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Sobre a exaustão das retinas – Gregório Duvivier

ja não me diz nada um por do sol em cancun

e um coqueiro em alto-mar já vagou por protetores

de tela demais para me causar qualquer sensação

de bem-estar; os casais parisienses que habitam

calendários já não me dão sequer vontade

de ir a paris assim como não me comovem

mais as crianças de sebastião salgado nem

a menina que foge do ataque do napalm

e que em breve estampará cangas e biquínis;

as imagens estão gastas e não há nenhuma

que erga pontes como a palavra que.

Gregório Duvivier

Autor: Gregório Duvivier


Soneto para construir janelas – Gregório Duvivier

 para Paulo Henriques Brítto

Erguer antes de tudo uma parede –

a parede no caso é importantíssima,

pois as janelas só existem sobre

paredes, as janelas sobre nada

são também nada e não são sequer vistas.

Em seguida, quebrá-la até fazer

nela um grande buraco, não maior

que a parede, pois precisamos vê-la,

nem menor que seus braços – as janelas

sobre as quais não se pode debruçar

não são janelas, são buracos. Pronto.

Ou quase: agora basta construir

um mundo do outro lado da parede,

para que possas vê-lo, emoldurado.

Gregório Duvivier

Autor: Gregório Duvivier


Receita para um dálmata (ou: Soneto branco com bolinhas pretas) – Gregório Duvivier

Pegue um papel, ou uma parede, ou algo

que seja quase branco e bem vazio.

Amasse-o até que tome forma

de um animal: focinho, corpo, patas.

Em cada pata ponha muitas unhas

e em sua boca muitos dentes. (Caso

queira, pinte o focinho de qualquer

cor que pareça rosa). Atrás, na bunda,

ponha um fiapo nervoso: será seu

rabo. Pronto. Ou quase: deixe-o lá

fora e espere chover nanquim. Agora

dê grama ao bicho. Se ele rejeitar,

é dálmata. Se comer (e mugir),

é uma vaca que tens. Tente outra vez.

Gregório Duvivier

Autor: Gregório Duvivier


Manuela

manuela, você não
passa de uma gripe
que me entope os
poros:qualquer dia
desses eu te esqueço
         num espirro.

Autor: Gregório Duvivier


Unha e carne

eram como unha e carne os dois
e como unha e carne partiram-se
em metades injuntáveis ambos
sob o alicate inox e ela
repousa no ladrilho, âmbar:
lua minguante sobre o bidê.

Autor: Gregório Duvivier


Receita para um dálmata (ou: Soneto branco com bolinhas pretas)

Pegue um papel, ou uma parede, ou algo

que seja quase branco e bem vazio.

Amasse-o até que tome forma

de um animal: focinho, corpo, patas.

Em cada pata ponha muitas unhas

e em sua boca muitos dentes. (Caso

queira, pinte o focinho de qualquer

cor que pareça rosa). Atrás, na bunda,

ponha um fiapo nervoso: será seu

rabo. Pronto. Ou quase: deixe-o lá

fora e espere chover nanquim. Agora

dê grama ao bicho. Se ele rejeitar,

é dálmata. Se comer (e mugir),

é uma vaca que tens. Tente outra vez.

Autor: Gregório Duvivier


Sobre a exaustão das retinas

ja não me diz nada um por do sol em cancun

e um coqueiro em alto-mar já vagou por protetores

de tela demais para me causar qualquer sensação

de bem-estar; os casais parisienses que habitam

calendários já não me dão sequer vontade

de ir a paris assim como não me comovem

mais as crianças de sebastião salgado nem

a menina que foge do ataque do napalm

e que em breve estampará cangas e biquínis;

as imagens estão gastas e não há nenhuma

que erga pontes como a palavra que.

Autor: Gregório Duvivier


Soneto para construir janelas

 para Paulo Henriques Brítto

Erguer antes de tudo uma parede –

a parede no caso é importantíssima,

pois as janelas só existem sobre

paredes, as janelas sobre nada

são também nada e não são sequer vistas.

Em seguida, quebrá-la até fazer

nela um grande buraco, não maior

que a parede, pois precisamos vê-la,

nem menor que seus braços – as janelas

sobre as quais não se pode debruçar

não são janelas, são buracos. Pronto.

Ou quase: agora basta construir

um mundo do outro lado da parede,

para que possas vê-lo, emoldurado.

Autor: Gregório Duvivier