Urucubaca, mandinga
Ataca, mexe e me xinga
Esquenta e racha a moringa
Até que o leite azedou
Bochecha inchada na raça
Araçá, coentro e cachaça
O berimbau tem cabaça
E um som que é “deep in my soul”
Randolph scott que era um cowboy retado
Tipo touro sentado
Mugiu e levantou
O tapa na cara
Que eu levei de odara
Odara, menina
Que era filha de nara
Que era neta, prima-dona de raul
Menino danado
Lá, si, dó rebocado
Procure que você vai entender
(repete tudo)
Letra Composta por: Claudio Roberto e Raul Seixas
Melodia Composta por:
Álbum: O DIA EM QUE A TERRA PAROU
Ano: 1977
Estilo Musical:
O segredo para se entender uma música é principalmente ver o contexto exterior onde o artista vivia quando a compôs. O próprio Raul Seixas disse certa vez que a música era um reflexo da cultura do meio. Que tal tentarmos destrinchar juntos a música “Tapanacara” que você já “praticamente” elucidou? Que tal analisarmos estrofe por estrofe? “Aqui embaixo vai a letra. Eu vou tentar comentar cada estrofe e você dá também seu pitaco,..rsrsrs ok? Assim chegamos mais próximos da verdade, não é mesmo? Eu sempre achei que quanto mais cabeças pensantes, melhor é o resultado final. Esta música faz parte do LP “O dia em que a terra parou” de 1977. Neste LP predominam letras de músicas que apontam para um novo mundo e o rompimento com o sistema vigente (Ditadura Militar, os anos de chumbo) em particular, tais como “O dia em que terra parou”,”Sapato 36, “De cabeça para baixo,”Que luz é esta? (em parte) ,”Maluco Beleza” (em parte), “Você” e “Sim”. Parece-me também que Raul Seixas a partir deste ano dá uma guinada no conteúdo das letras tornando-as mais pé no chão para que seu público possa entender melhor as mensagens, o que ele deve ter percebido que não aconteceu quando compôs no período anterior as letras místicas com Paulo Coelho, que aliás tem seu rompimento de parceria com Raul Seixas neste ano de 1977.
Na primeira estrofe, Raul faz um “jogo” de palavras que aliás é a tônica de toda esta letra, terminando por dizer, como você mesmo já citou, que ele ficou “zangado” (o leite azedou…). Eu acho também que talvez Raul queira dizer de maneira lúdica nesta estrofe que ele seria “vítima” de “trabalho” para o seu mal por parte de algum outro baiano, pois cita as palavras urucubaca, mandinga (candomblé vudu), ataca, reza e me xinga… Ou mesmo, de uma maneira branda que algum baiano (por que faz mandinga) não gosta dele!
Na segunda estrofe, Raul louva a sua origem negra, dizendo que o negro tem bochecha inchada, (talvez como ele Raul) proveniente de sua própria raça, ele diz que adora araçá (fruta), coentro (tempero) e cachaça (com certeza….rsrsrs) e o som do berimbau que tem cabaça toca fundo na sua alma, tudo como um bom baiano, com origem negra gosta!. Será que Raul Seixas está querendo dar o troco em alguém que estaria dizendo que ele era “americanizado por tocar rock” e ele retruca dizendo que tem origem negra e adora um som de berimbau… Acho muito provável isto. Até porque havia uma animosidade muito grande entre os artistas da elite cultural da época na Bahia como Caetano Veloso e Gilberto Gil e a turma do rock, Raul incluso. Eles viviam trocando farpas. Eles tinham até teatros para tocar diferentes… Mas entre Caetano e Gil, acho mais provável que Raul Seixas tivesse mais desavenças com Caetano do que com Gilberto Gil, até por conta de uma maior afinidade musical com Gil. Neste LP “O Dia em que a Terra parou” que contem “Tapanacara” o arranjo da música “Que Luz é esta” foi feita por Gilberto Gil e ficaria muito deselegante Raul Seixas citar Gil em “Tapanacara” mesmo que subrepticiamente. Raul Seixas, acredito, não faria isto.
Na terceira estrofe Raul Seixas, que era um cinéfilo inveterado, fala em Randolph Scott (1898 – 1987) que foi um grande ator de Hollwood e fêz inúmeros filmes de cowboy. Como Cintia já havia registrado, Randolph Scott era na vida real bissexual e teve um caso com o ator Cary Grant por cerca de doze anos quando viveram juntos e, segundo a vizinhança, nunca foi visto qualquer mulher na casa onde moravam. Em seguida Randolph Scott tem dois casamentos e dois filhos dos mesmos. Quando Cary Grant morreu, consta que Randolph Scott tinha oitenta e cinco anos e tomou a mão de Cary morto, colocou sobre sua cabeça e chorou copiosamente. Raul diz então que Randolph era um cowboy machão de primeira (apesar de bissexual), mas compara-o com touro sentado que foi um líder dos Cheyenne e Sioux que derrotaram o General Cluster (que na verdade era Tenente Coronel e não General) na batalha de Bighorn, com a ajuda do índio Cavalo Maluco. Touro Sentado, como também já havia dito Cintia, teve este nome porque, quando jovem, apostou com amigos índios que poderia fazer o feroz touro de reprodução de seu tio ficar sentado. Na aposta ele bate uma pedra nos culhões do touro e o mesmo acaba mugindo e sentado de tanta dor. Só que, nesta estrofe Raul Seixas diz que o touro mugiu e levantou, Ele quer dizer que Randolph Scott apesar de bissexual, ao contrário do touro que deu origem ao nome do chefe índio, mugiu e levantou, ou seja teve filhos como um homem hetero sexual. Eu tenho a impressão aqui que esta estrofe é uma flecha atirada na direção de Caetano Veloso.
Na quarta estrofe Raul Seixas fala do tapa na cara que levou por causa da letra da música “Odara” que Caetano Veloso gravou no LP “Bicho” que saiu em 1977. Odara em Hindu significa paz, tranquilidade e a letra da música é reproduzida abaixo;
Deixa eu dançar pro meu corpo ficar odara
Minha cara minha cuca ficar odara
Deixa eu cantar que é pro mundo ficar odara
Pra ficar tudo jóia rara
Qualquer coisa que se sonhara
Canto e danço que dara
Como se vê, é uma música com letra e música com perfil Hippie e Raul Seixas não admitiu que, naquela época dos anos de chumbo, da ditadura, Caetano saisse com esta letra de querendo paz e tranquilidade. Com Nara Raul refere-se à pessoa de Nara Leão que foi grande cantora de bossa nova, dos tempos em que Raul acompanhava com seu conjunto “Os Panteras” tanto ela como Roberto Carlos e outros cantores de sucesso do Rio nas apresentações em Salvador. Como Odara, Nara também de perfil pessoal muitíssimo light, semelhante à Odara, era, como Caetano Veloso, também da bossa nova, Raul chama Odara de filha de Nara que era mais velha que Caetano Veloso e também por causa do estilo da letra de Odara que se parece com o das letras de bossa nova,que Raul chamava de bosta nova! Raul Seixas apreciava muito a voz linda de Nara, daí o termo prima dona, ou seja “primeira cantora de ópera” de Raul Seixas dada à Nara Leão.
Na quinta estrofe Raul inverte notas musicais dando repúdio à letra de Odara de Caetano, com o “dó” final e diz que Caetano é menino danado e que está por fora, rejeitado, rebocado…
Na última frase ele, sabendo que há muita coisa nas entrelinhas, não explícitas para o ouvinte desavisado, ele diz: “procure que você vai entender”. Isto foi o que Cintia Covas e eu procuramos fazer….rsrsrs, creio que com sucesso . Acho que agora esta música que, para mim fazia pouco sentido, adquire uma outra expressão e rumo. Ela revela que Raul Seixas também citado pelos críticos como o “magro abusado” foi muitas vezes ácido e corrosivo, sem perder sua genialidade! Mas, como disse acima, esta canção foi uma canção de época, feita sob os anos de chumbo da Ditadura Militar. Eu duvido que as diferenças entre Raul e Caetano Veloso perdurassem por muito tempo, se a estrela do gênio Raul Seixas não se apagasse tão cedo…
Perfeito!!! Eu já sabia dessa briguinha entre o rock e a bossa nova e essa explicação elucida tudo. Gostaria que vc tentasse decifrar Tb a letra de NA RODOVIÁRIA do Raul tb, conhece?
BAHHH, Na Rodoviária é quase um copta do Raul! Só consigo entender um sentido amplo pra ela, no qual me parece uma critica ao Status Quo, e loucor ao espirito revolucionário e louco de por “fogo em roma”. Sendo que o Status Quo vigente é herdeiro do sistema cultural romano. O fogo da vela seria o coringa do baralho, o espirito de revolução que muda o jogo.
Odara é palavra africana, yorubá!
Hahaha! Agradecida!!!! Até que em fim uma paz no meu coração de tentar entender essa música rsrsrs…
PERFEITO!!!
Boa, man. Parabéns pelo comentário. Salvou minha vida(rsrs).
Rock in roll na veia hahahahaha
Amei o comentário adoro a música é a pegada agora a escutarei de outra maneira
Sobre a música “Tapanacara” veja o que o coautor, Cláudio Roberto, declarou:
“Quando fizemos a música, ela não tinha letra. Era só um baita suingue. Aí o produtor do Raul disse para a gente: ‘olha, tô indo amanhã para os Estados Unidos mixar o disco’. Ele botou na nossa mão uma garrafa rótulo preto de Johnny Walker e disse para a gente botar letra nela. Tomamos um porre e fizemos os versos às gargalhadas. Quando mostramos o resultado, que começa com “Urucubaca, mandinga, ataca, mexe e me xinga, esquenta e racha a moringa até que o leite azedou”, nos chamaram de gênios! (risos).”
Fonte: https://infograficos.oglobo.globo.com/rio/bairros/cinco-coisas-que-voce-nao-sabia-sobre-musicas-do-raul-seixas/quottapanacaraquot-21863.html#description_text