apoiava
A verdade não queria
O que a mentira formava
A verdade desfazia,
O segredo da mentira
A verdade descobria,
E a mentira esmorecendo
Vendo que não resistia
Chamou depressa o dinhêro
Para sua companhia,
Levou o dinhêro com ele
A inveja, a hipocrisia,
A ambição, a calúnia,
O orgulho, o crime e a ironia,
A soberba e a vaidade
Que são da mesma famia
E fizeo um tal fofó
Um ingôdo, uma ingrizia
Que a verdade pelejava
Pra desmanchá e não podia
E a mentira aposentou-se
Com esta grande quadria.
Depois, casou-se o dinherô
Com a sua prima anarquia
E com quatro ou cinco mês
Dela nasceu uma fia,
Caçaro logo os padrinho
Mas no mundo não havia
Satanaz com a mãe dele
Lhe apresentaro na pia
E com todo atrevimento
Com toda demagogia
Caçaro um nome bonito
Na sua infernal cartia
E dissero: essa menina
Se Chama democracia,
Tudo se danou de quente
E a verdade ficou fria.
– Patativa do Assaré, em “Ispinho e Fulô”. (Organização Antônio Gonçalves da Silva). Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1990. (grafia original)
Patativa do Assaré