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Noite e dia – Alice Ruiz

Não me agradamessas coisas que despertambarulho, susto, água friatudo na minha caramais nenhum sonho por perto. Não me agradamessas coisas que adormecemvazio, escuro, calmariatudo que lembra mortequando nada mais dá certo. Não me agradamessas coisas sem poesiauma noite só noiteum dia só dia. Alice Ruiz Autor: Alice Ruiz

Jogada pelo mundo

A felicidade não manda avisarQuando vai chegar a ninguém, a ninguémPode vir de noite ou de diaÉ sempre um motivo de alegria Eu tenho sol, a flor e o marTenho o luar e o arrebolTenho as mais lindas alvoradasTenho montanhas azuladasTenho a canção dos pescadoresTenho essa vida de mil amoresMolho os meus pésNas águas limpas …

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Beija-flores – Alberto de Oliveira

Os beija-flores, em festa,Com o sol, com a luz, com os rumores,Saem da verde floresta,Como um punhado de flores. E abrindo as asas formosas,As asas aurifulgentes,Feitas de opalas ardentesCom coloridos de rosas, Os beija-flores, em bando,Boêmios enfeitiçados,Vão como beijos voandoPor sobre os virentes prados; Sobem às altas colinas,Descem aos vales formosos,E espraiam-se após ruidososPela extensão …

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Terceiro canto – Alberto de Oliveira

I Embala-me, balanço da mangueira,Embala-me, que enquanto vou contigo,Contigo venho, o meu pesar esqueço.Rompe a luz da manhã rosada e linda,Tudo desperta. E essa por quem padeço,Lânguida e preguiçosa,Entre brancos lençóis repousa ainda.Embala-me, pendente da mangueira,Na tensa corda, meu balanço amigo!Em claro a noite inteiraPassei, pensando nela. Ah! que formosaEstava ontem à tarde no mirante,Um …

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Fantástica – Alberto de Oliveira

Erguido em negro mármor luzidio,Portas fechadas, num mistério enorme,Numa terra de reis, mudo e sombrio,Sono de lendas um palácio dorme. Torvo, imoto em seu leito, um rio o cinge,E, à luz dos plenilúnios argentados,Vê-se em bronze uma antiga e bronca esfinge,E lamentam-se arbustos encantados. Dentro, assombro e mudez! quedas figurasDe reis e de rainhas; penduradasPelo …

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Aspiração – Alberto de Oliveira

Ser palmeira! existir num píncaro azulado,Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando;Dar ao sopro do mar o seio perfumado,Ora os leques abrindo, ora os leques fechando; Só de meu cimo, só de meu trono, os rumoresDo dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol,E no azul dialogar com o espírito das flores,Que invisível ascende …

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A cancela da estrada – Alberto de Oliveira

Bate a cancela da estradaConstantemente. Cavaleiro, à disparada,Lá vai no cavalo ardente.Cavaleiro em descuidadaMarcha, lá vem indolente. Passa, ondeia levantadaA poeira, toldando o ambiente. Bate a cancela da estradaConstantemente. Bate, e exaspera-se e bradaOu chora contra o batente:(Ninguém lhe ouve na arrastada,Roufenha voz o que sente) — “Minha vida desgraçadaRepouso não me consente;Vivo a bater …

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Samba jazz – Jenyffer Nascimento

Ele gosta de jazzFrequenta cafés e lugares cult.Já leu Morin, Bourdieu e OswaldFã de Glauber como Deus e o Diabo. A Terra em Transa, transe. De tão existencialistaDivagava horas sobreO tal sentido da vida. Ela não.Só queria saber de viver. Criada no sambaNo ruído da cuíca.Frequentava bares, biroscas, botequins.Além das receitas dos remédios de sua …

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Identidade – Jenyffer Nascimento

Cansei de ser uma foto 3×4Acompanhada por uma sequência de dígitos. Cansei de ser númeroNo RG, CPF, Título de EleitorPassaporte, Carteira de Trabalho.A burocracia nunca me enxerga como gente.  Eles não sabem da cor azulQue fui a Bahia e vi Dona Canô na festa de ReisQue choro quando leio a Cor PúrpuraNem que passo as tardes …

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Reféns da metrópole – Jenyffer Nascimento

Não me espereDevo chegar atrasadaComo tantas outras vezes. Este que insiste em me acordarFinge controlar o tempoMas não passa de um objeto amorfoPonteiros em busca de uma identidade. O sol adentra a janelaVivaz como nuncaImpondo obrigações a algunsCriando possibilidades para outros. Buzinas, sirenes, faróisCompõem a poética da manhãNada mais que remetaAo baixo meretrício da noite …

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A coisa pública e a privada – Affonso Romano de Sant`Anna

Entre a coisa públicae a privadaachou-se a Repúblicaassentada. Uns queriam privarda coisa pública,outros queriam provarda privada,conquanto, é claro,que, na provação,a privada, publicamente,parecesse perfumada. Dessa luta intestinaentre a gula pública e a privadaa Repúblicaacabou desarranjadae já ninguém sabiaquando era a empresa públicaprivada públicaoupública privada. Assim ia a rês pública: avacalhadauma rês pública: charqueadauma rês pública, publicamentecorneada, …

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Carta aos – Affonso Romano de Sant`Anna

Carta aosMortosAmigos, nadamudouem essência.Os saláriosmal dão para os gastos,as guerras não terminarame há vírus novos e terríveis,embora o avanço da medicina.Volta e meia um vizinhotomba morto por questão de amor.Há filmes interessantes, é verdade,e como sempre, mulheres portentosasnos seduzem com suas bocas e pernas,mas em matéria de amornão inventamos nenhuma posição nova.Alguns cosmonautas ficam no …

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Poemas para a amiga (fragmento 8) – Affonso Romano de Sant`Anna

Contemplo agora o leito que vazio se contempla. Contemplo agora o leito que vazio em mim se estende e se me aproximo existe qualquer coisa trescalando aroma em mim.  Onde o teu corpo, amante-amiga, onde o carinho que compungido em recebia e aquela forma que tranquila ainda ontem descobrias?  Agora eu te diria o quanto te agradeço o corpo teu se o me dás ou se o me tomas, e …

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Os desaparecidos – Affonso Romano de Sant`Anna

De repente, naqueles dias, começarama desaparecer pessoas, estranhamente.Desaparecia-se. Desaparecia-se muitonaqueles dias. Ia-se colher a flor ofertae se esvanecia.Eclipsava-se entre um endereço e outroou no táxi que se ia.Culpado ou não, sumia-seao regressar do escritório ou da orgia.Entre um trago de conhaquee um aceno de mão, o bebedor sumia.Evaporava o paiao encontro da filha que não …

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Ela! – Maria Firmina dos Reis

(A pedido) Ela! Quanto é bela, essa donzela, A quem tenho rendido o coração! A quem votei minh’alma, a quem meu peito Num êxtase de amor vive sujeito… Seu nome!… não – meus lábios não dirão! Ela! minha estrela, viva e bela, Que ameiga meu sofrer, minha aflição; Que transmuda meu pranto em mago riso. Que da terra me eleva ao paraíso… Seu …

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Confissão – Maria Firmina dos Reis

Embalde, te juro, quisera fugir-te, Negar-te os extremos de ardente paixão: Embalde, quisera dizer-te: – não sinto Prender-me à existência profunda afeição. Embalde! é loucura. Se penso um momento, Se juro ofendida meus ferros quebrar: Rebelde meu peito, mais ama querer-te, Meu peito mais ama de amor delirar. E as longas vigílias, – e os negros fantasmas, Que os sonhos povoam, se …

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À minha extremosa amiga D. Ana Francisca Cordeiro – Maria Firmina dos Reis

Donzela, tu suspiras – esse pranto, Que vem do coração banhar teu rosto, Esse gemer de lânguido penar, Revela amarga dor – imo desgosto: Amiga… acaso cismas ao luar, Terno segredo de ignoto amor?!… Soltas madeixas desprendidas voam Por sobre os ombros de nevada alvura; Tua fronte pálida os pesares c’roam Como auréola de martírio… pura, Cândida virgem… que abandono o teu? Sonhas acaso com …

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Meditação – Maria Firmina dos Reis

(À minha querida irmã – Amália Augusta dos Reis)     Vejamos pois esta deserta praia, Que a meiga lua a pratear começa, Com seu silêncio se harmoniza esta alma, Que verga ao peso de uma sorte avessa. Oh! meditemos na soidão da terra, Nas vastas ribas deste imenso mar; Ao som do vento, que sussurra triste, Por entre os leques do gentil …

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A rosa – Carolina Maria de Jesus

Eu sou a flor mais formosaDisse a rosaVaidosa!Sou a musa do poeta. Por todos su contempladaE adorada. A rainha predileta.Minhas pétalas aveludadasSão perfumadasE acariciadas. Que aroma rescendente:Para que me serve esta essência,Se a existênciaNão me é concernente… Quando surgem as rajadasSou desfolhadaEspalhadaMinha vida é um segundo.Transitivo é meu viverDe ser…A flor rainha do mundo.– Carolina …

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Estradeira – Elizandra Souza

Hoje a poesia veio triste Despedidas são sempre o vazio O que não existirá mais Essa dor que arranha a garganta Embarga a voz E essa liberdade das águas dos olhos Caindo descontroladamente… Hoje a poesia veio triste Como a vitória regia solitária no rio Como uma estradeira que não olha pra trás Fecha a …

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Do amor – Jenyffer Nascimento

O primeiro homem negro que ameiNão sabia que era negroMas a polícia sabia bem.Tirando os beijos trocados na porta da escolaDemonstração de afeto, coisa rara.Revolta era o sentimento mais comumA maneira de dividir a dorDe dividir a cor. O segundo homem negro que ameiFoi doce, amoroso e companheiroTínhamos o hip-hop como pano de fundoDançamos, vivemos …

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Para um negro – Adão Ventura

para um negro a cor da pele É uma sombra muitas vezes mais forte que um soco para um negro a cor da pele É uma faca que atinge muito mais em cheio o coração – Adão Ventura, em “Costura de nuvens” (Antologia poética).. [organização e seleção Jaime Prado Gouvêa e Sebastião Nunes]. Sabará, MG: …

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Um – Adão Ventura

em negro teceram-me a pele. enormes correntes amarraram-me ao tronco de uma Nova África. carrego comigo a sombra de longos muros tentando me impedir que meus pés cheguem ao final dos caminhos. mas o meu sangue está cada vez mais forte, tão forte quanto as imensas pedras que os meus avós carregaram para edificar os …

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Poema simples – Adalgisa Nery

Deixa-me recolher as rosas que estão morrendo nos jardins da noite, Deixa-me recolher o fruto antes que este volva as raízes da terra, Deixa-me recolher a estrela úmida Antes que sua luz desapareça na madrugada, Deixa-me recolher a tristeza da alma Antes que a lágrima banhe a pálpebra Do órfão abandonado e faminto, Deixa-me recolher a ternura …

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Fantasmas – Adalgisa Nery

Lívidos fantasmas deslizam nas horas perdidas  Chegam à minha alma  E como sombras da noite  Levantam os meus ímpetos mortos  Desatando as ligaduras do tempo.  O luar da madrugada fria cai no meu rosto  E ilumina com branda amargura  O meu espírito que espera a hora insolúvel.  Os caminhos cobrem-se de homens que dormem na …

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Anseio – Adalgisa Nery

Quero que desça sobre mim a grande sombra que alivia, Aquela que arranca do meu coração a revolta que me impede de ser mansa. Quero descansar… Quero encontrar aquele que é mais belo que o sol, Que aumenta o meu sofrimento e que ajuda na minha redenção, Que reparte suas angústias comigo para que lhe …

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Aspiração – Adalgisa Nery

Antes que vingue outra esperança Quero as sombras do branco espesso. Antes que mais uma insônia se cumpra Quero o torpor no abismo indecifrável Do espírito amortalhado. Antes que o pensamento acorde E descubra os espaços petrificados, Quero narcotizar-me sem sonhos E deitar-me no mundo sem sombras, Sem palavras nem gestos. Antes que alguma crença …

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A poesia se esfrega nos seres e nas cousas – Adalgisa Nery

Nunca sentiste uma força melodiosaCercando tudo o que teus olhos vêem,um misto de tristeza numa paisagem grandiosaOu um grito de alegria na morte de um ser que queres bem?Nunca sentiste nostalgia na essência das cousas perdidasDeparando com um campo devolutoSemelhante a uma viagem esquecida?Num circo,nunca se apoderou de ti um amargor sutilVendo animais amestrados E logo …

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A rota – Adalgisa Nery

O mundo pulveriza-nos sem revelar Seus intuitos secretos. A vida é contemplá-los nos seus gestos mais sutis E sentir nas águas profundas O que de cada destino foi escrito Nos penhascos dos mares agitados. No vácuo do espírito Anda a forma sem direção Por caminhos já pisados E inseguros são os passos repetidos. Nem sempre …

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Cemitério Adalgisa – Adalgisa Nery

Moram em mim Fundos de mares, estrelas-d′alva, Ilhas, esqueletos de animais, Nuvens que não couberam no céu, Razões mortas, perdões, condenações, Gestos de amparo incompleto, O desejo do meu sexo E a vontade de atingir a perfeição. Adolescências cortadas, velhices demoradas, Os braços de Abel e as pernas de Caim. Sinto que não moro. Sou morada pelas coisas como a terra das sepulturas É habitada pelos corpos. Moram …

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Estigma – Adalgisa Nery

Não receio que partas para longe, Que faças por fugir, por te livrares Da força da minha voz E da compreensão do meu olhar. Não temo que os mares te levem No bojo dos transatlânticos Nem tampouco me amedronta Que em possantes aviões No céu e na terra, Em todos os seres me encontrarás Cortes …

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Nothing – Patrícia Galvão

Nada nada nada Nada mais do que nada Porque vocês querem que exista apenas o nada Pois existe o só nada Um pára-brisa partido uma perna quebrada O nada Fisionomias massacradas Tipóias em meus amigos Portas arrombadas Abertas para o nada Um choro de criança Uma lágrima de mulher à-toa Que quer dizer nada Um …

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Coruja – Orides Fontela

Vôo onde ninguém mais – vivo em luz mínima  ouço o mínimo arfar – farejo o  sangue  e capturo  a presa  em pleno escuro.  – Orides Fontela, em “Rosácea”. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1986, p. 203. Orides Fontela Autor: Orides Fontela

Fala – Orides Fontela

Tudoserá difícil de dizer:a palavra realnunca é suave. Tudo será duro:luz impiedosaexcessiva vivênciaconsciência demais do ser Tudo seráCapaz de ferir. SeráAgressivamente real.Tão real que nos despedaça.Não há piedade nos signosE nem no amor: o serÉ excessivamente lúcidoE a palavra é densa e nos fere(toda a palavra é crueldade)– Orides Fontela, do livro “Transposição”, em “Poesia …

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Evocação da rosa – Abdias do Nascimento

(Para Yemanjá – no seu décimo aniversário)Era uma vez uma rosa que não era vegetal nem rosa mineralcarecia até da cor de rosaera uma gata formosanegra amarela e brancosairrequietamente caprichosavestida de suave pêlo multicorBichana terrivelmente amorosados laços dos seus encantosnenhum gato jamais se livrou pelos telhados miava dengosasuspirava a noite inteira seduzindo namoradeiratoda a gataria aoluar da lua alcoviteiraCerto …

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Via dolorosa – Júlia Cortines

Alma, galgando vais o teu Calvário abrupto,Em farrapos, em sangue, em lágrimas, em luto,Por fragas arrastando, em convulsões de dor,O lenho, que te verga ao peso esmagador.Ruge em torno de ti a tempestade; o açoiteDo vento dilacera a cortina da noite.Como um túrbido mar, roto pelo escarcéu,Vês na altura rolar o proceloso céu,E em baixo, …

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V – Júlia Cortines

Do mês de Maio a luz do sol mais brandoDesce do espaço em leves frocos de ouro,E, pelos frios ares ondulando,Envolve a mata e espelha o sorvedouro.Se enrola o raio aveludado e louroPelos ramos, aos quais, se aproximandoAs horas do crepúsculo, cantandoVoltam as aves em alegre coro.Mas nem sequer eu na janela assomo.Só vejo a …

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O peixe – Patativa do Assaré

 Tendo por berço o lago cristalino, Folga o peixe, a nadar todo inocente, Medo ou receio do porvir não sente, Pois vive incauto do fatal destino. Se na ponta de um fio longo e fino A isca avista, ferra-a insconsciente, Ficando o pobre peixe de repente, Preso ao anzol do pescador ladino. O camponês, também, …

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Sina – Patativa do Assaré

Eu venho desde menino Desde muito pequenino Cumprindo o belo destino Que me deu Nosso Senhor Não nasci pra ser guerreiro Nem infeliz estrangeiro Eu num me entrego ao dinheiro Só ao olhar do meu amor Carrego nesses meus ombros O sinal do Redentor E tenho nessa parada Quanto mais feliz eu sou Eu nasci …

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Canal – Patrícia Galvão

Nada mais sou que um canal Seria verde se fosse o caso Mas estão mortas todas as esperanças Sou um canal Sabem vocês o que é ser um canal? Apenas um canal? Evidentemente um canal tem as suas nervuras As suas nebulosidades As suas algas Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas Mas por favor Não pensem …

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O infinito – Júlia Cortines

(G. LEOPARDI)AO DR. ESPERIDIÃO ELOY FILHO. Sempre caro me foi este ermo cole,Mais esta sebe, que de tanta parteO longínquo horizonte à vista oculta.Mas, se me assento, contemplando-a, espaçosIntérminos além, e sobre-humanoSilêncio, e profundíssima quietudeMeu pensamento fantasia; e quaseSe me apavora o coração. Se o ventoOuço fremir nas árvores, aqueleInfinito silêncio a este murmúrioVou comparando: …

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Sinal na fonte – Júlia Cortines

(ADA NEGRI)Uma estrangeira, em púrpuras e gala,Tocou-me a fronte com um dedo, e riu-se.Um frêmito me abala.E disse-me: “Um sinal tu tens na fronte,Talhado em forma de uma cruz bizarra.Tens um sinal na fronte.Dos anos teus no afortunado giroSempre o trarás contigo – pois abriu-oA boca d’um vampiro,Que da tua existência a melhor parteÁvido suga, …

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Sonhadores – Júlia Cortines

Almas – da natureza a execrada exceção – Em que o Sonho ateou seu nefasto clarão, Vós que, presas à terra, a asa do pensamento Sentis sempre a voar, em livre movimento, Para o distante azul dos mundos ideais, Onde o bem que buscais não existiu jamais; Vós que abris, procurando o mistério das coisas, …

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Finis – Júlia Cortines

Ouço um surdo, abafado e discorde ruído, Logo após um fragor que pelos ares trona. Qual se dum terremoto o solo sacudido Fosse, em torno de mim tudo se desmorona. O que é feito de vós, altivos monumentos, Que afrontáveis do tempo os inúteis furores, Mergulhando no azul dos largos firmamentos, Mergulhando dos céus nos …

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Poesia perdida – Jacinta Passos

Ó! a poesia deste momento que passa,a grande poesia vivida neste instantepor todos os seres da terra,que palpita nas coisas mais simplescomo um rastro luminoso da Belezae, sem uma voz humana para eternizá-la,se perde para sempre, inutilmente…Por que existo, Senhor, quando não posso cantar?– Jacinta Passos (1933?), em  parte I “Momentos de Poesia”, do livro …

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Cantigas das mães – Jacinta Passos

(para minha mãe)Fruto quando amadurececai das árvores no chão,e filho depois que crescenão é mais da gente, não.Eu tive cinco filhinhose hoje sozinha estou.Não foi a morte, não foi,oi!foi a vida que roubou.Tão lindos, tão pequeninos,como cresceram depressa,antes ficassem meninosos filhos do sangue meu,que meu ventre concebeu,que meu leite alimentou.Não foi a morte, não foi,oi!foi …

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Cântico de exílio – Jacinta Passos

Estou cansada, Senhor.Minha alma insaciável,a minha alma faminta de beleza,ávida de perfeição,é perseguida pelo teu amor.Puseste dentro dela esta ânsia infinitacujo ardor queima,como a sede que em pleno deserto escaldantepersegue o viajor.Esta angústia, que cresce e que vibra e palpita,nasceu dentro em mimno mesmo divino instanteem que, morrendo a última ilusão,só me restava afinaluma fria …

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Eu serei poesia – Jacinta Passos

A poesia está em mim mesma e para além de mim mesma.Quando eu não for mais um indivíduo,eu serei poesia.Quando nada mais existir entre mim e todos os seres,os seres mais humildes do universo,eu serei poesia.Meu nome não importa.Eu não serei eu, eu serei nós,serei poesia permanente,poesia sem fronteiras.– Jacinta Passos (1942), em parte I “Momentos …

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Incerteza – Jacinta Passos

Em meu olhar se espelhaa sombra interior de incerteza angustiante.E em minha alma floresce, como rosa vermelhadum vermelho gritante,como o clangor clarim,esta angústia que vive a vibrar dentro em mim.É a minha vida um longo e ansioso esperar,num amor que há de vir.Amor – prazer que é dor e sofrer que é gozar –Amor que …

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Meu sonho – Jacinta Passos

O meu sonhomais risonhoé suave e pequeninoresumindo entretanto o meu destino.É de cor azul escuracomo o mar que longe choraÉ cor de infinito e de ânsiacor do céu, cor do mar, cor de distância.Tem a leve suavidadeda saudade,e a cantante doçurade um regato que murmura.Macio e encantadoré carícia de pluma e perfume de flor.O meu …

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Navio de imigrantes – Jacinta Passos

a Lasar Segall Gestos paradosno limiardo céu e mar.Corpos largadosdesamparados,límpido tempode primaveramora no fundode vossa espera.Navio sombrio, que levas no bojo?– descobre o teu véu:navegas em busca da terra ou do céu?Corpos humanossuportam corpos,seus desenganos.Corpo, cansaço,longa viagem,busca um regaço,terra ou miragemArca ou navio,nau ou galera,vens doutra era,séculos a fio. Qual o teu rumo?Levas o sumoda dor …

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O poema – Ivan Junqueira

Não sou eu que escrevo o meu poema:ele é que se escreve e que se pensa,como um polvo a distender-se, lento,no fundo das águas, entre anêmonasque nos abismos do mar despencam.Ele é que se escreve com a penada memória, do amor, do tormento,de tudo o que aos poucos se relembra:um rosto, uma paisagem, a intensapulsação …

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Quase uma sonata – Ivan Junqueira

É música o rigor com que te movesà fluida superfície do mistério,os pés quase suspensos, a aéreapartitura do corpo, seus acordes. Espaço e tempo são teu solo. E colhem,não tanto a luz que entornas, mas o pólencom que ela cinge e arroja as coisas mortasalém da espessa morte que as enrola.E música o silêncio que te …

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Relâmpago – Ivan Junqueira

A navalha de luz do relâmpagorasga a carne da escuridãocom um estrondo que reboamais alto que as trombetas do Juízo.Será assim o clarão que nos cegaquando a alma, extenuada,galga os degraus da imortalidade?– Ivan Junqueira, em “Essa música”. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. Ivan Junqueira Autor: Ivan Junqueira

Testamento – Ivan Junqueira

Sem trilhas no labirinto,solitário, a passo lento,leio o infausto testamentode um infante agora extinto. O que ensina esse lamentoa quem o escuta e, faminto,só o aprende à luz do instinto,e nunca à do entendimento? Não será acaso o ventoo que nas vértebras sinto?Ou será que apenas minto,e mente-me o pensamento? Não há dor nem sofrimentono …

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Adminimistério – Paulo Leminski

Quando o mistério chegar,já vai me encontrar dormindo,metade dando pro sábado,outra metade, domingo.Não haja som nem silêncio,quando o mistério aumentar.Silêncio é coisa sem senso,não cesso de observar.Mistério, algo que, penso,mais tempo, menos lugar.Quando o mistério voltar,meu sono esteja tão solto,nem haja susto no mundoque possa me sustentar. Meia-noite, livro aberto.Mariposas e mosquitospousam no texto incerto.Seria …

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XVIII – Jorge de Lima

Éguas vieram, à tarde, perseguidas, depositaram bostas sob as vides. Logo após as borboletas vespertinas, gordas e veludosas como urtigas sugar vieram o esterco fumegante. Se as vísseis, vós diríeis que o composto das asas e dos restos eram flores. Porque parecem sexos; nesse instante, os mais belos centauros do alto empíreo, pelas pétalas desceram …

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Morte e Vida Severina (trecho) – João Cabral de Melo Neto

— O meu nome é Severino,como não tenho outro de pia.Como há muitos Severinos,que é santo de romaria,deram então de me chamarSeverino de Maria;como há muitos Severinoscom mães chamadas Maria,fiquei sendo o da Mariado finado Zacarias.Mais isso ainda diz pouco:há muitos na freguesia,por causa de um coronelque se chamou Zacariase que foi o mais antigosenhor …

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Fábula de um arquiteto – João Cabral de Melo Neto

A arquitetura como construir portas,de abrir; ou como construir o aberto;construir, não como ilhar e prender,nem construir como fechar secretos;construir portas abertas, em portas;casas exclusivamente portas e tecto.O arquiteto: o que abre para o homem(tudo se sanearia desde casas abertas)portas por-onde, jamais portas-contra;por onde, livres: ar luz razão certa. Até que, tantos livres o amedrontando,renegou …

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Dor elegante – Paulo Leminski

Um homem com uma dorÉ muito mais eleganteCaminha assim de ladoCom se chegando atrasadoChegasse mais adiante Carrega o peso da dorComo se portasse medalhasUma coroa, um milhão de dólaresOu coisa que os valha Ópios, édens, analgésicosNão me toquem nesse dorEla é tudo o que me sobraSofrer vai ser a minha última obra Paulo Leminski Autor: …

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M. de memória – Paulo Leminski

Os livros sabem de cormilhares de poemas.Que memória!Lembrar, assim, vale a pena.Vale a pena o desperdício,Ulisses voltou de Tróia,assim como Dante disse,o céu não vale uma história.um dia, o diabo veioseduzir um doutor Fausto.Byron era verdadeiro.Fernando, pessoa, era falso.Mallarmé era tão pálido,mais parecia uma página.Rimbaud se mandou pra África,Hemingway de miragens.Os livros sabem de tudo.Já …

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Bem no fundo – Paulo Leminski

No fundo, no fundo,bem lá no fundo,a gente gostariade ver nossos problemasresolvidos por decreto a partir desta data,aquela mágoa sem remédioé considerada nulae sobre ela — silêncio perpétuo extinto por lei todo o remorso,maldito seja quem olhar pra trás,lá pra trás não há nada,e nada mais mas problemas não se resolvem,problemas têm família grande,e aos …

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XV – Jorge de Lima

A garupa da vaca era palustre e bela, uma penugem havia em seu queixo formoso; e na fronte lunada onde ardia uma estrela pairava um pensamento em constante repouso. Esta a imagem da vaca, a mais pura e singela que do fundo do sonho eu às vezes esposo e confunde-se à noite à outra imagem …

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Alfândega – Adélia Prado

O que pude oferecer sem mácula foimeu choro por beleza ou cansaço,um dente exraizado,o preconceito favorável a todas as formasdo barroco na música e o Rio de Janeiroque visitei uma vez e me deixou suspensa.‘Não serve’, disseram. E exigirama língua estrangeira que não aprendi,o registro do meu diploma extraviadono Ministério da Educação, mais taxa sobre …

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Momento – Adélia Prado

Enquanto eu fiquei alegre,permaneceram um bule azul com um descascado no bico,uma garrafa de pimenta pelo meio,um latido e um céu limpidíssimocom recém-feitas estrelas.Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,constituindo o mundo pra mim, anteparopara o que foi um acometimento:súbito é bom ter um corpo pra rire sacudir a cabeça. A vida é mais tempoalegre …

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Apanhador de desperdícios – Manoel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.Não gosto das palavrasfatigadas de informar.Dou mais respeitoàs que vivem de barriga no chãotipo água pedra sapo.Entendo bem o sotaque das águasDou respeito às coisas desimportantese aos seres desimportantes.Prezo insetos mais que aviões.Prezo a velocidadedas tartarugas mais que a dos mísseis.Tenho em mim um atraso de nascença.Eu fui aparelhadopara …

Apanhador de desperdícios – Manoel de Barros Leia mais »

Prefácio – Manoel de Barros

Assim é que elas foram feitas (todas as coisas) —sem nome.Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.Insetos errados de cor caíam no mar.A voz se estendeu na direção da boca.Caranguejos apertavam mangues.Vendo que havia na terraDependimentos demaisE tarefas muitas —Os homens começaram a roer unhas.Ficou certo pois nãoQue as moscas iriam …

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Aprendimentos – Manoel de Barros

O filósofo Kierkegaard me ensinou que culturaé o caminho que o homem percorre para se conhecer.Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fimfalou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisasdi-menor com a natureza. Aprendeu que as folhasdas árvores servem para nos ensinar a …

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O sonho – Clarice Lispector

Sonhe com aquilo que você quer ser,porque você possui apenas uma vidae nela só se tem uma chancede fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.Dificuldades para fazê-la forte.Tristeza para fazê-la humana.E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.Elas sabem fazer o melhor das oportunidadesque aparecem …

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Tomara – Vinícius de Moraes

TomaraQue você volte depressaQue você não se despeçaNunca mais do meu carinhoE chore, se arrependaE pense muitoQue é melhor se sofrer juntoQue viver feliz sozinho TomaraQue a tristeza te convençaQue a saudade não compensaE que a ausência não dá paz E o verdadeiro amor de quem se amaTece a mesma antiga tramaQue não se desfazE …

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Deus – Casimiro de Abreu

Eu me lembro! eu me lembro! – Era pequeno E brincava na praia; o mar bramia E, erguendo o dorso altivo, sacudia A branca escuma para o céu sereno. E eu disse a minha mãe nesse momento: “Que dura orquestra! Que furor insano! “Que pode haver maior do que o oceano, “Ou que seja mais forte do que o vento?!” – Minha mãe …

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Clara – Casimiro de Abreu

Não sabes, Clara, que penaEu teria se – morenaTu fosses em vez de clara!Talvez… Quem sabe?… não digo…Mas refletindo comigoTalvez nem tanto te amara! A tua cor é mimosa, Brilha mais da face a rosa,Tem mais graça a boca breve.O teu sorriso é delírio…És alva da cor do lírio,És clara da cor da neve! A morena …

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Um história – Casimiro de Abreu

A brisa dizia à rosa:– “Dá, formosa,Dá-me, linda, o teu amor;Deixa eu dormir no teu seioSem receio,Sem receio minha flor! Da tarde virei da selvaSobre a relvaOs meus suspiros te dar;E de noite na correnteMansamenteMansamente te embalar!” – E a rosa dizia à brisa:– “Não precisaMeu seio dos beijos teus;Não te adoro… és inconstante…Outro amante,Outro …

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Moreninha – Casimiro de Abreu

Moreninha, Moreninha,Tu és do campo a rainha,Tu és senhora de mim;Tu matas todos d’amores,Faceira, vendendo as floresQue colhes no teu jardim. Quando tu passas n’aldeiaDiz o povo à boca cheia:– “Mulher mais linda não há“Ai! vejam como é bonita“Co’as tranças presas na fita,“Co’as flores no samburá! – Tu és meiga, és inocenteComo a rola que …

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Segredos – Casimiro de Abreu

Eu tenho uns amores – quem é que os não tinhaNos tempos antigos? – Amar não faz mal;As almas que sentem paixão como a minhaQue digam, que falem em regra geral.– A flor dos meus sonhos é moça e bonitaQual flor entreaberta do dia ao raiar,Mas onde ela mora, que casa ela habita,Não quero, não …

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Já era tempo

Já era tempo de você voltarMe beijar, esquecerJá era mais que tempo de vocêRefletirQue as palavras muitas vezesNão provém do coraçãoDo coraçãoJá fazem meses que você, meu bemDisse adeus, partiuJá era tempo de você chegarComo euCom olhos rasos d’águaMas sem mágoaTriste de quem tem e vive à toaTriste de quem ama e não perdoaAi de …

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As abelhas – Vinícius de Moraes

A abelha-mestraE as abelhinhasEstão todas prontinhasPara ir para a festaNum zune que zuneLá vão pro jardimBrincar com a cravinaValsar com o jasmimDa rosa pro cravoDo cravo pra rosaDa rosa pro favoE de volta pra rosa Venham ver como dão melAs abelhas do céuVenham ver como dão melAs abelhas do céu A abelha-rainhaEstá sempre cansadaEngorda a …

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Poema de Natal – Vinícius de Moraes

Para isso fomos feitos:Para lembrar e ser lembradosPara chorar e fazer chorarPara enterrar os nossos mortos —Por isso temos braços longos para os adeusesMãos para colher o que foi dadoDedos para cavar a terra.Assim será nossa vida:Uma tarde sempre a esquecerUma estrela a se apagar na trevaUm caminho entre dois túmulos —Por isso precisamos velarFalar …

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O tempo – Mário Quintana

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…Quando se vê, já é 6ª-feira…Quando se vê, passaram 60 anos!Agora, é tarde demais para ser reprovado…E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,eu nem olhava o relógioseguia sempre em frente… E …

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Relógio – Mário Quintana

O mais feroz dos animais domésticosé o relógio de parede:conheço um que já devoroutrês gerações da minha família. Mário Quintana Autor: Mário Quintana

Calafrio – Miriam Alves

O sorriso gelaa porta do paraíso prometido A tarde cobre-se de friogritaesconde-se atrás doscasacosfaz esculpir aquela saudadedo lugarjamais percorrido. Escorrem feito sorveteas esperanças derretidasno ardor do querer. Miriam Alves Autor: Miriam Alves

O verso orou – Miriam Alves

calei o verbo dor e o verso amormetáforas profundas não vieramemoldurei-me no silêncioNa cara da lua mais tardeexplodiugozodebochadoplenitude temporáriaO poema inscreveu-seEntrelinhas negritou metáforaOrouDesenhou palavras fortes nos espaços em branco  Miriam Alves Autor: Miriam Alves

Livros e flores – Machado de Assis

Teus olhos são meus livros.Que livro há aí melhor,Em que melhor se leiaA página do amor?Flores me são teus lábios.Onde há mais bela flor,Em que melhor se bebaO bálsamo do amor? Machado de Assis Autor: Machado de Assis

No alto – Machado de Assis

O poeta chegara ao alto da montanha,E quando ia a descer a vertente do oeste,Viu uma cousa estranha,Uma figura má.Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,Num tom medroso e agrestePergunta o que será.Como se perde no ar um som festivo e doce,Ou bem como se fosseUm pensamento …

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Stella – Machado de Assis

Já raro e mais escassoA noite arrasta o manto,E verte o último prantoPor todo o vasto espaço. Tíbio clarão já coraA tela do horizonte,E já de sobre o monteVem debruçar-se a aurora À muda e torva irmã,Dormida de cansaço,Lá vem tomar o espaçoA virgem da manhã. Uma por uma, vãoAs pálidas estrelas,E vão, e vão …

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Visio – Machado de Assis

Eras pálida. E os cabelos,Aéreos, soltos novelos,Sobre as espáduas caíamOs olhos meio-cerradosDe volúpia e de ternuraEntre lágrimas luziamE os braços entrelaçados,Como cingindo a ventura,Ao teu seio me cingiram Depois, naquele delírio,Suave, doce martírioDe pouquíssimos instantesOs teus lábios sequiosos,Frios trêmulos, trocavamOs beijos mais delirantes,E no supremo dos gozosAnte os anjos se casavamNossas almas palpitantesDepois a verdade,A …

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Bilhete – Mário Quintana

Se tu me amas, ama-me baixinhoNão o grites de cima dos telhadosDeixa em paz os passarinhosDeixa em paz a mim!Se me queres,enfim,tem de ser bem devagarinho, Amada,que a vida é breve, e o amor mais breve ainda… Mário Quintana Autor: Mário Quintana

Espantos – Mário Quintana

Neste mundo de tantos espantos,cheio das mágicas de Deus,O que existe de mais sobrenaturalSão os ateus… Mário Quintana Autor: Mário Quintana

Desejo – Hilda Hilst

Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada. IPorque há desejo em mim, é tudo cintilância.Antes, o cotidiano era um pensar alturasBuscando Aquele Outro decantadoSurdo à minha humana ladradura.Visgo e suor, pois nunca se faziam.Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivoTomas-me o corpo. E que descanso me dásDepois das lidas. Sonhei penhascosQuando …

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XXXII – Hilda Hilst

Por que me fiz poeta?Porque tu, morte, minha irmã,No instante, no centroDe tudo o que vejo. No mais que perfeitoNo veio, no gozoColada entre eu e o outro.No fossoNo nó de um íntimo laçoNo haustoNo fogo, na minha hora fria. Me fiz poetaPorque à minha voltaNa humana ideia de um deus que não conheçoA ti, …

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Mulher da vida – Cora Coralina

Mulher da Vida,Minha irmã.De todos os tempos.De todos os povos.De todas as latitudes.Ela vem do fundo imemorial das idadese carrega a carga pesadados mais torpes sinônimos,apelidos e ápodos:Mulher da zona,Mulher da rua,Mulher perdida,Mulher à toa.Mulher da vida,Minha irmã. Cora Coralina Autor: Cora Coralina

Oferta de Aninha (aos moços) – Cora Coralina

Eu sou aquela mulhera quem o tempomuito ensinou.Ensinou a amar a vida.Não desistir da luta.Recomeçar na derrota.Renunciar a palavras e pensamentos negativos.Acreditar nos valores humanos.Ser otimista.Creio numa força imanenteque vai ligando a família humananuma corrente luminosade fraternidade universal.Creio na solidariedade humana.Creio na superação dos errose angústias do presente.Acredito nos moços.Exalto sua confiança,generosidade e idealismo.Creio nos …

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Saber viver – Cora Coralina

Não sei…se a vida é curtaou longa demais para nós.Mas sei que nada do que vivemostem sentido,se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser:colo que acolhe,braço que envolve,palavra que conforta,silêncio que respeita,alegria que contagia,lágrima que corre,olhar que sacia,amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo:é o que dá sentido …

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I-Juca-Pirama – Gonçalves Dias

                      I No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos – cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. São rudos, severos, sedentos de glória, Já prélios incitam, já …

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Amavisse – Hilda Hilst

Como se te perdesse, assim te quero.Como se não te visse (favas douradasSob um amarelo) assim te apreendo bruscoInamovível, e te respiro inteiro Um arco-íris de ar em águas profundas. Como se tudo o mais me permitisses,A mim me fotografo nuns portões de ferroOcres, altos, e eu mesma diluída e mínimaNo dissoluto de toda despedida. …

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Mão – Clarice Lispector

Agora preciso de tua mão,não para que eu não tenha medo,mas para que tu não tenhas medo.Sei que acreditar em tudo isso será,no começo, a tua grande solidão.Mas chegará o instante em que me darás a mão,não mais por solidão, mas como eu agora:Por amor. Clarice Lispector Autor: Clarice Lispector

O segredo – Clarice Lispector

Há uma palavra que pertence a um reino que me deixa muda de horror. Não espantes o nosso mundo, não empurres com a palavra incauta o nosso barco para sempre ao mar. Temo que depois da palavra tocada fiquemos puros demais. Que faríamos de nossa vida pura? Deixa o céu à esperança apenas, com os …

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Passional – Clarice Lispector

Sou um ser totalmente passional.Sou movida pela emoção, pela paixão…. tenho meus desatinos…Detesto coisas mais ou menos.Não sei conviver com pessoas mais ou menos Não sei amar mais ou menos.Não me entrego de forma mais ou menos.Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo… ESQUEÇA-ME!Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, …

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Quero escrever o borão vermelho de sangue – Clarice Lispector

Quero escrever o borrão vermelho de sanguecom as gotas e coágulos pingandode dentro para dentro.Quero escrever amarelo-ourocom raios de translucidez.Que não me entendampouco-se-me-dá.Nada tenho a perder.Jogo tudo na violênciaque sempre me povoou,o grito áspero e agudo e prolongado,o grito que eu,por falso respeito humano,não dei. Mas aqui vai o meu berrome rasgando as profundas entranhasde …

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Sonhe – Clarice Lispector

Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem …

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Motivo – Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existee a minha vida está completa.Não sou alegre nem sou triste:sou poeta. Irmão das coisas fugidias,não sinto gozo nem tormento.Atravesso noites e diasno vento. Se desmorono ou se edifico,se permaneço ou me desfaço,— não sei, não sei. Não sei se ficoou passo. Sei que canto. E a canção é tudo.Tem …

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O menino azul – Cecília Meireles

O menino quer um burrinhopara passear.Um burrinho manso,que não corra nem pule,mas que saiba conversar. O menino quer um burrinhoque saiba dizero nome dos rios,das montanhas, das flores,— de tudo o que aparecer. O menino quer um burrinhoque saiba inventar histórias bonitascom pessoas e bichose com barquinhos no mar. E os dois sairão pelo mundoque …

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O vestido de Laura – Cecília Meireles

O vestido de Lauraé de três babados,todos bordados. O primeiro, todinho,todinho de floresde muitas cores. No segundo, apenasborboletas voando,num fino bando. O terceiro, estrelas,estrelas de renda– talvez de lenda… O vestido de Lauravamos ver agora,sem mais demora! Que as estrelas passam,borboletas, floresperdem suas cores.Se não formos depressa,acabou-se o vestidotodo bordado e florido! Cecília Meireles Autor: …

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Reinvenção – Cecília Meireles

A vida só é possívelreinventada. Anda o sol pelas campinase passeia a mão douradapelas águas, pelas folhas…Ah! tudo bolhasque vem de fundas piscinasde ilusionismo… — mais nada. Mas a vida, a vida, a vida,a vida só é possívelreinventada. Vem a lua, vem, retiraas algemas dos meus braços.Projeto-me por espaçoscheios da tua Figura.Tudo mentira! Mentirada lua, …

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Timidez – Cecília Meireles

Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve… – mas só esse eu não farei. Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes… – palavra que não direi. Para que tu me adivinhes, entre …

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Volúpia imortal – Augusto dos Anjos

Cuidas que o genesíaco prazer,Fome do átomo e eurítmico transporteDe todas as moléculas, aborteNa hora em que a nossa carne apodrecer?! Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,Para a perpetuação da Espécie forte,Tragicamente, ainda depois da morte,Dentro dos ossos, continua a arder! Surdos destarte a apóstrofes e brados,Os nossos esqueletos descamados,Em convulsivas contorções …

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Meus oito anos – Casimiro de Abreu

Oh ! que saudades que eu tenhoDa aurora da minha vida,Da minha infância queridaQue os anos não trazem mais !Que amor, que sonhos, que flores,Naquelas tardes fagueirasÀ sombra das bananeiras,Debaixo dos laranjais ! Como são belos os diasDo despontar da existência !– Respira a alma inocênciaComo perfumes a flor;O mar é – lago sereno,O céu …

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Violeta – Casimiro de Abreu

Sempre teu lábio severoMe chama de borboleta!– Se eu deixo as rosas do pradoÉ só por ti – violeta! Tu és formosa e modesta,As outras são tão vaidosas!Embora vivas na sombraAmo-te mais do que às rosas. A borboleta travessaVive de sol e de flores.– Eu quero o sol de teus olhos,O néctar dos teus amores! …

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As meninas – Cecília Meireles

Arabelaabria a janela. Carolinaerguia a cortina. E Mariaolhava e sorria:“Bom dia!” Arabelafoi sempre a mais bela. Carolina,a mais sábia menina. E Mariaapenas sorria:“Bom dia!” Pensaremos em cada meninaque vivia naquela janela; uma que se chamava Arabela,uma que se chamou Carolina. Mas a profunda saudadeé Maria, Maria, Maria, que dizia com voz de amizade:“Bom dia!” Cecília …

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Despedida – Cecília Meireles

Por mim, e por vós, e por mais aquiloque está onde as outras coisas nunca estão,deixo o mar bravo e o céu tranquilo:quero solidão. Meu caminho é sem marcos nem paisagens.E como o conheces? – me perguntarão.– Por não ter palavras, por não ter imagens.Nenhum inimigo e nenhum irmão. Que procuras? – Tudo. Que desejas? …

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Elegia – Cecília Meireles

Neste mês, as cigarras cantame os trovões caminham por cima da terra,agarrados ao sol.Neste mês, ao cair da tarde, a chuva corre pelas montanhas,e depois a noite é mais clara,e o canto dos grilos faz palpitar o cheiro molhado do chão. Mas tudo é inútil,porque os teus ouvidos estão como conchas vazias,e a tua narina …

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Caixão fantástico – Augusto dos Anjos

Célere ia o caixão, e, nele, inclusas,Cinzas, caixas cranianas, cartilagensOriundas, como os sonhos dos selvagens,De aberratórias abstrações abstrusas! Nesse caixão iam talvez as Musas ,Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagensEnchiam meu encéfalo de imagensAs mais contraditórias e confusas! A energia monística do Mundo,À meia-noite, penetrava fundoNo meu fenomenal cérebro cheio … Era tarde ! Fazia muito …

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O Deus verme – Augusto dos Anjos

Fator universal do transformismo.Filho da teleológica matéria,Na superabundância ou na miséria,Verme – é o seu nome obscuro de batismo. Jamais emprega o acérrimo exorcismoEm sua diária ocupação funérea,E vive em contubérnio com a bactéria,Livre das roupas do antropomorfismo. Almoça a podridão das drupas agras,Janta hidrópicos, rói vísceras magrasE dos defuntos novos incha a mão… Ah! …

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Lenço dela – Álvares de Azevedo

Quando, a primeira vez, da minha terraDeixei as noites de amoroso encanto,A minha doce amante suspirandoVolveu-me os olhos úmidos de pranto. Um romance cantou de despedida,Mas a saudade amortecia o canto!Lágrimas enxugou nos olhos belos…E deu-me o lenço que molhava o pranto. Quantos anos, contudo, já passaram!Não olvido porém amor tão santo!Guardo ainda num cofre …

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Sem título – Álvares de Azevedo

ITenho um seio que deliraComo as tuas harmonias!Que treme quando suspira,Que geme como gemias! IITenho músicas ardentes,Ais do meu amor insano,Que palpitam mais dormentesDo que os sons do teu piano! IIITenho cordas argentinasQue a noite faz acordar,Como as nuvens peregrinasDas gaivotas do alto mar! IVComo a teus dedos lindinhosO teu piano gemer,Vibra-me o seio aos …

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Por mim? – Álvares de Azevedo

Teus negros olhos uma vez fitandoSenti que luz mais branda os acendia,Pálida de langor, eu vi, te olhando,Mulher do meu amor, meu serafim,Esse amor que em teus olhos refletia…Talvez! – era por mim? Pendeste, suspirando, a face pura,Morreu nos lábios teus um ai perdido…Tão ébrio de paixão e de ventura!Mulher de meu amor, meu serafim,Por …

Por mim? – Álvares de Azevedo Leia mais »