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Três lágrimas

Eu chorei
Pela primeira vez na minha vida
Quando nossa vida se complicou
Éramos então duas crianças
Cheias de vida e de esperança

Lembro-me bem do teu olhar espantado
Quando te roubei um beijo bem roubado
E uma lágrima dos olhos me rolou
Eu chorei
Pela segunda vez na minha vida
Quando minha vida desmoronou
Tínhamos então mais vinte anos
Mágoas, saudades, desenganos

Lembro-me bem do teu olhar esquisito
Quando te olhei surpreso e muito aflito
E uma lágrima dos olhos te rolou
Eu chorei
Pela terceira vez na minha vida
Quando minha vida se acabou
Ia pela rua amargurado
Quando ouvi bem o teu chamado

Lembro-me só que já fugira a meiguice
Do teu lindo olhar agora era a velhice
E uma lágrima dos olhos nos rolou

Por causa desta cabocla

À tarde
Quando de volta da serra
Com os pés sujinhos de terra
Vejo a cabocla passar
As flores vêm pra beira do caminho
Pra ver aquele jeitinho
Que ela tem de caminhar
E quando ela na rede adormece
E o seio moreno esquece
De na camisa ocultar
As rolas
As rolas também morenas
Cobrem-lhe o colo de penas
Pra ele se agasalhar
Na noite dos seus cabelos
Os grampos são feitos de pirilampos
Que às estrelas querem chegar
E as águas dos rios
Que vão passando
Fitam seus olhos pensando
Que já chegaram ao mar
Com ela dorme toda a natureza
Emudece a correnteza
E fica o céu todo apagado
Somente com o nome dele na boca
Pensando nesta cabocla
Fica um caboclo acordado.

Inquietação

Quem se deixou escravizar
E, no abismo, despencar
Por um amor qualquer
Quem, no aceso da paixão
Entregou o coração
À uma mulher
Não soube o mundo compreender
Nem a arte de viver
Nem chegou, mesmo de leve, a perceber
Que o mundo é sonho, fantasia
Desengano, alegria
Sofrimento, ironia
Nas asas brancas da ilusão
Nossa imaginação
Pelo espaço, vai, vai, vai
Sem desconfiar
Que mais tarde cai
Para nunca mais voar.

Serenata

Dorme, fecha êste olhar entardecente,
Não me escutes, nostálgico, a cantar
Pois não sei se feliz ou infelizmente
não me é dado, beijando, te acordar
Dorme, deixa os meus cantos delirantes
Dorme, que eu olho o céu a contemplar
a lua que procura diamantes
para o teu lindo sonho ornamentar
Na serpente de seda dos teus braços
alguém dorme, ditoso, sem saber
que eu vivo a padecer
E o meu coração feito em pedaços
vai sorrindo ao teu amor
mascarado dessa dor
No teu quarto de sonho e de perfume
onde vive a sorrir teu coração
que é teatro da ilusão
dorme junto a teus pés o meu ciúme
enjeitado e faminto como um cão.

Faceira

Foi num samba 
De gente bamba 
Oi.gente bamba, 
Que eu te conheci, 
Faceira, 
Fazendo visagem, 
Passando rasteira. 
Que bom, que bom, que bom. 
E desceste lá do morro 
Pra viver cá na cidade, 
Deixando o companheiro, 
Quase louco de saudade. 
Linda criança, 
Tenho fé, tenho esperança, 
Tu um dia hás de voltar, 
Direitinho ao teu lugar.

(foi num samba)

Professora

Eu a vejo todo dia
Quando o sol mal principia
A cidade a iluminar

Eu venho da boemia
E ela vai, quanta ironia
Para a escola trabalhar

Louco de amor no seu rastro
Vaga-lume atrás de um astro
Atrás dela eu tomo o trem

E no trem das professoras
Em que outras vão, sedutoras
Eu não vejo mais ninguém

Essa operária divina
Que lá no subúrbio ensina
As criancinhas a ler

Naturalmente condena
Na sua vida serena
O meu modo de viver

Condena porque não sabe
Que toda culpa lhe cabe
De eu viver ao Deus dará

Menino querendo ser
Para com ela aprender
Novamente o be-a-bá

Linda lourinha

Loirinha, loirinha
Dos olhos claros de cristal
Desta vez em vez da moreninha 
Serás a rainha do meu carnaval
(bis)

Loura boneca que vens de outra terra
Que vem de Inglaterra
Que vem de Paris

Quero te dar o meu amor mais quente
Do que o sol ardente 
Deste meu Brasil

Linda loirinha tens olhar tão claro
Deste azul tão raro
Como o céu de anil
Mas tuas faces vai ficar morenas
Como das pequenas deste meu Brasil

Loirinha, loirinha
Dos olhos claros de cristal
Desta vez em vez da moreninha 
Serás a rainha do meu carnaval

Da cor do pecado

Esse corpo moreno cheiroso e gostoso que você tem
É um corpo delgado da cor do pecado
Que faz tão bem.
Esse beijo molhado, escandalizado que você deu
Tem sabor diferente que a boca da gente
Jamais esqueceu
E quando você me responde umas coisas com graça
A vergonha se esconde
Porque se revela a maldade da raça
Esse corpo de fato tem cheiro de mato
Saudade, tristeza, essa simples beleza
Esse corpo moreno, morena enlouquece
Eu não sei bem por que
Só sinto na vida o que vem de você.

Deusa da minha rua

A Deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol num doirado sonho
Vai claridade buscar
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz

Na rua, uma poça d’água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu para o chão
Tal qual o chão da minha vida
A minh’alma comovida
O meu pobre coração
Espelhos da minha mágoa
Meus olhos são poças d’água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica, eu tão pobre
Eu sou plebeu , ela é nobre
Não vale a pena sonhar

Minha palhoça

Se você quisesse morar na minha palhoça
Lá tem troça, se faz bossa
Fica lá na roça à beira do riachão
E à noite tem um violão
Uma roseira cobre a banda da varanda
E ao romper da madrugada
Vem a passarada abençoar nossa união

Tem um cavalo
Que eu comprei em Pernambuco
E não estranha a pista
Tem jornal, lá tem revista
Uma kodak para tirar nossa fotografia
Vai ter retrato todo dia
Um papagaio que eu mandei vir do Pará
Um aparelho de rádio-batata
E um violão que desacata

Se você quisesse morar na minha palhoça
Lá tem troça, se faz bossa
Fica lá na roça à beira do riachão
E à noite tem um violão
Uma roseira cobre a banda da varanda
E ao romper da madrugada
Vem a passarada abençoar nossa união

Tem um pomar
Que é pequenino, é uma tetéia, é mesmo uma gracinha
Criação, lá tem galinha
Um rouxinol que nos acorda ao amanhecer
Isso é verdade podes crer
A patativa quando canta faz chorar
Há uma fonte na encosta do monte
A cantar chuá-chuá.

Meus vinte anos

Nos olhos das mulheres
No espelho do meu quarto
É que eu vejo a minha idade
O retrato na sala
Faz lembrar com saudade
A minha mocidade

A vida para mim tem sido tão ruim
Só desenganos
Ai, eu daria tudo
Para poder voltar
Aos meus vinte anos.

Deixaste minha vida
A sombra colorida
De uma saudade imensa
Deixando-me ficaste
Mostrando-me o contraste
Matando a minha crença
E hoje desiludido
Muito tenho sofrido
Cheio de desenganos
Ai, eu daria tudo
Para poder voltar
Aos meus vinte anos.

Nos olhos das mulheres
No espelho do meu quarto
É que eu vejo a minha idade

O retrato na sala
Faz lembrar com saudade
A minha mocidade

A vida para mim tem sido tão ruim
Só desenganos
Ai, eu daria tudo
Para poder voltar
Aos meus vinte anos.

Valsa do meu subúrbio

Valsa triste Velha valsa 
Das serestas Nas noites de lua 
Ainda hoje, Tu emprestas 
Teus lamentos Aos cantores da rua 

Velha valsa Minha amiga 
Tão boêmia Quanto o teu cantor 
Valsa triste Tu me obrigas 
A contar um história De amor… 

Quem não viu num subúrbio distante 
Numa valsa um cantor soluçar 
A pedir, a implorar suplicante 
A esmola de um beijo, um olhar 

Eis que surge medrosa à janela 
A donzela, a razão dos seus ais 
Ele então pede a ela 
Que esta valsa, não esqueça, jamais

Morena boca de ouro

Morena boca de ouro
Que me faz sofrer
O teu jeitinho é que me mata
Roda morena, vai não vai
Ginga morena, cai não cai
Samba morena e me desacata

Morena é uma brasa viva pronta pra queimar
Queimando a gente sem clemência
Roda morena, vai não vai
Ginga morena, cai não cai
Samba morena com malemolência

Meu coração é um pandeiro
Gingando ao compasso de um samba feiticeiro
Samba que mexe com a gente
Samba que zomba da gente
O amor é um samba tão diferente

Morena samba no terreiro
Pisando vaidosa sestrosa meu coração
Morena tem pena de mais um sofredor
Que se queimou na brasa viva do seu amor.

No rancho fundo

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade contam coisas da cidade
No rancho fundo, de olhar triste e profundo
Um moreno conta as mágoas tendo os olhos rasos d’água
Pobre moreno, que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro tendo o cigarro por companheiro
Sem um aceno ele pega da viola
E a lua por esmola vem pro quintal deste moreno
No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria nem de noite nem de dia
Os arvoredos já não contam mais segredos
E a última palmeira já morreu na cordilheira
Os passarinhos internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza enche de trevas a natureza
Tudo por quê? Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno para uma casa de sapê

Chão de estrelas

Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros, distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão

Pastorinhas

A estrela d’alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
Lindos versos de amor
Linda pastora
Morena da cor de Madalena
Tu não tens pena
De mim que vivo tonto com o meu olhar
Linda criança
Tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
De sempre e sempre te amar

Pra Que Mentir

Pra que mentir se tu ainda não tens
Esse dom de saber iludir?
Pra quê?! Pra que mentir
Se não há necessidade de me trair?
Pra que mentir, se tu ainda não tens
A malícia de toda mulher?
Pra que mentir
se eu sei que gostas de outro
Que te diz que não te quer?
Pra que mentir
Tanto assim
Se tu sabes que eu já sei
Que tu não gostas de mim?!
Se tu sabes que eu te quero
Apesar de ser traído
Pelo teu ódio sincero
Ou por teu amor fingido?!