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Par ou ímpar

Contar pra vocês
O torturador que tem soco inglês
Mudar não mudou

Lá em Xerém
Vilmar, o para-militar, bate bem
Numa pelada fuderosa
Onde não tem pra ninguém
Ele só chama adversário
De meu anjo e neném
Mas quando baixa o santo ruim
É pé na cara
E, olha bem
Lambe o bigode assim PC
Dá de madeira em você
Por tudo que cê disse e que não disse
No fim, pede uma pizza de aliche
Diz que tá lendo Frederico Nietzsche

Conta que é torturador
Não é nada pessoal
Se convocado outra vez
Volta e me mete o pau, uai!
Aí, eu jogo pinga na língua
Que imita a ginga
Do Nelso da Capitinga
Que xinga
Mas a catinga
Diz que eu me sujei

Odalisca

Ela sonha ter mais do que podia ter
Embriagada nas ondas do prazer
A boca é vinho tinto
As mãos são de absinto
E a cintura dela é a estrela por nascer
Escultura moldada pelas mãos de Deus
Sepultura dos que disseram adeus
O rosto é uma pintura
E os homens são molduras vazias
Que ela pode preencher

Por amor, a gente se transforma em São João Batista
Ao negar Salomé
De paixão, a gente faz proezas de malabarista
Fazendo até o que não quer

Odalisca
Artista da imaginação
Tão promíscua no harém do coração…
A cada um que pede
Promete conceder
Mas recusa
Que a musa engana sem querer

Mise-en-scène

Yves Montand de manhã en passant
L’ennui, le neant, ai, haja Fimatosan…
Yves, livre, un bateau
Ivre d’amour, poir toujours desencarnou…
Oxalá voa lá dans la dance
Que um fã non sense sonhou
Tal notre ami pierrô
En letressence narrou
Com nuance constante
O jardim de ma tante
En flagrante, ah, o Aldir Blanc garfou
Arecherche d’humor sivulplé
Quesque Jacy Borrô e Henriete se urinô
Delivrance é o que eu sou e bientôt
Alain Prost sujou, nega fulô
Si Pelé desse um plá na Cresson
Ai, que frisson da cor…
Ici um charivari : Rosane cede vers jabor
E se é Jane ou Simone de mon âme
Todas são Notre Dâme :
Les femmes sont tu Bardot
Tom Jobim já falou :
Da fenêtre vê-se o Redentor
– Ai, me matar por amor
Bota mais um Contrau que hoje eu tô
Depardieu de baton e ce si bon…
Mais, helàs, seu eu tiver, très malheur
Mais um revés, mulher
Que eu brinque com a Demonjô
Nas onze e meia do Jô
Et d’aprés en mon rêve
Que eu tenha o prazer de rever
Yves Montain autrefois amanhã

Paixão descalça

Choro. A paixão é mansão
Onde eu vivo e não moro…
Rememoro toda a vida
Ida, volta.
A paixão só se amarra
Se a gente se solta:
A paixão é um bicho cruel
De asas feito gaivota
Por nós dois eu não juro
No futuro há pestanas
Em olhares escuros
Entre as venezianas
De um chalé de avenida…
Volta, ida
A paixão se suicida
Se a razão se intromete:
A paixão é uma freira descalça
Em vison de vedete
Juro, se é preciso:
Meu amor enlouquece
Ao tomar juízo

Nítido e obscuro

A porcelana e o alabastro
Na pele que eu vou beijar
O escuro atrás do astro
Na boca que me afogar
Os veios que há no mármore
Nos seios de conceição
E desafeto e mais paixão
E porque sim e porque não
Porque em você
O que me prende vive livre
Como tudo que há no espelho
Existe mas não tive
O bambual de ouro no dorso do tigre
O farol de alexandria varando a solidão
Tu me incendeia e o ciúme entra na veia
A paixão ricocheteia
Sobe inté o coração – e é bão!
Pouco existente feito as perna da sereia
O cavalo de são jorge, pisando a lua cheia
Igual a chuva que há no fundo da baleia:
É tão pouca e formoseia o aguarão do mar
O amor vareia: o primeiro virar areia
O segundo sacaneia
Mas o próximo é ilusão – que bão!
Eu quando choro do olho sai meteoro e fogo
De cada poro um vulcão
É dor capaz de tombar a via-láctea no mar
Mas cabe dentro do olho
De um grilo no manguezal
Eu quando rio faz frio de calafrio
As moça tem arrupio e terção
É alegria capaz de acovardar lobisome
E quando mais se espera dela
É aí que ela some
Eu jogo truco, dou troco
Sou truculento e turrão
Bato muito firme
Danço jongo candongueiro
Eu mato a cobra
E dispois exibo o pau pra nós dois:
Tu se afeiçoa, faz carinho e me enleia
Eu gosto mas me aperreia
O depender de mulher
É sempre nítido e obscuro o que se quer!

Delírio carioca

No Rio: mar
Ouço Newton assoviar
Um Gershwin Clara Nunes
Que faz vibrar feito flauta
Os túneis

Um cisco no olho azul da Lagoa:
Sozinho
Macunaíma anda de pedalinho

No Rio-Festa
Porgy and Bess
Tapeiam mais um turista argentino
E o chope é fino no azul cristalino
E vem num avião um Jobim azulão
E a chuva é flecha em São Sebastião…

A clave rosa da manhã atinge um balão
Maravimentirosa:

Dá pra pegar jacaré no arrastão

Age Maria

Age, Maria
Rasga o teu véu de virgem
Tinge tuas mãos na vertigem do pecado
Maria, ateu ao teu lado
Lanço em teu ventre
A língua que te consagre
Milagre é ser pura em plena incontinência
Sacra é a vida da incoerência
Não quero ser carpinteiro
Pra esculpir cruz que imortalize:
Que não seja eu
Que ao te amar
Te martirize

Choro pro Zé

Ai, por que choras, sax, tanto assim?
Conta pra mim o que te faz sofrer
Sou teu amigo, fiz por merecer:
Sempre junto a ti
Sou o coração que faz você viver
Ai, por que choras, sax, tanto assim?
Não há motivo pra se arrepender
Confia em mim
Que em minha vida
Alegrias, horas tristes e vazias
Passo com você
A emoção que seduz
Solando um choro ou um blues
Me faz lembrar de outras noites muito azuis
Ouvindo o sax murmurar
Num baile ao luar
Frases pra sofisticada lady
Existe um sax em mim
Chorando baixinho assim
E é tão bonito uma lágrima cantar…
Um saxofone num bar
Me faz respirar
Sempre que o amor
Provocar em mim falta de ar

Ramo de delírios

Juntei no violão pra você
O que já não tem mais sentido
E amarrei num buquê
Pra reaver o perdido
A terra onde nasceu o Peter Pan
Fica entre a Vila e o Maracanã

Bordei no aveludado do céu
Por trás do Cruzeiro do Sul
Um transatlântico azul
E nele vou te levar
Pra um pôr-do-sol com o marinheiro Simbad
Pra uma ciranda em Itamaracá

Orquestra de juritis
Um lago em pleno Sinai
Dobrões e maravedis, ai, ai
Um cafuné de meu pai, ai, ai
Sereias num lupanar

Roubei a Ingrid Bergman e fiz
O Humphrey Bogart decolar
De Casablanca e amiguei os dois no Jardim do Alá:
Se não der certo, um fica lá no Leblon
E outro vai pra Jacarepaguá

Peguei os sete anões por aí
E fomos juntos visitar
Levando um ramo de flor
Minha avó na UTI
Ela me disse que a dor é o lugar
Onde o prazer sentou pra descansar
Um iceberg lunar
Nas águas de Paquetá
O gol de placa que eu fiz, ai, ai
Tocar com a Leila Diniz, ai, ai
– Última flor do buquê

Guarda o meu ramo de delírios com você

Sete estrelas

Eu sou a música da gente quando nua e crua
Escorro do nariz do pobre quando ele se assua
Sou Carolina na janela desejando a rua…
Com a solitude eu ando acompanhado
Cada virtude minha é um pecado

Varejeira come lixo feito creme chantili
E que mistério tem aí?
E qual lição que eu aprendi?

Sou o cachorro na viela cobiçando a lua
Sou o vermelho da donzela quando ela menstrua
O amassado na baixela feito com gazua…
A solitude eu quis por companheira
Toda mentira minha é verdadeira

Trepadeira, borda folha feito ponto macramé:
É um mistério de se ver
E uma lição para se aprender
– Pior que a morte é desviver

Varejeira faz zoeira
No monturo do meu coração
Sete estrelas eu quisera
Sete vezes azuis sentinelas do meu violão

Eu canto a lágrima e o sal que o triste chora e sua
Eu sou a fome que há na santa quando ela jejua
O grito doido na garganta de uma cacatua…

Varejeira come lixo feito creme chantili
E que mistério tem aí?
E qual lição que eu aprendi?

Sou a paixão que faz seqüela quando pega e encrua
Eu sou o monstro da lagoa quando ele flutua
Se tu disser que é minha, eu digo que é a tua…

Trepadeira borda folha feito ponto macramé
É um mistério de se ver
E uma lição pra se aprender
– Pior que a morte é desviver

Trepadeira tece esteira
Nas paredes do meu coração:
Sete estrelas benfazejas
Sete vezes irmãs sentinelas do meu violão

Simples e absurdo

O olho claro no cabelo cor da noite
Riso branco feito açoite no olhar de paranóia
Aqui é cúmplice o que é simples e absurdo:
Esmeralda no veludo, onça negra com jibóia

O que é quente se reúne ao que é gelado:
Dois vaga-lume agarrado na casaca do pingüim
O que é sagrado vaticina o que é pecado:
Dois louva-deus afogado em piscina de nanquim

De que se ri Diacuí?
Farsante finge um piti:
Gelo picado desmanchando dentro de um daiquiri…
Noturna sanguessuga suga o meu sossego pra si
Feito o morcego enxuga o suco-seiva do sapoti

Quem vê a corça que há em ti
Não pressente o javali
Que espreita a vítima na íntima clareira ao luar
Quem olha a jovem encantada tão bonita dançar
Não vê que a louca desgrenhada premedita matar

Ai, prenda minha, verde-preta que me abate,
Andorinha no abacate, luto sobre o beija-flor…
Salve Rainha, chega dessa ladainha,
Que o amor que tu me tinha era pouco e se acabou

Chá de panela

Hermeto foi na cozinha
Pra pegar o instrumental
Do facão à colherinha tudo é coisa musical
Trouxe concha e escumadeira, ralador, colher de pau
Barril, tirrina, e peneira – tudo é coisa musical

Me convidou pra uma pinga
Meu não pesou com dó
Piscou um olho só
Disse que eu tiro da seringa
Que home que não bebe e nega mocotó
Acaba quenga em vez de guinga
Se veste de filó, afrouxa o fiofó
E o ferrão já nem respinga
Encolhe feito um nó e vai ficar menó

Assoprou numa chaleira
Bateu numa bacia
Jesus, Ave Maria, era uma sinfonia!
Secador e geladeira entraram no compasso
Dançou a farinheira, saleiro no pedaço

E tudo era coisa musical
Funil mandando: Ôi!
Fogão gritando: Uau!

Fez um chocalho de arroz e outro de feijão
No talo do mamão
Cortou a fruta que já vi
Tocá mais doce, irmão
Direto ao coração

Assoprou numa chaleira
Bateu numa bacia
Jesus, Ave Maria, era uma sinfonia!
Secador e geladeira entraram no compasso
Dançou a farinheira, saleiro no pedaço

E tudo era coisa musical
Funil mandando: Ôi!
Fogão gritando: Uau!

Nesse chá de panela que eu senti a vocação
Vi que música é tudo que avoa e rasga o chão
Foi Hermeto Paschoal que magistral me deu o dom
De entender que do lixo ao avião em tudo há tom

E que até pinico da bom som
Se a criação é mais
Se o músico for bom

Me convidou pra uma pinga
Meu não pesou com dó
Piscou um olho só
Disse que eu tiro da seringa
Que home que não bebe e nega mocotó
Acaba quenga em vez de guinga
Se veste de filó, afrouxa o fiofó
E o ferrão já nem respinga
Encolhe feito um nó e vai ficar menó

Assoprou numa chaleira
Bateu numa bacia
Jesus, Ave Maria, era uma sinfonia!
Secador e geladeira entraram no compasso
Dançou a farinheira, saleiro no pedaço

E tudo era coisa musical
Funil mandando: Ôi!
Fogão gritando: Uau!

Nesse chá de panela que eu senti a vocação
Vi que música é tudo que avoa e rasga o chão
Foi Hermeto Paschoal que magistral me deu o dom
De entender que do lixo ao avião em tudo há tom

E que até pinico da bom som
Se a criação é mais
Se o músico for bom

Canção do lobisomem

Eu sou inquieto assim pra dar um corte
E no elo entre a satisfação e a morte
Sou o ofício secreto do veneno
Corroeno o amor

  • Deus o tenha!
    Como disse Drummond (mais que epopéia)
    “Essas flores no copo de geléia” me alucinam
    “Essa lua, esse conhaque” e o mar
  • O que mais quero
    Quando não espero é Deus que dá!
    Minhas unhas em garras transformadas
    Rasgam a roupa da virgem apavorada
    Meia-noite e ao romper aquela porta
    Que a separa de mim, ela tá morta!
    Não dá pra entender

Essa angústia é boa companheira
Da conversa entre o Príncipe e a caveira
Deduzi que a esperança
É uma besteira corroeno o amor

  • Deus o tenha!
    Entre amar e matar não sobra espaço:
    Quantas lâminas rente ao meu abraço
    E cristais de arsênico em meu beijo
    Vão matar o que mais quero
    Quando não espero é que Deus dá

Nem a cobra coral, nem mesmo a naja
Dão bote da prata que viaja
Numa bala entre a arma e o meu peito
Acho graça em desgraça
Dito e feito: sou meu matador

Nem cais, nem barco

O meu amor não é o cais
Não é o barco
É o arco da espuma
Que, desfeito, eu sou
É tudo e coisa nenhuma
Entre a proa e a bruma, o amor
É a lembrança que enfuna
Velas na escuna que naufragou
Não é no livro antigo o olor
De rosa que eu recebi
Não é a ode, a loa
Em Fernando Pessoa
Mas é a nostalgia
Do que eu não li
Não é o camafeu
Exposto na vitrine, em loja de penhor
Mas é o que doeu
No peito feito um crime
Ao homem que o trocou
É o olhar de um instante
Fixando o amante
Em plena traição
Que há em noivas degoladas no caramanchão
É o vulto de mulher
Há muito tempo morta
Em frente à penteadeira
É o vazio que a
Ausência dela ocupa ao ver sua cadeira
A chuva dessa tarde trouxe Tito Madi
E apenas eu ouvia…
Ah, o amor é estar no inferno ao som da Ave Maria!

Catavento e girassol

Meu catavento tem dentro
O que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido
Eu te pedi sustenido
E você riu bemol
Você só pensa no espaço
Eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio
Você é litorânea
Quando eu respeito os sinais
Vejo você de patins
Vindo na contra-mão
Mas, quando ataco de macho
Você se faz de capacho
E não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega
Nós não ouvimos conselho:
Eu sou você que se vai
No sumidouro do espelho
Eu sou do Engenho de Dentro
E você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio
E você é expansiva
(o inseto e a flor)
Um torce pra Mia Farrow
O outro é Woody Allen…
Quando assovio uma seresta
Você dança, havaiana
Eu vou de tênis e jeans
Encontro você demais:
Scarpin, soirée
Quando o pau quebra na esquina
Você ataca de fina
E me oferece em inglês:
É fuck you, bate-bronha
E ninguém mete o bedelho:
Você sou eu que me vou
No sumidouro do espelho
A paz é feita no motel
De alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois
Que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval
Aumentam os desenganos:
Você vai pra Parati
E eu pro Cacique de Ramos
Meu catavento tem dentro
O vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora
O escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade
Você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço
Você é tão espontânea!
Sei que um depende do outro
Só pra ser diferente
Pra se completar
Sei que um se afasta do outro
No sufoco somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser
E eu sou mais vermelho
Mas os dois juntos se vão
No sumidouro do espelho

Lendas Brasileiras

Dizem lendas que um labro marador
Viu num luzeiral a Saruí
Tendo ao lado dela
Um Par da França
Com a lança e o elmo em fogo de Santelmo
Vendo o marador a meiga Saruí
Transtornou-se em flor de cambuci
Tingida de aniz marijuana
Que azimbra as Malvinas das iguanas…
Ah, o arco-íris virou quebra-luz
Tuma ardilou-se em penas de avestruz
E a minha avó batia pão-de-ló
No sino da igreja do Jarí
Ao ver casar Nhá-Piná e Raoni

Peixe de água doce quis luceliçá
Junto ao seringal do Xapuri
Mas apareceu um Par de França
E disse a ele: “- Esse rendez-vou, cancele!”
E levou o peixe na Praça Paris
Pra estudar na Escola Patati
Onde, diz-se, um pato ao tucupi
Foi graduado Cisne do Itamaraty
E aí, o peixe doce virou caximir
E a onda trouxe um Guinga e um Aldir
E foi então que o pobre enriqueceu
Valeu. Todas as lendas são assim:
Pra relembrar o que não aconteceu