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Poema essencialista – Adalgisa Nery

Sinto o conteúdo da existência. Procuro ultrapassá-lo com enorme exaltação poética, Rompo as grades do mundo com o espetáculo das formas, Dos sons e das cores. Tudo me afoga em nostalgia de outras eras, De outras vidas que cristalizaram As tendências da minha infância. A utilização das coisas plásticas Altera o equilíbrio da visão. Distribuo …

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Poema simples – Adalgisa Nery

Deixa-me recolher as rosas que estão morrendo nos jardins da noite, Deixa-me recolher o fruto antes que este volva as raízes da terra, Deixa-me recolher a estrela úmida Antes que sua luz desapareça na madrugada, Deixa-me recolher a tristeza da alma Antes que a lágrima banhe a pálpebra Do órfão abandonado e faminto, Deixa-me recolher a ternura …

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Silêncio – Adalgisa Nery

Nas mãos inquietas Cansadas esperanças Tateando formas na luz ausente, Nos olhos embrumados A viva cruz do alívio, Na boca imobilizada A palavra amortalhada. E à tona da fugaz realidade O mistério das surpresas superadas. Paisagem de espaços, e fantasmas Ordenam não falar, não morrer, Ouvir sem conduzir o pensamento, Viver os vazios lúcidos Entre …

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Ternura – Adalgisa Nery

Antes que eu me transforme em água E corra com os rios Cantando para as florestas escuras A canção sublime Deixa-me contemplar tua face amada Para que a canção se eternize. Antes que os meus olhos se transformem nos minúsculos vermes Que movimentam o solo Deixa-me receber a luz de tua boca Para que eu …

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Vivência – Adalgisa Nery

Começamos a viver Quando saímos do sono da existência, Quando as distâncias se alongam nas partículas do corpo. Começamos a viver Quando confusos e sem consolo Não sentimos os traços do irmão perdido. Quando antes da força Surge a sombra do insignificante. Quando o sono é transformado em sonhos superados, Quando o existir não é …

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Instante – Adalgisa Nery

O espanto abriu meu pensamento Com idioma vindo do delírio, Dos receios indefesos, dos louvores sem raízes, No perdão oferecido sem razão. O espanto abriu meu pensamento Na noite carregada de lamentos Em linguagem universal Fluindo do eco perdido Com passos de presságio amanhecendo. Corpos florindo na pele da terra Acendendo vida nas rosas e …

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Mulher – Adalgisa Nery

Na face, a geografia da angústia, Dos pânicos e das medrosas alegrias. Cada ruga é um presságio. E auréola da aflição constante O esplendor dos cabelos brancos. Uma só raiz para frutos diversos, Uma só vida para destinos tão complexos, Um só pranto para dores tão diversas. O útero que gera o herói, o sábio, …

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Paisagem – Adalgisa Nery

Restam nos meus olhos Séculos de planícies áridas E o vento ríspido que trouxe as lamentações Das sombras agitadas Sobre os pântanos desconhecidos Distantes estão os caminhos Onde eu encontraria a suprema fraqueza Para vergar os meus joelhos E deitar no pó a minha boca moribunda Invisíveis estão as estrelas Que me levariam a contemplar …

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Olhando no espelho – Abdias do Nascimento

(Para meus netos Samora, Alan e Henrique Alberto)Ao espelho te vejo negrinhote reconheço garoto negrovivemos a mesma infânciaa melancolia partilhada do teu profundo olharera a senha e a contra-senhaidentificando nosso destinoconfraria dos humilhadosa povoar de terna lembrançaesta minha evocação de FrancaÉramos um só olharnos papagaios empinadosao sopro fresco do entardecerNegrinho garota negravivemos a mesma infâncianos …

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Oriki da Elisa – Abdias do Nascimento

Amor em Saudade    desatado    de carência física    embotadoAmor de amor pleno    tranbordante    música pungente    latejanteLateja amor as têmporas   as taclas teclam amor   agudo punhal inclemente   apunhalando a dorDor do desamor que   não é meu   nem teu   meu é o   bemquerer que não morreu   associado partilhado   na partilha do que …

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Autobiografia – Abdias do Nascimento

EITO que ressoa no meu sanguesangue do meu bisavô pinga de tua foicefoice da tua violação ainda corta o grito de minha avó LEITO de sangue negroemudecido no espanto clamor de tragédia não esquecida crime não punido nem perdoadoqueimam minhas entranhasPEITO pesado ao peso da madrugada de chumboorvalho de fel amargoorvalhando os passos de minha mãena oferta compulsória …

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A rota – Adalgisa Nery

O mundo pulveriza-nos sem revelar Seus intuitos secretos. A vida é contemplá-los nos seus gestos mais sutis E sentir nas águas profundas O que de cada destino foi escrito Nos penhascos dos mares agitados. No vácuo do espírito Anda a forma sem direção Por caminhos já pisados E inseguros são os passos repetidos. Nem sempre …

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Abandono – Adalgisa Nery

A exaustão faminta Procura elementos ainda vivos no meu ser Talvez guardados em escuros vácuos Que carrego sem saber. Alimenta-se do sopro das imagens Desenhadas pela minha imaginação Pelo tato dos meus sentimentos, Pelo pânico do desconhecido. Aparece como febre constante dilatando as minhas carnes Descoloridas e sem sabor de vida. A exaustão sobe pelos meus pés, Cobre os meus gestos incipientes, Prende a minha língua, Suga o …

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Canção para dentro – Adalgisa Nery

A canção do corpo é cantada para dentro E a leveza da alegria se transmuda em peso, A brisa adere aos amargos pensamentos Fluindo no sorriso compassivo. Logo, Surgindo de células desamadas Os matizes áureos anoitecem, Pálpebras levantadas vão caindo E nesgas apenas vislumbramos, Geografias em nós morrendo, Oceanos crescendo, ilhas sumindo, Rosas nascendo na …

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A um homem – Adalgisa Nery

Quando numa rocha porosa Cansado te encostares E dela vires surgir a umidade e depois a gota, Pensa, amado meu, com carinho, Que aí esta a minha boca. Se teus olhos ficarem nas praias E vires o mar ensalivando a areia Com alegria pensa amado meu Num corpo feliz Porque é só teu. Se descansares …

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Repouso – Adalgisa Nery

Dá-me tua mão E eu te levarei aos campos musicados pela canção das colheitas Cheguemos antes que os pássaros nos disputem os frutos, Antes que os insetos se alimentem das folhas entreabertas. Dá-me tua mão E eu te levarei a gozar a alegria do solo agradecido, Te darei por leito a terra amiga E repousarei …

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Mistério – Adalgisa Nery

Há vozes dentro da noite que clamam por mim, Há vozes nas fontes que gritam meu nome. Minha alma distende seus ouvidos E minha memória desce aos abismos escuros Procurando quem chama. Há vozes que correm nos ventos clamando por mim. Há vozes debaixo das pedras que gemem meu nome E eu olho para as …

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Fala – Orides Fontela

Tudoserá difícil de dizer:a palavra realnunca é suave. Tudo será duro:luz impiedosaexcessiva vivênciaconsciência demais do ser Tudo seráCapaz de ferir. SeráAgressivamente real.Tão real que nos despedaça.Não há piedade nos signosE nem no amor: o serÉ excessivamente lúcidoE a palavra é densa e nos fere(toda a palavra é crueldade)– Orides Fontela, do livro “Transposição”, em “Poesia …

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Mãos – Orides Fontela

Com as mãos nuas lavrar o campo:  as mãos se ferindo nos seres, arestas da subjacente unidade  as mãos desenterrando luzesfragmentos do anterior espelho  com as mãos nuas lavrar o campo:  desnudar a estrela essencial sem ter piedade do sangue. – Orides Fontela, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 20. Orides Fontela Autor: Orides Fontela

Evocação da rosa – Abdias do Nascimento

(Para Yemanjá – no seu décimo aniversário)Era uma vez uma rosa que não era vegetal nem rosa mineralcarecia até da cor de rosaera uma gata formosanegra amarela e brancosairrequietamente caprichosavestida de suave pêlo multicorBichana terrivelmente amorosados laços dos seus encantosnenhum gato jamais se livrou pelos telhados miava dengosasuspirava a noite inteira seduzindo namoradeiratoda a gataria aoluar da lua alcoviteiraCerto …

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VIII – Júlia Cortines

Como é doce seguir o teu rastro, ó saudade,Se equilibras no azul, à branda claridadeDe um sonhado luar, as tuas asas mansasDoiradas pela luz das nossas esperanças,E levas para longe o teu voo, a um passadoDe sorrisos e amor e sonhos estrelado,Onde vemos alguém, que sobre nós derramaDo seu profundo olhar a cariciosa chama,Fazendo rebentar …

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Amanhã – Patativa do Assaré

Amanhã, ilusão doce e fagueira, Linda rosa molhada pelo orvalho: Amanhã, findarei o meu trabalho, Amanhã, muito cedo, irei à feira.Desta forma, na vida passageira, Como aquele que vive do baralho, Um espera a melhora no agasalho E outro, a cura feliz de uma cegueira.Com o belo amanhã que ilude a gente, Cada qual anda …

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O peixe – Patativa do Assaré

 Tendo por berço o lago cristalino, Folga o peixe, a nadar todo inocente, Medo ou receio do porvir não sente, Pois vive incauto do fatal destino. Se na ponta de um fio longo e fino A isca avista, ferra-a insconsciente, Ficando o pobre peixe de repente, Preso ao anzol do pescador ladino. O camponês, também, …

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Sina – Patativa do Assaré

Eu venho desde menino Desde muito pequenino Cumprindo o belo destino Que me deu Nosso Senhor Não nasci pra ser guerreiro Nem infeliz estrangeiro Eu num me entrego ao dinheiro Só ao olhar do meu amor Carrego nesses meus ombros O sinal do Redentor E tenho nessa parada Quanto mais feliz eu sou Eu nasci …

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Um peixe – Patrícia Galvão

Um pedaço de trapo que fosse Atirado numa estrada Em que todos pisam Um pouco de brisa Uma gota de chuva Uma lágrima Um pedaço de livro Uma letra ou um número Um nada, pelo menos Desesperadamente nada. Patrícia Galvão Autor: Patrícia Galvão

Canal – Patrícia Galvão

Nada mais sou que um canal Seria verde se fosse o caso Mas estão mortas todas as esperanças Sou um canal Sabem vocês o que é ser um canal? Apenas um canal? Evidentemente um canal tem as suas nervuras As suas nebulosidades As suas algas Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas Mas por favor Não pensem …

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Anfitrite – Júlia Cortines

(Sobre uma página de Fénelon) Tinta a escama de azul e de oiro, solevandoEm seus brincos a vaga espúmea, pelo bandoDos alegres tritões, que os búzios retorcidosSopram, enchendo o ar de músicos ruídos,Acompanhados, vão os ligeiros golfinhosSeguindo de Anfitrite o carro, que marinhosCorcéis, – que têm na cor cetinosa do peloA brancura da neve e …

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Em vão – Júlia Cortines

É a ilusão, bem vejo: em tua fronte Inda fulge um resplendor de aurora. Tens o mesmo sorriso com que outrora Deliciavas a minha alma insonte. Debalde apontas para além do monte Prainos que a ardência do verão enflora; Asas vibrando pelos céus em fora, Céus sem nuvens, sem raias o horizonte… Esta grandiosa e …

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Indiferente – Júlia Cortines

E vão assim as horas! – Vão fugindoUm após outro os dias voadores,Ao túmulo do olvido conduzindoAs alegrias como os dissabores,O sonho agita as asas multicores,E vai-se e vai-se rápido sumindo,Enquanto a vaga quérula das doresSoluça, e rola pelo espaço infindo…A mim, porém a mim, a mim que importa,A mim, cuja esperança há muito é …

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O infinito – Júlia Cortines

(G. LEOPARDI)AO DR. ESPERIDIÃO ELOY FILHO. Sempre caro me foi este ermo cole,Mais esta sebe, que de tanta parteO longínquo horizonte à vista oculta.Mas, se me assento, contemplando-a, espaçosIntérminos além, e sobre-humanoSilêncio, e profundíssima quietudeMeu pensamento fantasia; e quaseSe me apavora o coração. Se o ventoOuço fremir nas árvores, aqueleInfinito silêncio a este murmúrioVou comparando: …

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Sinal na fonte – Júlia Cortines

(ADA NEGRI)Uma estrangeira, em púrpuras e gala,Tocou-me a fronte com um dedo, e riu-se.Um frêmito me abala.E disse-me: “Um sinal tu tens na fronte,Talhado em forma de uma cruz bizarra.Tens um sinal na fronte.Dos anos teus no afortunado giroSempre o trarás contigo – pois abriu-oA boca d’um vampiro,Que da tua existência a melhor parteÁvido suga, …

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Sonhadores – Júlia Cortines

Almas – da natureza a execrada exceção – Em que o Sonho ateou seu nefasto clarão, Vós que, presas à terra, a asa do pensamento Sentis sempre a voar, em livre movimento, Para o distante azul dos mundos ideais, Onde o bem que buscais não existiu jamais; Vós que abris, procurando o mistério das coisas, …

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Dies iræ – Júlia Cortines

A esse som de trombeta e de alarma, quem há de Dormir? Mortos, deixai a paz da sepultura E acorrei: o que ouvis é o clarim da Saudade! De pé! de pé! de pé! Despedaçai a dura Lousa que sobre vós lançou o esquecimento, Espectros do sofrer, fantasmas da ventura! Ó divina ilusão, que um …

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Finis – Júlia Cortines

Ouço um surdo, abafado e discorde ruído, Logo após um fragor que pelos ares trona. Qual se dum terremoto o solo sacudido Fosse, em torno de mim tudo se desmorona. O que é feito de vós, altivos monumentos, Que afrontáveis do tempo os inúteis furores, Mergulhando no azul dos largos firmamentos, Mergulhando dos céus nos …

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Poesia perdida – Jacinta Passos

Ó! a poesia deste momento que passa,a grande poesia vivida neste instantepor todos os seres da terra,que palpita nas coisas mais simplescomo um rastro luminoso da Belezae, sem uma voz humana para eternizá-la,se perde para sempre, inutilmente…Por que existo, Senhor, quando não posso cantar?– Jacinta Passos (1933?), em  parte I “Momentos de Poesia”, do livro …

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Canção da alegria – Jacinta Passos

Urupembaurupembamandioca aipim!peneirarpeneirouque restou no fim?Peneira massa peneira,peneira peneiradinha,(Ai! vida tão peneirada)peneira nossa farinha.Olhe o romboolhe o romboolhe o rombo arrombou!olhe o ciscoolhe o riscourupemba furou!Eh! sai espantalhoda ponta do galho!Escorra! Escorra!Tirai essa borra!Urupembaurupembamandioca aipim!peneirarpeneirouque restou no fim?Farinha fininhapeneiradinha!Ai! vida, que vidanuinha! nuinha!– Jacinta Passos em “Canção da partida”. São Paulo: Edições Gaveta, 1945. Jacinta Passos …

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Cantigas das mães – Jacinta Passos

(para minha mãe)Fruto quando amadurececai das árvores no chão,e filho depois que crescenão é mais da gente, não.Eu tive cinco filhinhose hoje sozinha estou.Não foi a morte, não foi,oi!foi a vida que roubou.Tão lindos, tão pequeninos,como cresceram depressa,antes ficassem meninosos filhos do sangue meu,que meu ventre concebeu,que meu leite alimentou.Não foi a morte, não foi,oi!foi …

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Cântico de exílio – Jacinta Passos

Estou cansada, Senhor.Minha alma insaciável,a minha alma faminta de beleza,ávida de perfeição,é perseguida pelo teu amor.Puseste dentro dela esta ânsia infinitacujo ardor queima,como a sede que em pleno deserto escaldantepersegue o viajor.Esta angústia, que cresce e que vibra e palpita,nasceu dentro em mimno mesmo divino instanteem que, morrendo a última ilusão,só me restava afinaluma fria …

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Crepúsculo – Jacinta Passos

Vai lentamente agonizando o dia…O poente onde, há pouco, o sol ardia,se tingiu de cor de ouro, luminosa.Tons desmaiados de lilás e rosalistram o puro azul do firmamento– um poema de luz, neste momento.A sombra de mansinho vem caindoe o contorno das coisas, diluindo.Pesa um grande silêncio, enorme e mudo.Desce suavemente sobre tudo,uma bênção dulcíssima …

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Eu serei poesia – Jacinta Passos

A poesia está em mim mesma e para além de mim mesma.Quando eu não for mais um indivíduo,eu serei poesia.Quando nada mais existir entre mim e todos os seres,os seres mais humildes do universo,eu serei poesia.Meu nome não importa.Eu não serei eu, eu serei nós,serei poesia permanente,poesia sem fronteiras.– Jacinta Passos (1942), em parte I “Momentos …

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Incerteza – Jacinta Passos

Em meu olhar se espelhaa sombra interior de incerteza angustiante.E em minha alma floresce, como rosa vermelhadum vermelho gritante,como o clangor clarim,esta angústia que vive a vibrar dentro em mim.É a minha vida um longo e ansioso esperar,num amor que há de vir.Amor – prazer que é dor e sofrer que é gozar –Amor que …

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Manhã de sol – Jacinta Passos

Dia azul de Maio. Esplendeum sol de ouro no céu que além se estende. Prolongam-se vibrações do arrebolna clara luz desta manhã de sol.O céu ardente,dum azul luminoso e transparente,tem doçura infinita…Um rumor de asas pelo azul palpita,palpita pelo ar.É carícia sonora, a música do mar.O verde risonhodas árvores é lindo como um sonho.A brisa …

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Navio de imigrantes – Jacinta Passos

a Lasar Segall Gestos paradosno limiardo céu e mar.Corpos largadosdesamparados,límpido tempode primaveramora no fundode vossa espera.Navio sombrio, que levas no bojo?– descobre o teu véu:navegas em busca da terra ou do céu?Corpos humanossuportam corpos,seus desenganos.Corpo, cansaço,longa viagem,busca um regaço,terra ou miragemArca ou navio,nau ou galera,vens doutra era,séculos a fio. Qual o teu rumo?Levas o sumoda dor …

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O mar – Jacinta Passos

Múrmuro e lento,o mar ao longe se espraia.Geme e brame, ruge e clamao seu tormento,e, soluçando, vem morrer na praia.O mar imenso…Quando eu escuto o seu rumor soturno,fico a cismar.Pensono destino do mar– ser eterno cantor –cantar a sua dor de eterno insatisfeito,cantar o seu sonho infinito desfeito,cantar o mesmo canto que embaloua infância do …

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O rio – Jacinta Passos

Tantos rios como eu abriram leito de pedrase pranto. Um dia perguntávamos:– Dizei-me, curva, onde vou? casa trono rocha soisaqueles que ficam, minha lei é não parar. Sigofio de água, água humilde sou, para onde? Ó curva,falai. Água de revolta, espuma e ódio nos porosna garganta no útero, pranto de mulher, águade fel antigo, quem …

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Sangue Negro – Jacinta Passos

para Jorge Amado Terras curvas do Recôncavoonde adormece o oceano,no teu subsolo circulasangue negro cor da noite,da cor do preto africano,preto cujo sangue escravoregou o solo baiano.Terras curvas do Recôncavoonde adormece o oceano,de tuas veias abertasescorreo petróleo baiano,sangue negro do Brasil. Operário mestiço!tuas ásperas mãos – e tu não sabes disso –tuas mãos quando movem as …

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1935 – Jacinta Passos

Tenso como rede de nervospressentindo ah! novembrode esperança e precipício.Fruto peco.Novembro de sangue e de heróis.Grito de assombro morto na garganta,soluço seco dor sem nome. Ferido.De morte ferido. Como um animal ferido. Lutade entranhas e dentes. Natal.Sangue. Praia Vermelha.Sangue.Sangue. É quase um fioescorrendosangrentotenazpor dentro dos cárceres,nas ilhase nos corações que a esperança guardaram.– Jacinta Passos, …

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O poema – Ivan Junqueira

Não sou eu que escrevo o meu poema:ele é que se escreve e que se pensa,como um polvo a distender-se, lento,no fundo das águas, entre anêmonasque nos abismos do mar despencam.Ele é que se escreve com a penada memória, do amor, do tormento,de tudo o que aos poucos se relembra:um rosto, uma paisagem, a intensapulsação …

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Relâmpago – Ivan Junqueira

A navalha de luz do relâmpagorasga a carne da escuridãocom um estrondo que reboamais alto que as trombetas do Juízo.Será assim o clarão que nos cegaquando a alma, extenuada,galga os degraus da imortalidade?– Ivan Junqueira, em “Essa música”. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. Ivan Junqueira Autor: Ivan Junqueira

Adminimistério – Paulo Leminski

Quando o mistério chegar,já vai me encontrar dormindo,metade dando pro sábado,outra metade, domingo.Não haja som nem silêncio,quando o mistério aumentar.Silêncio é coisa sem senso,não cesso de observar.Mistério, algo que, penso,mais tempo, menos lugar.Quando o mistério voltar,meu sono esteja tão solto,nem haja susto no mundoque possa me sustentar. Meia-noite, livro aberto.Mariposas e mosquitospousam no texto incerto.Seria …

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Contranarciso – Paulo Leminski

em mimeu vejoo outroe outroenfim dezenastrens passandovagões cheios de gente centenas o outroque há em mim é vocêvocêe você assim comoeu estou em vocêeu estou neleem nóse só quandoestamos em nósestamos em pazmesmo que estejamos a sós Paulo Leminski Autor: Paulo Leminski

Já disse – Paulo Leminski

Já disse de nós.Já disse de mim.Já disse do mundo.Já disse agora,eu que já disse nunca. Todo mundo sabe,eu já disse muito. Tenho a impressãoque já disse tudo.E tudo foi tão de repente… Paulo Leminski Autor: Paulo Leminski

Morte e Vida Severina (trecho) – João Cabral de Melo Neto

— O meu nome é Severino,como não tenho outro de pia.Como há muitos Severinos,que é santo de romaria,deram então de me chamarSeverino de Maria;como há muitos Severinoscom mães chamadas Maria,fiquei sendo o da Mariado finado Zacarias.Mais isso ainda diz pouco:há muitos na freguesia,por causa de um coronelque se chamou Zacariase que foi o mais antigosenhor …

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Bem no fundo – Paulo Leminski

No fundo, no fundo,bem lá no fundo,a gente gostariade ver nossos problemasresolvidos por decreto a partir desta data,aquela mágoa sem remédioé considerada nulae sobre ela — silêncio perpétuo extinto por lei todo o remorso,maldito seja quem olhar pra trás,lá pra trás não há nada,e nada mais mas problemas não se resolvem,problemas têm família grande,e aos …

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A infância – Ariano Suassuna

Sem lei nem Rei, me vi arremessadobem menino a um Planalto pedregoso.Cambaleando, cego, ao Sol do Acaso,vi o mundo rugir. Tigre maldoso. O cantar do Sertão, Rifle apontado,vinha malhar seu Corpo furioso.Era o Canto demente, sufocado,rugido nos Caminhos sem repouso. E veio o Sonho: e foi despedaçado!E veio o Sangue: o marco iluminado,a luta extraviada …

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A estrada – Ariano Suassuna

No relógio do Céu, o Sol ponteiroSangra a Cabra no estranho céu chumboso.A Pedra lasca o Mundo impiedoso,A chama da Espingarda fere o Aceiro. No carrascal do sol, azul braseiro,Refulge o Girassol rubro e fogoso.Como morrer na sombra do meu Pouso?Como enfrentar as flechas desse Arqueiro? Lá fora, o incêndio: o roxo lampadáriodas Macambiras rubras …

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Lápide – Ariano Suassuna

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalonas pedras do meu Pasto incendiado:fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,com a Espora de ouro, até matá-lo. Um dos meus filhos deve cavalgá-lonuma Sela de couro esverdeado,que arraste pelo Chão pedroso e pardochapas de Cobre, sinos e badalos. Assim, com o Raio e o cobre percutido,tropel de cascos, sangue do Castanho,talvez …

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Com licença poética – Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,desses que tocam trombeta, anunciou:vai carregar bandeira.Cargo muito pesado pra mulher,esta espécie ainda envergonhada.Aceito os subterfúgios que me cabem,sem precisar mentir.Não tão feia que não possa casar,acho o Rio de Janeiro uma beleza eora sim, ora não, creio em parto sem dor.Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, …

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Alfândega – Adélia Prado

O que pude oferecer sem mácula foimeu choro por beleza ou cansaço,um dente exraizado,o preconceito favorável a todas as formasdo barroco na música e o Rio de Janeiroque visitei uma vez e me deixou suspensa.‘Não serve’, disseram. E exigirama língua estrangeira que não aprendi,o registro do meu diploma extraviadono Ministério da Educação, mais taxa sobre …

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Momento – Adélia Prado

Enquanto eu fiquei alegre,permaneceram um bule azul com um descascado no bico,uma garrafa de pimenta pelo meio,um latido e um céu limpidíssimocom recém-feitas estrelas.Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,constituindo o mundo pra mim, anteparopara o que foi um acometimento:súbito é bom ter um corpo pra rire sacudir a cabeça. A vida é mais tempoalegre …

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Casamento – Adélia Prado

Há mulheres que dizem:Meu marido, se quiser pescar, pesque,mas que limpe os peixes.Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,de vez em quando os cotovelos se esbarram,ele fala coisas como “este foi difícil”“prateou no ar dando rabanadas”e faz o gesto …

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Dona Doida – Adélia Prado

Uma vez, quando eu era menina, choveu grossocom trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.Quando se pôde abrir as janelas,as poças tremiam com os últimos pingos.Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.A …

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Aprendimentos – Manoel de Barros

O filósofo Kierkegaard me ensinou que culturaé o caminho que o homem percorre para se conhecer.Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fimfalou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisasdi-menor com a natureza. Aprendeu que as folhasdas árvores servem para nos ensinar a …

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Poema dos olhos da amada – Vinícius de Moraes

Ó minha amadaQue olhos os teusSão cais noturnosCheios de adeusSão docas mansasTrilhando luzesQue brilham longeLonge nos breus… Ó minha amadaQue olhos os teusQuanto mistérioNos olhos teusQuantos saveirosQuantos naviosQuantos naufrágiosNos olhos teus… Ó minha amadaQue olhos os teusSe Deus houveraFizera-os DeusPois não os fizeraQuem não souberaQue há muitas erasNos olhos teus. Ah, minha amadaDe olhos ateusCria …

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Ternura – Vinícius de Moraes

Eu te peço perdão por te amar de repenteEmbora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidosDas horas que passei à sombra dos teus gestosBebendo em tua boca o perfume dos sorrisosDas noites que vivi acalentadoPela graça indizível dos teus passos eternamente fugindoTrago a doçura dos que aceitam melancolicamente.E posso te dizer que …

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O que é simpatia (a uma menina) – Casimiro de Abreu

Simpatia – é o sentimentoQue nasce num só momento,Sincero, no coração;São dois olhares acesosBem juntos, unidos, presosNuma mágica atração. Simpatia – são dois galhosBanhados de bons orvalhosNas mangueiras do jardim;Bem longe às vezes nascidos,Mas que se juntam crescidosE que se abraçam por fim. São duas almas bem gêmeasQue riem no mesmo riso,Que choram nos mesmos …

O que é simpatia (a uma menina) – Casimiro de Abreu Leia mais »

A valsa – Casimiro de Abreu

Tu, ontem,Na dançaQue cansa,VoavasCo’as facesEm rosasFormosasDe vivo,LascivoCarmim;Na valsaTão falsa,Corrias,Fugias,Ardente,Contente,Tranqüila,Serena,Sem penaDe mim! Quem deraQue sintasAs doresDe amoresQue loucoSenti!Quem deraQue sintas!…— Não negues,Não mintas…— Eu vi!… Valsavas:— Teus belosCabelos,Já soltos,Revoltos, Saltavam,Voavam,BrincavamNo coloQue é meu;E os olhosEscurosTão puros,Os olhosPerjurosVolvias,Tremias,Sorrias,P’ra outroNão eu! Quem deraQue sintasAs doresDe amoresQue loucoSenti!Quem deraQue sintas!…— Não negues,Não mintas…— Eu vi!… Meu Deus!Eras belaDonzela,Valsando,Sorrindo,Fugindo,Qual silfoRisonhoQue em …

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Risos – Casimiro de Abreu

Ri, criança, a vida é curta, O sonho dura um instante. Depois… o cipreste esguio Mostra a cova ao viandante! A vida é triste – quem nega? – Nem vale a pena dize-lo . Deus a parte entre seus dedos Qual um fio de cabelo! Como o dia, a nossa vida Na aurora é – toda venturas, De tarde – doce tristeza. Casimiro de Abreu …

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Deus – Casimiro de Abreu

Eu me lembro! eu me lembro! – Era pequeno E brincava na praia; o mar bramia E, erguendo o dorso altivo, sacudia A branca escuma para o céu sereno. E eu disse a minha mãe nesse momento: “Que dura orquestra! Que furor insano! “Que pode haver maior do que o oceano, “Ou que seja mais forte do que o vento?!” – Minha mãe …

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Clara – Casimiro de Abreu

Não sabes, Clara, que penaEu teria se – morenaTu fosses em vez de clara!Talvez… Quem sabe?… não digo…Mas refletindo comigoTalvez nem tanto te amara! A tua cor é mimosa, Brilha mais da face a rosa,Tem mais graça a boca breve.O teu sorriso é delírio…És alva da cor do lírio,És clara da cor da neve! A morena …

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Saudades – Casimiro de Abreu

Nas horas mortas da noiteComo é doce o meditarQuando as estrelas cintilamNas ondas quietas do mar;Quando a lua majestosaSurgindo linda e formosa,Como donzela vaidosaNas águas se vai mirar! Nessas horas de silêncio,De tristezas e de amor,Eu gosto de ouvir ao longe,Cheio de mágoa e de dor,O sino do campanárioQue fala tão solitárioCom esse som mortuárioQue …

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Moreninha – Casimiro de Abreu

Moreninha, Moreninha,Tu és do campo a rainha,Tu és senhora de mim;Tu matas todos d’amores,Faceira, vendendo as floresQue colhes no teu jardim. Quando tu passas n’aldeiaDiz o povo à boca cheia:– “Mulher mais linda não há“Ai! vejam como é bonita“Co’as tranças presas na fita,“Co’as flores no samburá! – Tu és meiga, és inocenteComo a rola que …

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Segredos – Casimiro de Abreu

Eu tenho uns amores – quem é que os não tinhaNos tempos antigos? – Amar não faz mal;As almas que sentem paixão como a minhaQue digam, que falem em regra geral.– A flor dos meus sonhos é moça e bonitaQual flor entreaberta do dia ao raiar,Mas onde ela mora, que casa ela habita,Não quero, não …

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Pedra no cachimbo – Miriam Alves

A pedra quando chega acertaacerta bem no meio dos meus sonhosbem nos olhos da esperançae cegaa pedra quando chegaé fumaça em cachimbos improvisadosé cinco segundos de noia eufórica  fúria em descontroleA pedra quando chega é demo-cráticaacerta brancos negros pobre e ricos  Mas os poderes públicos só se sensibilizamquando a pedra no cachimbo acertaa vidraça das …

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Poema de Natal – Vinícius de Moraes

Para isso fomos feitos:Para lembrar e ser lembradosPara chorar e fazer chorarPara enterrar os nossos mortos —Por isso temos braços longos para os adeusesMãos para colher o que foi dadoDedos para cavar a terra.Assim será nossa vida:Uma tarde sempre a esquecerUma estrela a se apagar na trevaUm caminho entre dois túmulos —Por isso precisamos velarFalar …

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Parto – Miriam Alves

Uma batida surdadói ouvirViver viverpresa na gaiolapássaraJá vi o infinitofui constelaçãoAgora asteroide vagandoestrela cadentedividi-me em duasDividida para não ser subtraídafiquei inteira amolgada em cada pedaçochorei porque eu nascia– Miriam Alves, em “Cadernos Negros”. n. 25, São Paulo: Quilombhoje, 2002. Miriam Alves Autor: Miriam Alves

Matinal – Mário Quintana

O tigre da manhã espreita pelas venezianas.O Vento fareja tudo.Nos cais, os guindastes domesticados dinossauros – erguem a carga do dia. Mário Quintana Autor: Mário Quintana

O pobre poema – Mário Quintana

Eu escrevi um poema horrível!É claro que ele queria dizer alguma coisa…Mas o quê?Estaria engasgado?Nas suas meias-palavras havia no entanto uma ternura mansa como a que se vê nos olhos de uma criança doente, uma precoce, incompreensível gravidadede quem, sem ler os jornais,soubesse dos seqüestrosdos que morrem sem culpados que se desviam porque todos os …

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O tempo – Mário Quintana

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…Quando se vê, já é 6ª-feira…Quando se vê, passaram 60 anos!Agora, é tarde demais para ser reprovado…E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,eu nem olhava o relógioseguia sempre em frente… E …

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Presença – Mário Quintana

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,teu perfil exato e que, apenas, levemente, o ventodas horas ponha um frêmito em teus cabelos…É preciso que a tua ausência trescalesutilmente, no ar, a trevo machucado,as folhas de alecrim desde há muito guardadasnão se sabe por quem nalgum móvel antigo…Mas é preciso, também, que seja como …

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Insone ouço vozes – Miriam Alves

Calor afogueiaos pensamentos de espera. Quandoembalo na cama da noiteinsônia de séculos. Ouço ruídos de tamboressobressaltos alimentammeus pés Nos pensamentos de esperançaembalo na cama da noiteas dores de meu tempo Ouço vozesemanadas dos exércitos humanoscontidos. Na cama da noitemovimento minhas mãosembalo medos, espanto-mediante do conhecido Nos pensamentos de esperasolto minha rouca voz:bala de chumbo Nos …

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Mahin manhã – Miriam Alves

Ouve-se nos cantos a conspiraçãovozes baixas sussurram frases precisasescorre nos becos a lâmina das adagasMultidão tropeça nas pedras                  Revoltahá revoada de pássaros      sussurro, sussurro: “é amanhã, é amanhã.     Mahin falou, é amanha”A cidade toda se prepara        Malês            …

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Mnu – Miriam Alves

Eu sei:“havia uma faca         atravessando os olhos gordos                em esperançashavia um ferro em brasa         tostando as costas         retendo as lutashavia mordaças pesadas         esparadrapando as ordens               das palavras”Eu sei:    Surgiu …

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O verso orou – Miriam Alves

calei o verbo dor e o verso amormetáforas profundas não vieramemoldurei-me no silêncioNa cara da lua mais tardeexplodiugozodebochadoplenitude temporáriaO poema inscreveu-seEntrelinhas negritou metáforaOrouDesenhou palavras fortes nos espaços em branco  Miriam Alves Autor: Miriam Alves

O verme – Machado de Assis

Existe uma flor que encerraCeleste orvalho e perfume.Plantou-a em fecunda terraMão benéfica de um nume.Um verme asqueroso e feio,Gerado em lodo mortal,Busca esta flor virginalE vai dormir-lhe no seio.Morde, sangra, rasga e mina,Suga-lhe a vida e o alento;A flor o cálix inclina;As folhas, leva-as o vento.Depois, nem resta o perfumeNos ares da solidão…Esta flor é …

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Stella – Machado de Assis

Já raro e mais escassoA noite arrasta o manto,E verte o último prantoPor todo o vasto espaço. Tíbio clarão já coraA tela do horizonte,E já de sobre o monteVem debruçar-se a aurora À muda e torva irmã,Dormida de cansaço,Lá vem tomar o espaçoA virgem da manhã. Uma por uma, vãoAs pálidas estrelas,E vão, e vão …

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Visio – Machado de Assis

Eras pálida. E os cabelos,Aéreos, soltos novelos,Sobre as espáduas caíamOs olhos meio-cerradosDe volúpia e de ternuraEntre lágrimas luziamE os braços entrelaçados,Como cingindo a ventura,Ao teu seio me cingiram Depois, naquele delírio,Suave, doce martírioDe pouquíssimos instantesOs teus lábios sequiosos,Frios trêmulos, trocavamOs beijos mais delirantes,E no supremo dos gozosAnte os anjos se casavamNossas almas palpitantesDepois a verdade,A …

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Araras versáteis – Hilda Hilst

Araras versáteis. Prato de anêmonas.O efebo passou entre as meninas trêfegas.O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.Ela abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida lacaE vergastou a cona com minúsculo açoite.O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meiosE uma língua de agulha, de fogo, de moluscoEmpapou-se de mel nos refolhos robustos.Ela gritava …

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Árias pequenas. Para bandolim – Hilda Hilst

Antes que o mundo acabe, Túlio,Deita-te e provaEsse milagre do gostoQue se fez na minha bocaEnquanto o mundo gritaBelicoso. E ao meu ladoTe fazes árabe, me faço israelitaE nos cobrimos de beijosE de flores Antes que o mundo se acabeAntes que acabe em nósNosso desejo. Hilda Hilst Autor: Hilda Hilst

Desejo – Hilda Hilst

Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada. IPorque há desejo em mim, é tudo cintilância.Antes, o cotidiano era um pensar alturasBuscando Aquele Outro decantadoSurdo à minha humana ladradura.Visgo e suor, pois nunca se faziam.Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivoTomas-me o corpo. E que descanso me dásDepois das lidas. Sonhei penhascosQuando …

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Tateio – Hilda Hilst

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.O fundo sortilégio da omoplata.Matéria-menina a tua fronte e euMadurez, ausência nos teus clarosGuardados. Ai, ai de mim. Enquanto caminhasEm lúcida altivez, eu já sou o passado.Esta fronte que é minha, prodigiosaDe núpcias e caminhoÉ tão diversa da tua fronte descuidada. Tateio. E a um só tempo vivoE vou …

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Toma-me – Hilda Hilst

oma-me. A tua boca de linho sobre a minha bocaAustera. Toma-me AGORA, ANTESAntes que a carnadura se desfaça em sangue, antesDa morte, amor, da minha morte, toma-meCrava a tua mão, respira meu sopro, degluteEm cadência minha escura agonia. Tempo do corpo este tempo, da fomeDo de dentro. Corpo se conhecendo, lento,Um sol de diamante alimentando …

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Carolina – Machado de Assis

Querida, ao pé do leito derradeiroEm que descansas dessa longa vida,Aqui venho e virei, pobre querida,Trazer-te o coração do companheiro.Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiroQue, a despeito de toda a humana lida,Fez a nossa existência apetecidaE num recanto pôs o mundo inteiro.Trago-te flores – restos arrancadosDa terra que nos viu passar unidosE ora mortos nos deixa e …

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Oferta de Aninha (aos moços) – Cora Coralina

Eu sou aquela mulhera quem o tempomuito ensinou.Ensinou a amar a vida.Não desistir da luta.Recomeçar na derrota.Renunciar a palavras e pensamentos negativos.Acreditar nos valores humanos.Ser otimista.Creio numa força imanenteque vai ligando a família humananuma corrente luminosade fraternidade universal.Creio na solidariedade humana.Creio na superação dos errose angústias do presente.Acredito nos moços.Exalto sua confiança,generosidade e idealismo.Creio nos …

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Saber viver – Cora Coralina

Não sei…se a vida é curtaou longa demais para nós.Mas sei que nada do que vivemostem sentido,se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser:colo que acolhe,braço que envolve,palavra que conforta,silêncio que respeita,alegria que contagia,lágrima que corre,olhar que sacia,amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo:é o que dá sentido …

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I-Juca-Pirama – Gonçalves Dias

                      I No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos – cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. São rudos, severos, sedentos de glória, Já prélios incitam, já …

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O canto do piaga – Gonçalves Dias

           I Ó guerreiros da Taba sagrada,Ó guerreiros da Tribo Tupi,Falam Deuses nos cantos do Piaga,Ó guerreiros, meus cantos ouvi.     Esta noite – era a lua já morta –Anhangá me vedava sonhar;Eis na horrível caverna, que habito,Rouca voz começou-me a chamar.  Abro os olhos, inquieto, medroso,Manitôs! que prodígios que vi!Arde o pau de …

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A vida é líquida – Hilda Hilst

É crua a vida. Alça de tripa e metal.Nela despenco: pedra mórula ferida.É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.Como-a no livro da línguaTinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-meNo estreito-poucoDo meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vidaTua unha púmblea, me casaco rossoE perambulamos de coturno pela ruaRubras, góticas, altas de …

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Amavisse – Hilda Hilst

Como se te perdesse, assim te quero.Como se não te visse (favas douradasSob um amarelo) assim te apreendo bruscoInamovível, e te respiro inteiro Um arco-íris de ar em águas profundas. Como se tudo o mais me permitisses,A mim me fotografo nuns portões de ferroOcres, altos, e eu mesma diluída e mínimaNo dissoluto de toda despedida. …

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Estrela perigosa – Clarice Lispector

Estrela perigosaRosto ao ventoMarulho e silêncioleve porcelanatemplo submersotrigo e vinhotristeza de coisa vividaárvores já floresceramo sal trazido pelo ventoconhecimento por encantaçãoesqueleto de idéiasora pro nobisDecompor a luzmistério de estrelaspaixão pela exatidãocaça aos vagalumes.Vagalume é como orvalhoDiálogos que disfarçam conflitos por explodirEla pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é. No obscuro erotismo de vida …

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Eu – Clarice Lispector

Sou composta por urgências:minhas alegrias são intensas;minhas tristezas, absolutas.Entupo-me de ausências,Esvazio-me de excessos.Eu não caibo no estreito,eu só vivo nos extremos. Pouco não me serve,médio não me satisfaz,metades nunca foram meu forte! Todos os grandes e pequenos momentos,feitos com amor e com carinho,são pra mim recordações eternas.Palavras até me conquistam temporariamente…Mas atitudes me perdem ou …

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O segredo – Clarice Lispector

Há uma palavra que pertence a um reino que me deixa muda de horror. Não espantes o nosso mundo, não empurres com a palavra incauta o nosso barco para sempre ao mar. Temo que depois da palavra tocada fiquemos puros demais. Que faríamos de nossa vida pura? Deixa o céu à esperança apenas, com os …

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Passional – Clarice Lispector

Sou um ser totalmente passional.Sou movida pela emoção, pela paixão…. tenho meus desatinos…Detesto coisas mais ou menos.Não sei conviver com pessoas mais ou menos Não sei amar mais ou menos.Não me entrego de forma mais ou menos.Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo… ESQUEÇA-ME!Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, …

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Precisão – Clarice Lispector

O que me tranquilizaé que tudo o que existe,existe com uma precisão absoluta.O que for do tamanho de uma cabeça de alfinetenão transborda nem uma fração de milímetroalém do tamanho de uma cabeça de alfinete.Tudo o que existe é de uma grande exatidão.Pena é que a maior parte do que existecom essa exatidãonos é tecnicamente …

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Para ir à lua – Cecília Meireles

Enquanto não têm foguetespara ir à Luaos meninos deslizam de patinetepelas calçadas da rua. Vão cegos de velocidade:mesmo que quebrem o nariz,que grande felicidade!Ser veloz é ser feliz. Ah! se pudessem ser anjosde longas asas!Mas são apenas marmanjos. Cecília Meireles Autor: Cecilia Meireles

Timidez – Cecília Meireles

Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve… – mas só esse eu não farei. Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes… – palavra que não direi. Para que tu me adivinhes, entre …

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A lucidez perigosa – Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grandeque me anula como pessoa atual e comum:é uma lucidez vazia, como explicar?assim como um cálculo matemático perfeitodo qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizervendo claramente o vazio.E nem entendo aquilo que entendo:pois estou infinitamente maior que eu mesma,e não me alcanço.Além do que:que faço dessa lucidez?Sei …

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A perfeição – Clarice Lispector

O que me tranqüilizaé que tudo o que existe,existe com uma precisão absoluta.O que for do tamanho de uma cabeça de alfinetenão transborda nem uma fração de milímetroalém do tamanho de uma cabeça de alfinete.Tudo o que existe é de uma grande exatidão.Pena é que a maior parte do que existecom essa exatidãonos é tecnicamente …

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Volúpia imortal – Augusto dos Anjos

Cuidas que o genesíaco prazer,Fome do átomo e eurítmico transporteDe todas as moléculas, aborteNa hora em que a nossa carne apodrecer?! Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,Para a perpetuação da Espécie forte,Tragicamente, ainda depois da morte,Dentro dos ossos, continua a arder! Surdos destarte a apóstrofes e brados,Os nossos esqueletos descamados,Em convulsivas contorções …

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Vozes da morte – Augusto dos Anjos

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,Tamarindo de minha desventura,Tu, com o envelhecimento da nervuraEu, com o envelhecimento dos tecidos! Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!E a podridão, meu velho! E essa futuraUltrafatalidade de ossatura,A que nos acharemos reduzidos! Não morrerão, porém tuas sementes!E assim, para o Futuro, em diferentesFlorestas, vales, selvas, glebas, trilhos, Na …

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Alucinação a beira mar – Augusto dos Anjos

Um medo de morrer meus pés esfriava.Noite alta. Ante o telúrico recorte,Na diuturna discórdia, a equórea coorteAtordoadoramente ribombava! Eu, ególatra céptico, cismavaEm meu destino!… O vento estava forteE aquela matemática da MorteCom os seus números negros me assombrava! Mas a alga usufructuária dos oceanosE os malacopterígios subraquianosQue um castigo de espécie emudeceu, No eterno horror …

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Ao luar – Augusto dos Anjos

Quando, à noite, o Infinito se levantaA luz do luar, pelos caminhos quedosMinha táctil intensidade é tantaQue eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! Quebro a custódia dos sentidos tredosE a minha mão, dona, por fim, de quantaGrandeza o Orbe estrangula em seus segredos,Todas as coisas íntimas suplanta! Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,Nos …

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Lenço dela – Álvares de Azevedo

Quando, a primeira vez, da minha terraDeixei as noites de amoroso encanto,A minha doce amante suspirandoVolveu-me os olhos úmidos de pranto. Um romance cantou de despedida,Mas a saudade amortecia o canto!Lágrimas enxugou nos olhos belos…E deu-me o lenço que molhava o pranto. Quantos anos, contudo, já passaram!Não olvido porém amor tão santo!Guardo ainda num cofre …

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Vagabundo – Álvares de Azevedo

Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,Fumando meu cigarro vaporoso;Nas noites de verão namoro estrelas;Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso! Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;Mas tenho na viola uma riqueza:Canto à lua de noite serenatas,E quem vive de amor não tem pobreza. Não invejo ninguém, nem ouço a raivaNas cavernas do …

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Por mim? – Álvares de Azevedo

Teus negros olhos uma vez fitandoSenti que luz mais branda os acendia,Pálida de langor, eu vi, te olhando,Mulher do meu amor, meu serafim,Esse amor que em teus olhos refletia…Talvez! – era por mim? Pendeste, suspirando, a face pura,Morreu nos lábios teus um ai perdido…Tão ébrio de paixão e de ventura!Mulher de meu amor, meu serafim,Por …

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Morena – Álvares de Azevedo

Ó Teresa, um outro beijo! e abandona-mea meus sonhos e a meus suaves delírios.JACOPO ORTIS É loucura, meu anjo, é loucuraOs amores por anjos… bem sei!Foram sonhos, foi louca ternuraEsse amor que a teus pés derramei! Quando a fronte requeima e delira,Quando o lábio desbota de amor,Quando as cordas rebentam na liraQue palpita no seio …

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Meu sonho – Álvares de Azevedo

EU Cavaleiro das armas escuras,Onde vais pelas trevas impurasCom a espada sanguenta na mão?Porque brilham teus olhos ardentesE gemidos nos lábios frementesVertem fogo do teu coração? Cavaleiro, quem és? o remorso?Do corcel te debruças no dorso….E galopas do vale através…Oh! da estrada acordando as poeirasNão escutas gritar as caveirasE morder-te o fantasma nos pés? Onde …

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Malva maça – Álvares de Azevedo

De teus seios tão mimososQuem gozasse o talismã!Que ali deitasse a fronteCheia de amoroso afã!E quem nele respirasseA tua malva-maçã! Dá-me essa folha cheirosaQue treme no seio teu!Dá-me a folha… hei de beijá-laSedenta no lábio meu!Não vês que o calor do seioTua malva emurcheceu… (…) Descansar nesses teus braçosFora angélica ventura:Fora morrer — nos teus …

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A caridade – Augusto dos Anjos

No universo a caridadeEm contraste ao vicio infandoÉ como um astro brilhandoSobre a dor da humanidade! Nos mais sombrios horroresPor entre a mágoa nefastaA caridade se arrastaToda coberta de flores! Semeadora de carinhosEla abre todas as portasE no horror das horas mortasVem beijar os pobrezinhos. Torna as tormentas mais calmasOuve o soluço do mundoE dentro …

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Poema da necessidade – Carlos Drummond de Andrade

É preciso casar João,é preciso suportar Antônio,é preciso odiar Melquíadesé preciso substituir nós todos. É preciso salvar o país,é preciso crer em Deus,é preciso pagar as dívidas,é preciso comprar um rádio,é preciso esquecer fulana. É preciso estudar volapuque,é preciso estar sempre bêbado,é preciso ler Baudelaire,é preciso colher as floresde que rezam velhos autores. É preciso …

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Tarde de maio – Carlos Drummond de Andrade

Como esses primitivos que carregam por toda parte omaxilar inferior de seus mortos,assim te levo comigo, tarde de maio,quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,outra chama, não perceptível, tão mais devastadora,surdamente lavrava sob meus traços cômicos,e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantese condenadas, no solo ardente, porções de minh’almanunca antes nem …

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Despedida – Álvares de Azevedo

Se entrares, ó meu anjo, alguma vezNa solidão onde eu sonhava em ti,Ah! vota uma saudade aos belos diasQue a teus joelhos pálido vivi! Adeus, minh’alma, adeus! eu vou chorando…Sinto o peito doer na despedida…Sem ti o mundo é um deserto escuroE tu és minha vida… Só por teus olhos eu viver podiaE por teu …

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Eutanásia – Álvares de Azevedo

Ergue-te daí, velho! ergue essa fronte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no Oceano, onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver, onde o simoun do tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião?Por que tão lívido, ó monge taciturno, debruças a cabeça macilenta no …

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Fantasia – Álvares de Azevedo

Quanti dolci pensier, quanto disio!DANTE C’est alors que ma voixMurmure un nom tout bas… c’est alors que je voisM’apparaître à demi, jeune, voluptueuse,Sur ma couche penchée une femme amoureuse!………………………..Oh! toi que j’ai rêvée,Femme à mes longs baisers si souvent enlevée,Ne viendras-tu jamais?………………………..CH. DOVALLE À noite sonhei contigo…E o sonho cruel maldigoQue me deu tanta ventura.Uma …

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Fragmento de um canto em cordas de bronze – Álvares de Azevedo

Deixai que o pranto esse palor me queime,Deixai que as fibras que estalaram doresDesse maldito coração me vibremA canção dos meus últimos amores! Da delirante embriaguez de bardoSonhos em que afoguei o ardor da vida,Ardente orvalhos de febris pranteios,Que lucro à alma descrida? Deixai que chore pois. — Nem loucas venhamConsolações a importunar-me as dores:Quero …

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Idéias íntimas – Álvares de Azevedo

FRAGMENTO.La chaise ou je m’assieds, la natte ou je me couche,La table ou je t’écris, ……………………….…………………………………………….Mes gros souliers ferrés, mon bâton, mon chapeau,Mes livres pêle-mêle entassés sur leur planche……………………………………………..De cet espace étroit sont tout l’ameublement.LAMARTINE. Jocelyn. I Ossian o bardo é triste como a sombraQue seus cantos povoa. O LamartineE’ monótono e belo como a …

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Amar – Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?amar e esquecer, amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal,senão rodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou …

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Ausência – Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei que a ausência é falta.E lastimava, ignorante, a falta.Hoje não a lastimo.Não há falta na ausência.A ausência é um estar em mim.E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,que rio e danço e invento exclamações alegres,porque a ausência, essa ausência assimilada,ninguém a rouba mais de mim. Carlos Drummond de Andrade …

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Balada do amor através das idades – Carlos Drummond de Andrade

Eu te gosto, você me gostadesde tempos imemoriais.Eu era grego, você troiana,troiana mas não Helena.Saí do cavalo de paupara matar seu irmão.Matei, brigámos, morremos. Virei soldado romano,perseguidor de cristãos.Na porta da catacumbaencontrei-te novamente.Mas quando vi você nuacaída na areia do circoe o leão que vinha vindo,dei um pulo desesperadoe o leão comeu nós dois. Depois …

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Congresso internacional do medo – Carlos Drummond de Andrade

Provisoriamente não cantaremos o amor,que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,não cantaremos o ódio, porque esse não existe,existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,cantaremos o medo dos ditadores, …

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Poema Sujo – Ferreira Gullar

turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menos menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica …

Poema Sujo – Ferreira Gullar Leia mais »

Amor – Álvares de Azevedo

Amemos! Quero de amorViver no teu coração!Sofrer e amar essa dorQue desmaia de paixão!Na tu’alma, em teus encantosE na tua palidezE nos teus ardentes prantosSuspirar de languidez! Quero em teus lábio beberOs teus amores do céu,Quero em teu seio morrerNo enlevo do seio teu!Quero viver d’esperança,Quero tremer e sentir!Na tua cheirosa trançaQuero sonhar e dormir! …

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Anjinho – Álvares de Azevedo

And from her fresh and unpolluted fleshMay violets spring!HAMLET Não chorem! que não morreu!Era um anjinho do céuQue um outro anjinho chamou!Era uma luz peregrina,Era uma estrela divinaQue ao firmamento voou! Pobre criança! dormia:A beleza reluziaNo carmim da face dela!Tinha uns olhos que choravam,Tinha uns risos que encantavam!Ai meu Deus! era tão bela! Um anjo …

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Menina – Conceição Evaristo

Menina, eu queria te comporEm verso,Cantar os desconcertantesMistériosQue brincam em ti,Mas teus contornos meEscapolem.Menina, meu poema primeiro, Cuida de mim. Conceição Evaristo Autor: Conceição Evaristo

Meu rosário – Conceição Evaristo

Meu rosário é feito de contas negras e mágicas.Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falopadres-nossos e ave-marias.Do meu rosário eu ouço os longínquos batuquesdo meu povoe encontro na memória mal adormecidaas rezas dos meses de maio de minha infância.As coroações da Senhora, em que as meninas negras,apesar do desejo de coroar …

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