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Mãos – Orides Fontela

Com as mãos nuas 
lavrar o campo: 

as mãos se ferindo 
nos seres, arestas 
da subjacente unidade 

as mãos desenterrando 
luzesfragmentos 
do anterior espelho 

com as mãos nuas 
lavrar o campo: 

desnudar a estrela essencial 
sem ter piedade do sangue. 
– Orides Fontela, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 20.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Minério – Orides Fontela

o metal e seu pálido horizonte
o metal tempo opondo-se ao olhar vivo:
o metal adensando
e horizonte e
fronteira inviolada
O metal presença
Íntegra
opondo às águas seu frio
e incorruptível núcleo
– Orides Fontela, do livro “Helianto”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 82.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Poema – Orides Fontela

Saber de cor o silêncio
diamante e-ou espelho
o silêncio além
do branco.
Saber seu peso
Seu signo
– habitar sua estrela
Impiedosa.

Saber seu centro: vazio
esplendor além
da vida
e vida além
da memória.
    Saber de cor o silêncio

– e profaná-lo, dissolvê-lo
        em palavras.
– Orides Fontela, do livro “Alba”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006,  p. 149.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Coruja – Orides Fontela

Vôo onde ninguém mais – vivo em luz

mínima 

ouço o mínimo arfar – farejo o 

sangue 

e capturo 

a presa 

em pleno escuro. 

– Orides Fontela, em “Rosácea”. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1986, p. 203.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Pouso – Orides Fontela

Ó pássaro, em minha mão
encontram-se
tua liberdade intacta
minha aguda consciência.

Ó pássaro, em minha mão
teu canto
de vitalidade pura
encontra a minha humanidade.

Ó pássaro, em minha mão
pousado
será possível cantarmos
em uníssono

se és o raro pouso
do sentimento vivo
e eu, pranto vertido

na palavra?
– Orides Fontela, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


A paisagem em círculo – Orides Fontela

Os plátanos as pombas estas fontes
as frondes, longe; e, de novo, os
                        plátanos.

As pombas estes plátanos as frondes
as fontes, longe; e , de novo, as
                        pombas.
As fontes estas frondes estas pombas
plátanos, longe; e, de novo, as
                      fontes.
Estas frondes os plátanos as fontes
As pombas, longe; e, de novo, as
                      frondes.
– Orides Fontela, do livro “Helianto”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 136.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Reflexo – Orides Fontela

O lago em círculo
círculo água
céu apreendido
eternidade no tempo
– Orides Fontela, do livro “Helianto”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 55.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Alvo – Orides Fontela

Miro e disparo:
o alvo
o al
o a
centro exato dos círculos
concêntricos
branco do a
a branco
ponto
branco
atraindo todo o impacto

(Fixar o voo
da luz na
forma
firmar o canto
em preciso
silêncio

– confirmá-lo no centro
do silêncio.)
Miro e disparo:
o a
o al
o alvo.
– Orides Fontela, do livro “Helianto”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 76.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Teia – Orides Fontela

A teia, não 
Mágica 
Mas arma, armadilha 
  
 a teia, não 
morta 
mas sensitiva, vivente 
  
a teia, não 
arte 
mas trabalho, tensa

a teia, não  
arte 
mas trabalho, tensa 
  
a teia, não 
virgem 
mas intensamente 
                 prenhe: 
  
no  
centro 
a aranha espera. 
– Orides Fontela, em “Rosácea”. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1986.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


As estações – Orides Fontela

Anuncia-se a luz 

e o puro Sol
o Sol informe
verte-se

                        desencantando cores
                        frutos vivos
                        — força em ciclo descobrindo-se. 

                               … mas                        
                                                   há o estar da pedra
                                                   há o estar do corpo

                                                   há peso e forma: os frutos                                                                                apodrecem.
– Orides Fontela, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Ver – Orides Fontela

o avesso
do sol o
ventre
do caos os
ossos.
Ver . Ver-se.
Não dizer nada.
– Orides Fontela, do livro “Teia”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 307.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Clima – Orides Fontela

Neste lugar marcado: campo onde

uma árvore única

se alteia

e o alongado

gesto

absorvendo

todo o silêncio – ascende e

                    imobiliza-se

(som antes da voz

pré-vivo

ou além da voz

e vida)

neste lugar marcado: campo

                               imoto

segredo cio cisma

o ser

celebra-se

– mudo eucalipto

      elástico

      e elíptico.

– Orides Fontela, em “Alba”. São Paulo: Roswitha Kempf, 1983.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Viagem – Orides Fontela

Viajar
mas não
para

viajar
mas sem
onde

sem rota sem ciclo sem círculo
sem finalidade possível.

Viajar
e nem sequer sonhar-se
esta viagem.
– Orides Fontela, em “Rosácea”. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1986.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Eros – Orides Fontela

Cego?

Não: livre.

Tão livre que não te importa

a direção da seta. 

Alado? Irradiante.

Feridas multiplicadas

nascidas de um só

                              abismo.

Disseminas pólens e aromas.

És talvez a

                          primavera?

Supremamente livre

           — violento —

não és estátua: és pureza

                                 oferta. 

Que forma te conteria?

Tuas setas armam

                             o mundo

enquanto — aberto — és abismo

              inflamadamente vivo.

– Orides Fontela, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Fala – Orides Fontela

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser

Tudo será
Capaz de ferir. Será
Agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
E nem no amor: o ser
É excessivamente lúcido
E a palavra é densa e nos fere
(toda a palavra é crueldade)
– Orides Fontela, do livro “Transposição”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 31.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela


Helianto – Orides Fontela

Cânon
da flor completa
metro / valência / rito
da flor
verbo

Círculo
exemplar de helianto
flor e
mito

ciclo
do complexo espelho
flor e
ritmo

cânon

da luz perfeita
– Orides Fontela, do livro “Helianto”, em “Poesia Reunida [1969-1996]”. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

Orides Fontela

Autor: Orides Fontela