Crônica do tempo

Pra mim, o mundo é um relógio
E, e o dinheiro é a mola
Que controla os relógios dessa vida

Se o senhor tiver tempo pra ouvir a minha história
Eu começo lhe contando
Que toda a minha vida foi um grande desencontro
Entre o tempo do relógio e as oportunidades

Deus, nosso Senhor, que perdoe a minha sinceridade
Como um segredo
Mas inté hoje não entendi
Por que é que pra tudo na minha vida
Eu sempre cheguei muito tarde ou muito cedo

Pra começar, nasci fora do tempo, sou de sete meses
E se foi cedo demais pra dar dores e tristezas
À minha mãe, com essa minha pressa de nascer
Foi tarde demais pra dar alegria ao meu pai, coitado
Ele morreu antes de me conhecer
E aí começa o meu rosário com o tempo do relógio

Já na idade de ir pra escola foi um tormento
Minha mãe, coitada, corria pra lá e pra cá
Comigo de mão dada
E sempre recebendo o mesmo desengano, coitada
Não pode, dona, só pro ano, é cedo ainda
Ou então, tarde demais, dona, as matrícula já tão tudo fechada

Com o tempo, eu fui crescendo
Já mocinho, procurava emprego
Porta de oficina, serviço diferente, coisa de pequena paga
E aquelas palavras do tempo me seguindo
Sempre acontecendo comigo como um relógio do destino
Olha, moço, não tem vaga, se você tivesse sido esperto
Agora o quadro de operários já tá completo

Eu me lembro que inté pro amor eu me atrasei
Quando pra aquela cabocla que eu gostava, me declarei
Ela falou pra mim: Você chegou tarde demais
Já dei meu coração pra outro rapaz

Mesmo assim, um dia me casei
E desse casamento nasceu
Um menino, bonito, que só vendo
Foi a única coisa que me chegou na hora certa
Porque ele foi a porta aberta pro meu riso
Riso que eu já nem sabia mais como era o jeito

Dei a ele o nome de Vitório, ia ser meu grande vingador
Pra me vingar do tempo, pra me vingar das hora dos relógio
E inté dos segundo, e de tudo
Me vingar dos donos desse relógio que é o mundo
Vitório, o meu grande vingador

Vitório foi crescendo como pode
Logo já tinha cinco ano, e a vida, o tempo
O tempo como um inimigo traidor sempre me espiando
Um dia, Vitório adoentou-se
Como acontece com qualquer criança
E eu trabalhava num faz de tudo ao mesmo tempo
Pra nenhum remédio lhe fartá, eu tinha esperança

Num dia só fui camelô, bilheteiro
Entregador de encomenda, jardineiro, tudo
E chegava em casa moído e fedorento
De suor pra lhe abraçar e lhe beijar
E o coitadinho encuído, magrinho, dava dó, tava sofrendo

Então o doutor trouxe ele pra vê ele
É, homem bão, atencioso
Que logo depois de examinar falou assim
Oh, corre, vá depressa comprar essa receita
Seu filho não tá bão, quem sabe se com isso ele se ajeita
E chacoalhando a cabeça, foi-se embora
Quem sabe aconselhando uma promessa

Como eu não tinha dinheiro pro remédio
Dei de garra num velho despertador lá de casa
A única coisa de valor
Pensando que podia vender ele num brechó
E saí correndo, bem correndo

Mas inté hoje não entendi por que ouvi uns grito na rua
Pega ladrão, pega ladrão
E gente amontoando pro meu lado
Quem sabe imaginando que eu era algum malfeitor
E foi soco, bordoada, pontapé
E quando eu pude perceber
Já tava de pé na frente de um delegado

Doutor, meu filho tá doente, tá morrendo
Por favor, eu tenho aqui uma receita, ó
E supliquei, chorando
O tal delegado, então, acreditando, falou pro guarda
Pega o carro da rádio patrulha, leva o moço
E me entregando um toco de dinheiro do seu bolso, arrematou
Corre, corre, compra o tal remédio pro seu filho na farmácia

Eu fui embora correndo, correndo
Correndo, correndo comprei o remédio
Voltei feito um raio, feito um raio lá pra casa
Mas como sempre na vida, eu corri contra o tempo
Esse covarde
Quando abracei meu filho, é que eu vi
Mais uma vez, eu tinha chegado tarde


Letra Composta por: Rolando Boldrin
Melodia Composta por:
Álbum: Programa Sr Brasil, TV Cultura
Ano: 2014
Estilo Musical:

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