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Aquela – Hilda Hilst

Aflição de ser eu e não ser outra.Aflição de não ser, amor, aquelaQue muitas filhas te deu, casou donzelaE à noite se prepara e se adivinhaObjeto de amor, atenta e bela. Aflição de não ser a grande ilhaQue te retém e não te desespera.(A noite como fera se avizinha) Aflição de ser água em meio …

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Árias pequenas. Para bandolim – Hilda Hilst

Antes que o mundo acabe, Túlio,Deita-te e provaEsse milagre do gostoQue se fez na minha bocaEnquanto o mundo gritaBelicoso. E ao meu ladoTe fazes árabe, me faço israelitaE nos cobrimos de beijosE de flores Antes que o mundo se acabeAntes que acabe em nósNosso desejo. Hilda Hilst Autor: Hilda Hilst

Desde sempre em mim – Hilda Hilst

Contente. Contente do instante Da ressurreição, das insônias heroicas Contente da assombrada canção Que no meu peito agora se entrelaça. Sabes? O fogo iluminou a casa. E sobre a claridade do capim Um expandir-se de asa, um trinado Uma garganta aguda, vitoriosa. Desde sempre em mim. Desde Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo Nas ermas …

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Desejo – Hilda Hilst

Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada. IPorque há desejo em mim, é tudo cintilância.Antes, o cotidiano era um pensar alturasBuscando Aquele Outro decantadoSurdo à minha humana ladradura.Visgo e suor, pois nunca se faziam.Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivoTomas-me o corpo. E que descanso me dásDepois das lidas. Sonhei penhascosQuando …

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Lobos? são muitos – Hilda Hilst

Mas tu podes aindaA palavra na línguaAquietá-los. Mortos? O mundo.Mas podes acordá-loSortilégio de vidaNa palavra escrita. Lúcidos? São poucos.Mas se farão milharesSe à lucidez dos poucosTe juntares. Raros? Teus preclaros amigos.E tu mesmo, raro.Se nas coisas que digoAcreditares. Hilda Hilst Autor: Hilda Hilst

Passeio – Hilda Hilst

De um exílio passado entre a montanha e a ilhaVendo o não ser da rocha e a extensão da praia.De um esperar contínuo de navios e quilhasRevendo a morte e o nascimento de umas vagas.De assim tocar as coisas minuciosa e lentaE nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.De saber o cavalo na montanha. E …

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Porque há desejo em mim – Hilda Hilst

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.Antes, o cotidiano era um pensar alturasBuscando Aquele Outro decantadoSurdo à minha humana ladradura.Visgo e suor, pois nunca se faziam.Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivoTomas-me o corpo. E que descanso me dásDepois das lidas. Sonhei penhascosQuando havia o jardim aqui ao lado.Pensei subidas onde não havia rastros.Extasiada, …

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Tateio – Hilda Hilst

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.O fundo sortilégio da omoplata.Matéria-menina a tua fronte e euMadurez, ausência nos teus clarosGuardados. Ai, ai de mim. Enquanto caminhasEm lúcida altivez, eu já sou o passado.Esta fronte que é minha, prodigiosaDe núpcias e caminhoÉ tão diversa da tua fronte descuidada. Tateio. E a um só tempo vivoE vou …

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Toma-me – Hilda Hilst

oma-me. A tua boca de linho sobre a minha bocaAustera. Toma-me AGORA, ANTESAntes que a carnadura se desfaça em sangue, antesDa morte, amor, da minha morte, toma-meCrava a tua mão, respira meu sopro, degluteEm cadência minha escura agonia. Tempo do corpo este tempo, da fomeDo de dentro. Corpo se conhecendo, lento,Um sol de diamante alimentando …

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XXXII – Hilda Hilst

Por que me fiz poeta?Porque tu, morte, minha irmã,No instante, no centroDe tudo o que vejo. No mais que perfeitoNo veio, no gozoColada entre eu e o outro.No fossoNo nó de um íntimo laçoNo haustoNo fogo, na minha hora fria. Me fiz poetaPorque à minha voltaNa humana ideia de um deus que não conheçoA ti, …

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Carolina – Machado de Assis

Querida, ao pé do leito derradeiroEm que descansas dessa longa vida,Aqui venho e virei, pobre querida,Trazer-te o coração do companheiro.Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiroQue, a despeito de toda a humana lida,Fez a nossa existência apetecidaE num recanto pôs o mundo inteiro.Trago-te flores – restos arrancadosDa terra que nos viu passar unidosE ora mortos nos deixa e …

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Epitáfio do México – Machado de Assis

Dobra o joelho: — é um túmulo.Embaixo amortalhadoJaz o cadáver tépidoDe um povo aniquilado;A prece melancólica Reza-lhe em torno à cruz.Ante o universo atônitoAbriu-se a estranha liça,Travou-se a luta férvidaDa força e da justiça;Contra a justiça, ó século,Venceu a espada e o obus.Venceu a força indômita;Mas a infeliz vencidaA mágoa, a dor, o ódio,Na face …

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Aninha e suas pedras – Cora Coralina

Não te deixes destruir…Ajuntando novas pedrase construindo novos poemas.Recria tua vida, sempre, sempre.Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.Faz de tua vida mesquinhaum poema.E viverás no coração dos jovense na memória das gerações que hão de vir.Esta fonte é para uso de todos os sedentos.Toma a tua parte.Vem a estas páginase não entraves …

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Becos de Goiás – Cora Coralina

Becos da minha terra…Amo tua paisagem triste, ausente e suja.Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.E a réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia,e semeias polmes dourados no teu lixo pobre,calçando de ouro a sandália velha, jogada no monturo. Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,Descendo de quintais …

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Meu destino – Cora Coralina

Nas palmas de tuas mãosleio as linhas da minha vida.Linhas cruzadas, sinuosas,interferindo no teu destino.Não te procurei, não me procurastes –íamos sozinhos por estradas diferentes.Indiferentes, cruzamosPassavas com o fardo da vida…Corri ao teu encontro.Sorri. Falamos.Esse dia foi marcadocom a pedra brancada cabeça de um peixe.E, desde então, caminhamosjuntos pela vida… Cora Coralina Autor: Cora Coralina

Oferta de Aninha (aos moços) – Cora Coralina

Eu sou aquela mulhera quem o tempomuito ensinou.Ensinou a amar a vida.Não desistir da luta.Recomeçar na derrota.Renunciar a palavras e pensamentos negativos.Acreditar nos valores humanos.Ser otimista.Creio numa força imanenteque vai ligando a família humananuma corrente luminosade fraternidade universal.Creio na solidariedade humana.Creio na superação dos errose angústias do presente.Acredito nos moços.Exalto sua confiança,generosidade e idealismo.Creio nos …

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Ama-me – Hilda Hilst

Aos amantes é lícito a voz desvanecida.Quando acordares, um só murmúrio sobre o teu ouvido:Ama-me. Alguém dentro de mim dirá: não é tempo, senhora,Recolhe tuas papoulas, teus narcisos. Não vêsQue sobre o muro dos mortos a garganta do mundoRonda escurecida? Não é tempo, senhora. Ave, moinho e ventoNum vórtice de sombra. Podes cantar de amorQuando …

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Amor – Hilda Hilst

Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua de estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo. Que o olhar não se perca nas tulipas Pois formas tão perfeitas de beleza Vêm do fulgor das trevas. E o …

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Estrela perigosa – Clarice Lispector

Estrela perigosaRosto ao ventoMarulho e silêncioleve porcelanatemplo submersotrigo e vinhotristeza de coisa vividaárvores já floresceramo sal trazido pelo ventoconhecimento por encantaçãoesqueleto de idéiasora pro nobisDecompor a luzmistério de estrelaspaixão pela exatidãocaça aos vagalumes.Vagalume é como orvalhoDiálogos que disfarçam conflitos por explodirEla pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é. No obscuro erotismo de vida …

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Eu – Clarice Lispector

Sou composta por urgências:minhas alegrias são intensas;minhas tristezas, absolutas.Entupo-me de ausências,Esvazio-me de excessos.Eu não caibo no estreito,eu só vivo nos extremos. Pouco não me serve,médio não me satisfaz,metades nunca foram meu forte! Todos os grandes e pequenos momentos,feitos com amor e com carinho,são pra mim recordações eternas.Palavras até me conquistam temporariamente…Mas atitudes me perdem ou …

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Nossa truculência – Clarice Lispector

Quando penso na alegria vorazcom que comemos galinha ao molho pardo,dou-me conta de nossa truculência.Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,tanto gosto delas vivasmexendo o pescoço feioe procurando minhocas.Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?Nunca.Nós somos canibais,é preciso não esquecer.E respeitar a violência que temos.E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,comeríamos …

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O segredo – Clarice Lispector

Há uma palavra que pertence a um reino que me deixa muda de horror. Não espantes o nosso mundo, não empurres com a palavra incauta o nosso barco para sempre ao mar. Temo que depois da palavra tocada fiquemos puros demais. Que faríamos de nossa vida pura? Deixa o céu à esperança apenas, com os …

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Passional – Clarice Lispector

Sou um ser totalmente passional.Sou movida pela emoção, pela paixão…. tenho meus desatinos…Detesto coisas mais ou menos.Não sei conviver com pessoas mais ou menos Não sei amar mais ou menos.Não me entrego de forma mais ou menos.Se você procura alguém coerente, sensata, politicamente correta, racional, cheia de moralismo… ESQUEÇA-ME!Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, …

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Pertencer – Clarice Lispector

Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, …

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Precisão – Clarice Lispector

O que me tranquilizaé que tudo o que existe,existe com uma precisão absoluta.O que for do tamanho de uma cabeça de alfinetenão transborda nem uma fração de milímetroalém do tamanho de uma cabeça de alfinete.Tudo o que existe é de uma grande exatidão.Pena é que a maior parte do que existecom essa exatidãonos é tecnicamente …

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Solidão – Clarice Lispector

…Que minha solidão me sirva de companhia.que eu tenha a coragem de me enfrentar.que eu saiba ficar com o nadae mesmo assim me sentircomo se estivesse plena de tudo. Clarice Lispector Autor: Clarice Lispector

Sonhe – Clarice Lispector

Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem …

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Sou… – Clarice Lispector

… assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico – a vida é sobrenatural. E eu caminho em corda bamba até o limite de meu sonho. As vísceras torturadas pela voluptuosidade Guiam-me, fúria dos impulsos. Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de …

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O eco – Cecília Meireles

O menino pergunta ao ecoOnde é que ele se esconde.Mas o eco só responde: Onde? Onde? O menino também lhe pede:Eco, vem passear comigo! Mas não sabe se o eco é amigoou inimigo. Pois só lhe ouve dizer: Migo! Cecília Meireles Autor: Cecilia Meireles

O menino azul – Cecília Meireles

O menino quer um burrinhopara passear.Um burrinho manso,que não corra nem pule,mas que saiba conversar. O menino quer um burrinhoque saiba dizero nome dos rios,das montanhas, das flores,— de tudo o que aparecer. O menino quer um burrinhoque saiba inventar histórias bonitascom pessoas e bichose com barquinhos no mar. E os dois sairão pelo mundoque …

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Para ir à lua – Cecília Meireles

Enquanto não têm foguetespara ir à Luaos meninos deslizam de patinetepelas calçadas da rua. Vão cegos de velocidade:mesmo que quebrem o nariz,que grande felicidade!Ser veloz é ser feliz. Ah! se pudessem ser anjosde longas asas!Mas são apenas marmanjos. Cecília Meireles Autor: Cecilia Meireles

Retrato – Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,Assim calmo, assim triste, assim magro,Nem estes olhos tão vazios,Nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força,Tão paradas e frias e mortas;Eu não tinha este coraçãoQue nem se mostra. Eu não dei por esta mudança,Tão simples, tão certa, tão fácil:— Em que espelho ficou perdidaa minha …

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Tanta tinta – Cecília Meireles

Ah! Menina tonta,toda suja de tintamal o sol desponta! (Sentou-se na ponte,muito desatenta…E agora se espanta:Quem é que a ponte pintacom tanta tinta?…) A ponte apontae se desaponta.A tontinha tentalimpar a tinta,ponto por pontoe pinta por pinta…Ah! A menina tonta!Não viu a tinta da ponte! Cecília Meireles Autor: Cecilia Meireles

Timidez – Cecília Meireles

Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve… – mas só esse eu não farei. Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes… – palavra que não direi. Para que tu me adivinhes, entre …

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A lucidez perigosa – Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grandeque me anula como pessoa atual e comum:é uma lucidez vazia, como explicar?assim como um cálculo matemático perfeitodo qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizervendo claramente o vazio.E nem entendo aquilo que entendo:pois estou infinitamente maior que eu mesma,e não me alcanço.Além do que:que faço dessa lucidez?Sei …

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A perfeição – Clarice Lispector

O que me tranqüilizaé que tudo o que existe,existe com uma precisão absoluta.O que for do tamanho de uma cabeça de alfinetenão transborda nem uma fração de milímetroalém do tamanho de uma cabeça de alfinete.Tudo o que existe é de uma grande exatidão.Pena é que a maior parte do que existecom essa exatidãonos é tecnicamente …

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Meus oito anos – Casimiro de Abreu

Oh ! que saudades que eu tenhoDa aurora da minha vida,Da minha infância queridaQue os anos não trazem mais !Que amor, que sonhos, que flores,Naquelas tardes fagueirasÀ sombra das bananeiras,Debaixo dos laranjais ! Como são belos os diasDo despontar da existência !– Respira a alma inocênciaComo perfumes a flor;O mar é – lago sereno,O céu …

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A língua de nhem – Cecília Meireles

Havia uma velhinhaque andava aborrecidapois dava a sua vidapara falar com alguém. E estava sempre em casaa boa velhinharesmungando sozinha:nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem… O gato que dormiano canto da cozinhaescutando a velhinha,principiou também a miar nessa línguae se ela resmungava,o gatinho a acompanhava:nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem… Depois veio o cachorroda casa da vizinha,pato, cabra e galinhade cá, de lá, de além, …

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As meninas – Cecília Meireles

Arabelaabria a janela. Carolinaerguia a cortina. E Mariaolhava e sorria:“Bom dia!” Arabelafoi sempre a mais bela. Carolina,a mais sábia menina. E Mariaapenas sorria:“Bom dia!” Pensaremos em cada meninaque vivia naquela janela; uma que se chamava Arabela,uma que se chamou Carolina. Mas a profunda saudadeé Maria, Maria, Maria, que dizia com voz de amizade:“Bom dia!” Cecília …

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Canção da flor de pimenta – Cecília Meireles

A flor da pimenta é uma pequena estrela,fina e branca,a flor da pimenta. Frutinhas de fogo vêm depois da festadas estrelas.Frutinhas de fogo. Uns coraçõezinhos roxas, áureos, rubras,muito ardentes.Uns coraçõezinhos. E as pequenas flores tão sem firmamentojazem longe.As pequenas flores… Mudaram-se em farpas, sementes de fogotão pungentes!Mudaram-se em farpas. Novas se abrirão,leves,brancas,puras,deste fogo,muitas estrelinhas… Cecília …

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Colar de Carolina – Cecília Meireles

Com seu colar de coral,Carolinacorre por entre as colunasda colina. O colar de Carolinacolore o colo de cal,torna corada a menina. E o sol, vendo aquela cordo colar de Carolina,põe coroas de coralnas colunas da colina. Cecília Meireles Autor: Cecilia Meireles

Despedida – Cecília Meireles

Por mim, e por vós, e por mais aquiloque está onde as outras coisas nunca estão,deixo o mar bravo e o céu tranquilo:quero solidão. Meu caminho é sem marcos nem paisagens.E como o conheces? – me perguntarão.– Por não ter palavras, por não ter imagens.Nenhum inimigo e nenhum irmão. Que procuras? – Tudo. Que desejas? …

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Elegia – Cecília Meireles

Neste mês, as cigarras cantame os trovões caminham por cima da terra,agarrados ao sol.Neste mês, ao cair da tarde, a chuva corre pelas montanhas,e depois a noite é mais clara,e o canto dos grilos faz palpitar o cheiro molhado do chão. Mas tudo é inútil,porque os teus ouvidos estão como conchas vazias,e a tua narina …

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Encomenda – Cecília Meireles

Desejo uma fotografiacomo esta — o senhor vê? — como esta:em que para sempre me riacomo um vestido de eterna festa. Como tenho a testa sombria,derrame luz na minha testa.Deixe esta ruga, que me emprestaum certo ar de sabedoria. Não meta fundos de florestanem de arbitrária fantasia…Não… Neste espaço que ainda resta,ponha uma cadeira vazia. …

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Interlúdio – Cecília Meireles

As palavras estão muito ditase o mundo muito pensado.Fico ao teu lado. Não me digas que há futuronem passado.Deixa o presente — claro murosem coisas escritas. Deixa o presente. Não fales,Não me expliques o presente,pois é tudo demasiado. Em águas de eternamente,o cometa dos meus malesafunda, desarvorado. Fico ao teu lado. Cecília Meireles Autor: Cecilia …

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A fome e o amor a um monstro fome – Augusto dos Anjos

E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta,Receando outras mandíbulas a esbangem,Os dentes antropófagos que rangem,Antes da refeição sanguinolenta! Amor! E a satiríasis sedenta,Rugindo, enquanto as almas se confrangem,Todas as danações sexuais que abrangemA apolínica besta famulenta! Ambos assim, tragando a ambiência vasta,No desembestamento que os arrasta,Superexcitadíssimos, os dois Representam, no ardor dos seus assomosA alegoria …

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A idéia – Augusto dos Anjos

De onde ela vem?! De que matéria brutaVem essa luz que, sobre as nebulosas,Cai de incógnitas criptas misteriosasComo as estalactites duma gruta?! Vem da psicogenética e alta lutaDo feixe de moléculas nervosas,Que, em desintegrações maravilhosas,Delibera, e, depois, quer e executa! Vem do encéfalo absconso que a constringe,Chega em seguida às cordas do laringe,Tísica, tênue, mínima, …

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A louca – Augusto dos Anjos

A Dias Paredes Quando ela passa: – a veste desgrenhada,O cabelo revolto em desalinho,No seu olhar feroz eu adivinhoO mistério da dor que a traz penada. Moça, tão moça e já desventurada;Da desdita ferida pelo espinho,Vai morta em vida assim pelo caminho,No sudário de mágoa sepultada. Eu sei a sua história. – Em seu passadoHouve …

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A noite – Augusto dos Anjos

A nebulosidade ameaçadoraTolda o éter, mancha a gleba, agride os riosE urde amplas teias de carvões sombriosNo ar que alacre e radiante, há instante, fora. A água transubstancia-se. A onda estouraNa negridão do oceano e entre os naviosTroa bárbara zoada de ais bravios,Extraordinariamente atordoadora. À custódia do anímico registroA planetária escuridão se anexa…Somente, iguais a …

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Alucinação a beira mar – Augusto dos Anjos

Um medo de morrer meus pés esfriava.Noite alta. Ante o telúrico recorte,Na diuturna discórdia, a equórea coorteAtordoadoramente ribombava! Eu, ególatra céptico, cismavaEm meu destino!… O vento estava forteE aquela matemática da MorteCom os seus números negros me assombrava! Mas a alga usufructuária dos oceanosE os malacopterígios subraquianosQue um castigo de espécie emudeceu, No eterno horror …

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Anseio – Augusto dos Anjos

Que sou eu, neste ergástulo das vidasDanadamente, a soluçar de dor?!– Trinta triliões de células vencidas,Nutrindo uma efeméride inferior. Branda, entanto, a afagar tantas feridas,A áurea mão taumitúrgica do AmorTraça, nas minhas formas carcomidas,A estrutura de um mundo superior! Alta noite, esse mundo incoerenteEssa elementaríssima sementeDo que hei de ser, tenta transpor o Ideal… Grita …

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Ao luar – Augusto dos Anjos

Quando, à noite, o Infinito se levantaA luz do luar, pelos caminhos quedosMinha táctil intensidade é tantaQue eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! Quebro a custódia dos sentidos tredosE a minha mão, dona, por fim, de quantaGrandeza o Orbe estrangula em seus segredos,Todas as coisas íntimas suplanta! Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,Nos …

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Apocalipse – Augusto dos Anjos

Minha divinatória Arte ultrapassaos séculos efêmeros e notaDiminuição dinâmica, derrotaNa atual força, integérrima, da Massa. É a subversão universal que ameaçaA Natureza, e, em noite aziaga e ignota,Destrói a ebulição que a água alvorotaE põe todos os astros na desgraça! São despedaçamentos, derrubadas,Federações sidéricas quebradas…E eu só, o último a ser, pelo orbe adeante, Espião …

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Budismo moderno – Augusto dos Anjos

Tome, Dr., esta tesoura, e… corteMinha singularíssima pessoa.Que importa a mim que a bicharia roaTodo o meu coração, depois da morte?! Ah! Um urubu pousou na minha sorte!Também, das diatomáceas da lagoaA criptógama cápsula se esbroaAo contacto de bronca dextra forte! Dissolva-se, portanto, minha vidaIgualmente a uma célula caídaNa aberração de um óvulo infecundo; Mas …

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Caixão fantástico – Augusto dos Anjos

Célere ia o caixão, e, nele, inclusas,Cinzas, caixas cranianas, cartilagensOriundas, como os sonhos dos selvagens,De aberratórias abstrações abstrusas! Nesse caixão iam talvez as Musas ,Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagensEnchiam meu encéfalo de imagensAs mais contraditórias e confusas! A energia monística do Mundo,À meia-noite, penetrava fundoNo meu fenomenal cérebro cheio … Era tarde ! Fazia muito …

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Idealismo – Augusto dos Anjos

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!O amor da Humanidade é uma mentira.É. E é por isto que na minha liraDe amores fúteis poucas vezes falo. O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!Quando, se o amor que a Humanidade inspiraÉ o amor do sibarita e da hetaíra,De Messalina e de Sardanapalo?! Pois …

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Infeliz – Augusto dos Anjos

Alma viúva das paixões da vida,Tu que, na estrada da existência em fora,Cantaste e riste, e na existência agoraTriste soluças a ilusão perdida; Oh! Tu, que na grinalda emurchecidaDe teu passado de felicidadeFoste juntar os goivos da SaudadeÀs flores da Esperança enlanguescida; Se nada te aniquila o desalentoQue te invade, e o pesar negro e …

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O lupanar – Augusto dos Anjos

Ah! Por que monstruosíssimo motivoPrenderam para sempre, nesta rede,Dentro do ângulo diedro da parede,A alma do homem polígamo e lascivo?!Este lugar, moços do mundo, vêde:É o grande bebedouro colectivo,Onde os bandalhos, como um gado vivo,Todas as noites, vêm matar a sede!É o afrodístico leito do hetairismo,A antecâmara lúbrica do abismo,Em que é mister que o …

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A caridade – Augusto dos Anjos

No universo a caridadeEm contraste ao vicio infandoÉ como um astro brilhandoSobre a dor da humanidade! Nos mais sombrios horroresPor entre a mágoa nefastaA caridade se arrastaToda coberta de flores! Semeadora de carinhosEla abre todas as portasE no horror das horas mortasVem beijar os pobrezinhos. Torna as tormentas mais calmasOuve o soluço do mundoE dentro …

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Para sempre – Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permiteque as mães vão-se embora?Mãe não tem limite,é tempo sem hora,luz que não apagaquando sopra o ventoe chuva desaba,veludo escondidona pele enrugada,água pura, ar puro,puro pensamento.Morrer acontececom o que é breve e passasem deixar vestígio.Mãe, na sua graça,é eternidade.Por que Deus se lembra— mistério profundo —de tirá-la um dia?Fosse eu Rei do …

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Poema da necessidade – Carlos Drummond de Andrade

É preciso casar João,é preciso suportar Antônio,é preciso odiar Melquíadesé preciso substituir nós todos. É preciso salvar o país,é preciso crer em Deus,é preciso pagar as dívidas,é preciso comprar um rádio,é preciso esquecer fulana. É preciso estudar volapuque,é preciso estar sempre bêbado,é preciso ler Baudelaire,é preciso colher as floresde que rezam velhos autores. É preciso …

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Poema que aconteceu – Carlos Drummond de Andrade

Nenhum desejo neste domingo Nenhum problema nesta vida O mundo parou de repente Os homens ficaram calados Domingo sem fim nem começo. A mão que escreve este poema Não sabe o que está escrevendo Mas é possível que se soubesse Nem ligasse Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Poesia – Carlos Drummond de Andrade

Gastei uma hora pensando em um verso Que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro Inquieto, vivo. Ele está cá dentro E não quer sair. Mas a poesia deste momento Inunda minha vida inteira Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Quadrilha – Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundoque amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,que não amava ninguém.João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandesque não tinha entrado na história. Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Sentimento do mundo – Carlos Drummond de Andrade

Tenho apenas duas mãose o sentimento do mundo,mas estou cheio de escravos,minhas lembranças escorreme o corpo transigena confluência do amor.Quando me levantar, o céuestará morto e saqueado,eu mesmo estarei morto,morto meu desejo, mortoo pântano sem acordes.Os camaradas não disseramque havia uma guerrae era necessáriotrazer fogo e alimento.Sinto-me disperso,anterior a fronteiras,humildemente vos peçoque me perdoeis.Quando os …

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Tarde de maio – Carlos Drummond de Andrade

Como esses primitivos que carregam por toda parte omaxilar inferior de seus mortos,assim te levo comigo, tarde de maio,quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,outra chama, não perceptível, tão mais devastadora,surdamente lavrava sob meus traços cômicos,e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantese condenadas, no solo ardente, porções de minh’almanunca antes nem …

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José – Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, José?e agora, você?você que é sem nome,que zomba dos outros,você que faz versos,que ama, protesta?e agora, José? Está sem mulher,está sem discurso,está sem carinho,já não pode beber,já não pode fumar,cuspir já não pode,a noite esfriou,o dia não veio,o bonde não veio,o riso não …

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Consolo na praia – Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores.A infância está perdida.A mocidade está perdida.Mas a vida não se perdeu.O primeiro amor passou.O segundo amor passou.O terceiro amor passou.Mas o coração continua.Perdeste o melhor amigo.Não tentaste qualquer viagem.Não possuis carro, navio, terra.Mas tens um cão.Algumas palavras duras,em voz mansa, te golpearam.Nunca, nunca cicatrizam.Mas, e o humour?A injustiça não se resolve.À sombra …

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Amar – Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?amar e esquecer, amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal,senão rodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou …

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Ausência – Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei que a ausência é falta.E lastimava, ignorante, a falta.Hoje não a lastimo.Não há falta na ausência.A ausência é um estar em mim.E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,que rio e danço e invento exclamações alegres,porque a ausência, essa ausência assimilada,ninguém a rouba mais de mim. Carlos Drummond de Andrade …

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Congresso internacional do medo – Carlos Drummond de Andrade

Provisoriamente não cantaremos o amor,que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,não cantaremos o ódio, porque esse não existe,existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,cantaremos o medo dos ditadores, …

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Memória – Carlos Drummond de Andrade

Amar o perdidodeixa confundidoeste coração. Nada pode o olvidocontra o sem sentidoapelo do Não. As coisas tangíveistornam-se insensíveisà palma da mão Mas as coisas findasmuito mais que lindas,essas ficarão. Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Poema Sujo – Ferreira Gullar

turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menos menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica …

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As Pombas – Raimundo Correia

Raimundo Correia Vai-se a primeira pomba despertada… Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas De pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada. E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada. Também dos …

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Solidão – Paulo César Pinheiro

Eu sozinho sou mais forteMinh’alma mais atrevidaNão fujo nunca da vidaNem tenho medo da morte Eu sozinho de verdadeEncontro em mim minha essênciaNão faço caso de ausênciaE nem me incomoda a saudade Eu sozinho em estado brutoSou força que principiaSou gerador de energiaDe mim mesmo absoluto Eu sozinho sou imensoNão meço nunca o meu passoNão …

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Poeta – Carolina Maria de Jesus

Poeta, em que medita?Por que vives triste assim?É que eu a acho bonitaE você não gosta de mim.Poeta, tua alma é nobreÉs triste, o que o desgosta?Amo-a. Mas sou tão pobreE dos pobres ninguém gosta. Poeta, fita o espaçoE deixa de meditar.É que… eu quero um abraçoE você persiste em negar.Poeta, está triste eu vejoPor …

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Estamos sob o mesmo teto – Arnaldo Antunes

estamos sob o mesmo tetosecretoonde o sol indesejável é barradoeu e vocêsob o mesmo nósdois, sóissob o mesmo pôr(o enigma do amor)do solonde todo contorno findaestamossob a mesma pálpebraagorajá e aindaintactos de aurora. Arnaldo Antunes Autor: Arnaldo Antunes

Cultura – Arnaldo Antunes

O girino é o peixinho do sapoO silêncio é o começo do papoO bigode é a antena do gatoO cavalo é pasto do carrapato O cabrito é o cordeiro da cabraO pescoço é a barriga da cobraO leitão é um porquinho mais novoA galinha é um pouquinho do ovo O desejo é o começo do …

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O pulso – Arnaldo Antunes

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa… Peste bubônicaCâncer, pneumoniaRaiva, rubéolaTuberculose e anemiaRancor, cisticercoseCaxumba, difteriaEncefalite, faringiteGripe e leucemia… E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa Hepatite, escarlatinaEstupidez, paralisiaToxoplasmose, sarampoEsquizofreniaÚlcera, tromboseCoqueluche, hipocondriaSífilis, ciúmesAsma, cleptomania… E o corpo ainda é poucoE o corpo ainda é poucoAssim… Reumatismo, raquitismoCistite, disritmiaHérnia, pediculoseTétano, hipocrisiaBrucelose, febre tifóideArteriosclerose, miopiaCatapora, culpa, …

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Nome não – Arnaldo Antunes

os nomes dos bichos não são os bichoso bichos são:macaco gato peixe cavalomacaco gato peixe cavalovaca elefante baleia galinha os nomes das cores não são as coresas cores são:preto azul amarelo verde vermelho marrom os nomes dos sons não são os sonsos sons são só os bichos são bichossó as cores são coressó os sons …

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Fêmea-Fênix – Uncategorized

Para Léa Garcia  Navego-me eu–mulher e não temo,sei da falsa maciez das águase quando o receiome busca, não temo o medo,sei que posso me deslizarnas pedras e me sair ilesa,com o corpo marcado pelo olorda lama. Abraso-me eu-mulher e não temo,sei do inebriante calor da queimae quando o temorme visita, não temo o receio,sei que …

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Folha morta

Sei que falam de mimSei que zombam de mimOh, Deus, como eu sou infelizVivo à margem da vidaSem amparo ou guaridaOh, Deus, como eu sou infeliz Já tive amores, tive carinhosJá tive sonhosOs dessabores levaram minha almaPor caminhos tristonhosHoje sou folha mortaQue a corrente transportaOh, Deus, como eu sou infeliz, infelizEu queria um minuto apenasPra …

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Camisa amarela

Encontrei o meu pedaço na avenidaDe camisa amarelaCantando a FlorisbelaA FlorisbelaConvidei-o a voltar pra casa em minha companhiaExibiu-me um sorriso de ironiaE desapareceu no turbilhão da galeriaNão estava nada bomO meu pedaço na verdadeEstava bem mamadoBem chumbado, atravessadoFoi por aí cambaleandoSe acabando num cordãoCom um reco-reco na mãoMais tarde o encontrei num café do rapaDo …

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Eu-Mulher

Uma gota de leiteme escorre entre os seios.Uma mancha de sangueme enfeita entre as pernas.Meia palavra mordidame foge da boca.Vagos desejos insinuam esperanças.Eu-mulher em rios vermelhosinauguro a vida.Em baixa vozviolento os tímpanos do mundo.Antevejo.Antecipo.Antes-vivoAntes – agora – o que há de vir.Eu fêmea-matriz.Eu força-motriz.Eu-mulherabrigo da sementemoto-contínuodo mundo. Autor: Conceição Evaristo

Fêmea-Fênix

Para Léa Garcia  Navego-me eu–mulher e não temo,sei da falsa maciez das águase quando o receiome busca, não temo o medo,sei que posso me deslizarnas pedras e me sair ilesa,com o corpo marcado pelo olorda lama. Abraso-me eu-mulher e não temo,sei do inebriante calor da queimae quando o temorme visita, não temo o receio,sei que …

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Frutífera

– Da solidão do fruto –De meu corpo ofereçoas minhas frutescências,casca, polpa, semente.E vazada de mim mesmacom desmesurada gulaapalpo-me em ofertaa fruta que sou. Mastigo-mee encontro o coraçãode meu próprio fruto,caroço aliciado,a entupir os vaziosde meus entrededos. – Da partilha do fruto –De meu corpo ofereçoas minhas frutescências,e ao leve desejo-roçarde quem me acolhe,entrego-me aos …

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Malungo, brother, irmão

No fundo do calumbénossas mãos aindaespalmam cascalhosnem ouro nem diamanteespalham enfeitesem nossos seios e dedos. Tudo se foimas a cobradeixa o seu rastronos caminhos aonde passae a lesma lentaem seu passo-arrastolarga uma gosma douradaque brilha no sol. um dia antesum dia avantea dívida acumulae fere o tempo tensoda paciência gastade quem há muito espera. Os …

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Menina

Menina, eu queria te comporEm verso,Cantar os desconcertantesMistériosQue brincam em ti,Mas teus contornos meEscapolem.Menina, meu poema primeiro, Cuida de mim. Autor: Conceição Evaristo

Poesia Brasileira

Poetas mais acessados Abdias do Nascimento Adao Ventura Alberto de Oliveira Alphonsus de Guimaraens Álvares de Azevedo Augusto dos Anjos Carlos Drummond de Andrade Carolina Maria de Jesus Casimiro de Abreu Cecilia Meireles Clarice Lispector Cora Coralina Elizandra Souza Ferreira Gullar Goncalves Dias Hilda Hilst Joao Cabral de Melo Neto Jorge de Lima Manoel de …

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Música Brasileira

Artistas mais acessados Adoniran Barbosa Adriana Calcanhotto Alceu Valença Ana Carolina Anavitoria Armandinho Arnaldo Antunes Belchior Beto Guedes Caetano Veloso Capital Inicial Cartola Cassia Eller Cazuza Charlie Brown Jr Chico Buarque Chico Cesar Chico Science e Nação Zumbi Cidade Negra Clara Nunes Criolo Djavan Elis Regina Engenheiros do Hawaii Fagner Gal Costa Gabriel o Pensador …

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É luxo só

Olha, essa mulata quando sambaÉ luxo sóQuando todo seu corpo se embalançaÉ luxo sóTem um não sei quêQue faz a confusãoO que ela não tem meu Deus,É compaixãoÊta, mulata quando, ahOlha, essa mulata quando dançaÉ luxo sóQuando todo seu corpo se embalançaÉ luxo sóPorém seu coração quando se agitaE palpita mais ligeiroNunca vi compasso tão …

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Olha

Olha, você tem todas as coisasQue um dia eu sonhei pra mimA cabeça cheia de problemasNão me importo, eu gosto mesmo assim Tem os olhos cheios de esperançaDe uma cor que mais ninguém possuiMe traz meu passado e as lembrançasDo que eu sempre quis ser e não fui Olha, você vive tão distanteMuito além do …

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Samba rasgado

Uma cabrocha bonita cantando e sambandoQuem não admiraGingando seu corpo que mesmo a gente espiandoParece mentiraCabrocha que só fala gíriaQue tem candomblé no seu sapateado Cabrocha que veio do morroTrazer pra cidade o samba rasgadoPara eu cantar um sambaNão precisa orquestraçãoGosto mais de uma cuíca, um cavaquinhoUm pandeiro e um violão… Uma vez fui convidada …

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Noites cariocas

Sei que ao meu coração só lhe resta escolherOs caminhos que a dor sutilmente traçouPara lhe aprisionarNem lhe cabe sonhar com o que definhouVou me repreender pra não mais me envolverNessas tramas de amorEu bem sei que nós dois somos bem desiguaisPara que martelar, insistir, reprisar?Tanto faz, tanto fezEu por mim desisti, me cansei e …

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Força estranha

Eu vi o menino correndo eu vi o tempoBrincando ao redor do caminho daquele meninoEu pus os meus pés no riachoE acho que nunca os tireiO sol ainda brilha na estrada e eu nunca passei Eu vi a mulher preparando outra pessoaO tempo parou pra eu olhar para aquela barrigaA vida é amiga da arteÉ …

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Paula e Bebeto

Ê vida, vida, que amor brincadeira, à veraEles se amaram de qualquer maneira, à vera Qualquer maneira de amor vale à penaQualquer maneira de amor vale amar Pena, que pena, que coisa bonita, digaQual a palavra que nunca foi dita, digaQualquer maneira de amor vale aquela / amar / à pena / valerá Eles partiram …

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Tigresa

Uma tigresa de unhas negras e íris cor de melUma mulher, uma beleza que me aconteceuEsfregando a pele de ouro marromDo seu corpo contra o meuMe falou que o mal é bom e o bem cruel Enquanto os pelos dessa deusa tremem ao vento ateuEla me conta sem certeza tudo o que viveuQue gostava de …

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Esotérico

Não adianta nem me abandonarPorque mistério sempre há de pintar por aíPessoas até muito mais vão lhe amarAté muito mais difíceis que eu pra vocêQue eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguaisAté que nem tanto esotérico assimSe eu sou algo incompreensívelMeu Deus é maisMistério sempre há de pintar por aíNão adianta nem …

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Teco teco

Teco, teco, teco, teco, tecoNa bola de gude era o meu viverQuando criança no meio da garotadaCom a sacola do ladoSó jogava p’ra valerNão fazia roupa de bonecas nem tão pouco conviviaCom as garotas do meu bairro que era naturalVivia em postes, soltava papagaioAté meus quatorze anos era esse o meu mal Com a mania …

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Até quem sabe

Até um diaAté talvezAté quem sabeAté você sem fantasiaSem mais saudadeAgora a gente tão de repenteNem mais se entendeNem mais pretendeSeguir fingindoSeguir seguindoAgora vouPra onde forSem mais vocêSem me quererSem mesmo serSem me entenderVou me beberVou me perder pela cidadeAté um diaAté talvezAté quem sabe

Flor de maracujá

Lá no avarandado na luz do meio diaO segredo dos teus olhos tanta coisa me diziaO cabelo solto ao vento, o teu jeito de olharE no teu corpo moreno, a flor de maracujáDia de Sol, cheiro de florGosto de mar, amorNa tua cor, luz do luarVento que vem do marRoda, gira vira o vento, meu …

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Barato total

Lá, lá, lá, lá, lá, lá, láLá, lá, lá, lá, lá, lá, lá Quando a gente tá contenteTanto faz o quenteTanto faz o frioTanto fazQue eu me esqueça do meu compromissoCom isso e aquiloQue aconteceu dez minutos atrás Dez minutos atrás de uma ideia já deuPra uma teia de aranha crescer e prenderSua vida na …

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Índia (India)

Índia, seus cabelos nos ombros caídosNegros como a noite que não tem luarSeus lábios de rosa, para mim, sorrindoE a doce meiguice desse seu olhar Índia da pele morenaSua boca pequena eu quero beijar Índia, sangue tupiTens o cheiro da florVem, que eu quero lhe darTodo o meu grande amor Quando eu for embora para …

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Pérola negra

Tente passar pelo que estou passandoTente apagar este teu novo enganoTente me amar pois estou te amandoBaby te amo nem sei se te amoTente usar a roupa que estou usandoTente esquecer em que ano estamosArranje algum sangue escreva num panoPérola negra te amo, te amoRasgue a camisa enxugue meu prantoComo prova de amorMostre teu novo …

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Falsa baiana

Baiana que entra no samba e só fica paradaNão samba, não mexe, não bole nem nadaNão sabe deixar a mocidade loucaBaiana é aquela que entra no samba de qualquer maneiraQue mexe, remexe, dá nó nas cadeirasDeixando a moçada com água na boca A falsa baiana quando entra no sambaNinguém se incomodaNinguém bate palma, ninguém abre …

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London, London

I’m wandering round and round, nowhere to goI’m lonely in London, London is lovely soI cross the streets without fearEverybody keeps the way clearI know, I know no one here to say helloI know they keep the way clearAnd I am lonely in London without fearI’m wondering round and round here nowhere to go While …

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Cinema Olympia

Não quero mais essas tardes mornais, normaisNão quero mais vídeo tape, mormaço, março, abrilEu quero pulgas mil na geralEu quero a geralEu quero ouvir gargalhada geralQuero um lugar pra mim e pra você Na matinê do cinema OlympiaDo cinema OlympiaNa matinê do cinema OlympiaDo cinema OlympiaNa matinê do cinema OlympiaDo cinema Olympia Não quero mais …

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Parque industrial

Retocai o céu de anilBandeirolas no cordãoGrande festa em toda a naçãoDespertai com oraçõesO avanço industrialVem trazer nossa redenção Tem garotas propagandaAeromoças e ternura no cartazBasta olhar na paredeMinha alegria num instante se refazPois temos o sorriso engarrafadoJá vem pronto e tabeladoÉ somente requentar e usarÉ somente requentar e usarO que é made, made, madeMade …

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Meu rosário

Meu rosário é feito de contas negras e mágicas.Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falopadres-nossos e ave-marias.Do meu rosário eu ouço os longínquos batuquesdo meu povoe encontro na memória mal adormecidaas rezas dos meses de maio de minha infância.As coroações da Senhora, em que as meninas negras,apesar do desejo de coroar …

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Pedra, pau, espinho e grade

“No meio do caminho tinha uma pedra”,Mas a ousada esperançade quem marcha cordilheirastriturando todas as pedrasda primeira à derradeirade quem banha a vida todano unguento da corageme da luta cotidianafaz do sumo beberragemtopa a pedra pesadeloé ali que faz paradapara o salto e não o recuonão estanca os seus sonhoslá no fundo da memória,pedra, pau, …

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Todas as manhãs

Todas as manhãs acoito sonhose acalento entre a unha e a carneuma agudíssima dor. Todas as manhãs tenho os punhossangrando e dormentestal é a minha lidacavando, cavando torrões de terra,até lá, onde os homens enterrama esperança roubada de outros homens. Todas as manhãs junto ao nascente diaouço a minha voz-banzo,âncora dos navios de nossa memória.E …

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Poeta

Poeta, em que medita?Por que vives triste assim?É que eu a acho bonitaE você não gosta de mim.Poeta, tua alma é nobreÉs triste, o que o desgosta?Amo-a. Mas sou tão pobreE dos pobres ninguém gosta. Poeta, fita o espaçoE deixa de meditar.É que… eu quero um abraçoE você persiste em negar.Poeta, está triste eu vejoPor …

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Os buracos do espelho

o buraco do espelho está fechadoagora eu tenho que ficar aquicom um olho aberto, outro acordadono lado de lá onde eu caí pro lado de cá não tem acessomesmo que me chamem pelo nomemesmo que admitam meu regressotoda vez que eu vou a porta some a janela some na paredea palavra de água se dissolvena …

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Estamos sob o mesmo teto

estamos sob o mesmo tetosecretoonde o sol indesejável é barradoeu e vocêsob o mesmo nósdois, sóissob o mesmo pôr(o enigma do amor)do solonde todo contorno findaestamossob a mesma pálpebraagorajá e aindaintactos de aurora. Autor: Arnaldo Antunes

Cultura

O girino é o peixinho do sapoO silêncio é o começo do papoO bigode é a antena do gatoO cavalo é pasto do carrapato O cabrito é o cordeiro da cabraO pescoço é a barriga da cobraO leitão é um porquinho mais novoA galinha é um pouquinho do ovo O desejo é o começo do …

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Pedra de pedra de pedra

pedra de pedra de pedrao que a faz tão concretase não a falta de regrade sua forma assimétricaincapaz de linha reta? talvez a sua durezaque mão alguma atravessatateia mas não penetrao amálgama dos átomosno íntimo da molécula? será por estar paradaem sua presença discretasobre o chão mimetizadaobstáculo na pressaonde o cego pé tropeça? pedra de …

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O pulso

O pulso ainda pulsaO pulso ainda pulsa… Peste bubônicaCâncer, pneumoniaRaiva, rubéolaTuberculose e anemiaRancor, cisticercoseCaxumba, difteriaEncefalite, faringiteGripe e leucemia… E o pulso ainda pulsaE o pulso ainda pulsa Hepatite, escarlatinaEstupidez, paralisiaToxoplasmose, sarampoEsquizofreniaÚlcera, tromboseCoqueluche, hipocondriaSífilis, ciúmesAsma, cleptomania… E o corpo ainda é poucoE o corpo ainda é poucoAssim… Reumatismo, raquitismoCistite, disritmiaHérnia, pediculoseTétano, hipocrisiaBrucelose, febre tifóideArteriosclerose, miopiaCatapora, culpa, …

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Nome não

os nomes dos bichos não são os bichoso bichos são:macaco gato peixe cavalomacaco gato peixe cavalovaca elefante baleia galinha os nomes das cores não são as coresas cores são:preto azul amarelo verde vermelho marrom os nomes dos sons não são os sonsos sons são só os bichos são bichossó as cores são coressó os sons …

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Manuela

manuela, você nãopassa de uma gripeque me entope osporos:qualquer diadesses eu te esqueço         num espirro. Autor: Gregório Duvivier

Unha e carne

eram como unha e carne os doise como unha e carne partiram-seem metades injuntáveis ambossob o alicate inox e elarepousa no ladrilho, âmbar:lua minguante sobre o bidê. Autor: Gregório Duvivier

Sobre a exaustão das retinas

ja não me diz nada um por do sol em cancun e um coqueiro em alto-mar já vagou por protetores de tela demais para me causar qualquer sensação de bem-estar; os casais parisienses que habitam calendários já não me dão sequer vontade de ir a paris assim como não me comovem mais as crianças de …

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Soneto para construir janelas

 para Paulo Henriques Brítto Erguer antes de tudo uma parede – a parede no caso é importantíssima, pois as janelas só existem sobre paredes, as janelas sobre nada são também nada e não são sequer vistas. Em seguida, quebrá-la até fazer nela um grande buraco, não maior que a parede, pois precisamos vê-la, nem menor …

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Solidão

Eu sozinho sou mais forteMinh’alma mais atrevidaNão fujo nunca da vidaNem tenho medo da morte Eu sozinho de verdadeEncontro em mim minha essênciaNão faço caso de ausênciaE nem me incomoda a saudade Eu sozinho em estado brutoSou força que principiaSou gerador de energiaDe mim mesmo absoluto Eu sozinho sou imensoNão meço nunca o meu passoNão …

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Poder da criação

a música me ama, ela me deixa fazê-la. A música é uma estrela, deitada na minha cama. Ela me chega sem jeito, quase sem eu perceber. Quando dou conta e vou ver, ela já entrou no meu peito. No que ela entra a alma sai, fica meu corpo sem vida. Volta depois comovida, e eu …

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Autobiografia

EITO que ressoa no meu sanguesangue do meu bisavô pinga de tua foicefoice da tua violaçãoainda corta o grito de minha avó LEITO de sangue negroemudecido no espantoclamor de tragédia não esquecidacrime não punido nem perdoadoqueimam minhas entranhasPEITO pesado ao peso da madrugada de chumboorvalho de fel amargoorvalhando os passos de minha mãena oferta compulsória …

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Mamãe, coragem

Mamãe, mamãe, não choreA vida é assim mesmoEu fui emboraMamãe, mamãe, não choreEu nunca mais vou voltar por aíMamãe, mamãe, não choreA vida é assim mesmoEu quero mesmo é isto aqui Mamãe, mamãe, não chorePegue uns panos pra lavarLeia um romanceVeja as contas do mercado Pague as prestaçõesSer mãeÉ desdobrar fibra por fibraOs corações dos …

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Fim de caso

Eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabarHá um adeus em cada gesto, em cada olharO que não temos é coragem de falarNós já tivemos a nossa fase de carinho apaixonadoDe fazer versos, de viver sempre abraçadosNaquela base do só vou se você forMas de repente, fomos ficando cada dia mais sozinhosEmbora …

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Pra machucar meu coração

Está fazendo um ano e meio, amorQue o nosso lar desmoronouMeu sabiáMeu violãoE uma cruel desilusãoFoi tudo que ficouFicou pra machucar meu coração Quem sabe não foi bem melhor assimMelhor pra vocêE melhor pra mimA vida é uma escolaOnde a gente precisa aprenderA ciência de viver pra não sofrer

Sábado em Copacabana

Depois de trabalhar toda a semanaMeu sábado não vou desperdiçarJá fiz o meu programa prá esta noiteE sei por onde começar Um bom lugar para encontrarCopacabanaPrá passear à beira-marCopacabanaDepois num bar à meia-luzCopacabanaEu esperei por essa noite uma semana Um bom jantar depois de dançarCopacabanaPrá se amar um só lugarCopacabanaA noite passa tão depressaMas vou …

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Cara Bacana

Foi dificil pra você acreditar que eu sou um cara bacanaE quando a gente briga e que vê que mais se amaEntão esquece logo isso e vem com tudo aqui pra camaHoooFoi dificil pra você acreditar que eu sou um cara bacanaE quando a gente briga e que vê que mais se amaEntão esquece logo …

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Caminhos do mar

Iemanjá, odoyáOdoyá, rainha do marIemanjá, odoyáOdoyá, rainha do mar O canto vinha de longeDe lá do meio do marNão era canto de genteBonito de admirar O corpo todo estremeceMuda a cor do céu, do luarUm dia ela ainda apareceÉ a rainha do mar Iemanjá, odoyáOdoyá, rainha do marIemanjá, odoyáOdoyá, rainha do mar Quem ouve desde …

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Meu bem, meu mal

Você é meu caminhoMeu vinhoMeu vícioDesde o inícioEstava você Meu bálsamo benignoMeu signoMeu guruPorto seguroOnde eu voltei Meu marE minha mãeMeu medoE meu champagne VisãoDo espaço sideralOnde o que eu souSe afoga!Meu fumo e minha iogaVocê é minha drogaPaixão e carnaval Meu Zem!Meu Bem!Meu Mal! Meu Zem!Meu Bem! Você é meu caminhoMeu vinhoMeu vícioDesde o …

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Canta Brasil

As selvas te deram nas noites teus ritmos bárbarosE os negros trouxeram de longe reservas de prantoOs brancos falaram de amor em suas cançõesE dessa mistura de vozes nasceu o teu cantoBrasil, minha voz enternecidaJá adorou os seus brasõesNa expressão mais comovidaDas mais ardentes cançõesTambém na beleza desse céuOnde o azul é mais azulNa aquarela …

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Brasil

Não me convidaramPra essa festa pobreQue os homens armaram pra me convencerA pagar sem verToda essa drogaQue já vem malhada antes de eu nascer Não me ofereceramNem um cigarroFiquei na porta estacionando os carrosNão me elegeramChefe de nadaO meu cartão de crédito é uma navalha BrasilMostra tua caraQuero ver quem pagaPra gente ficar assimBrasilQual é …

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Sua estupidez

Meu bem, meu bemVocê tem que acreditar em mimNinguém pode destruir assimUm grande amorNão dê ouvidos a maldade alheiaE creia:Sua estupidez não lhe deixa verQue eu te amo Meu bem, meu bemUse a inteligência uma vez sóQuantos idiotas vivem sóSem ter amorE você vai ficar também sozinhaE eu sei porquêSua estupidez não lhe deixa verQue …

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Mãe

Palavras, calas, nada fizEstou tão infelizFalasses, desses, visses nãoImensa solidãoEu sou um Rei que não tem fimE brilhas dentro aquiGuitarras, salas, vento, chãoQue dor no coraçãoCidades, mares, povo, rioNinguém me tem amorCigarra, camas, colos, ninhosUm pouco de calorEu sou um homem tão sozinhoMas brilhas no que souE o meu caminho e o teu caminhoÉ um …

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