Machado de Assis

Visio – Machado de Assis

Eras pálida. E os cabelos,Aéreos, soltos novelos,Sobre as espáduas caíamOs olhos meio-cerradosDe volúpia e de ternuraEntre lágrimas luziamE os braços entrelaçados,Como cingindo a ventura,Ao teu seio me cingiram Depois, naquele delírio,Suave, doce martírioDe pouquíssimos instantesOs teus lábios sequiosos,Frios trêmulos, trocavamOs beijos mais delirantes,E no supremo dos gozosAnte os anjos se casavamNossas almas palpitantesDepois a verdade,A […]

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Erro – Machado de Assis

Erro é teu. Amei-te um diaCom esse amor passageiroQue nasce na fantasiaE não chega ao coração;Não foi amor, foi apenasUma ligeira impressão;Um querer indiferente,Em tua presença, vivo,Morto, se estavas ausente,E se ora me vês esquivo,Se, como outrora, não vêsMeus incensos de poetaIr eu queimar a teus pés,É que, — como obra de um dia,Passou-me essa

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Flor da mocidade – Machado de Assis

Eu conheço a mais bela flor;És tu, rosa da mocidade,Nascida aberta para o amor.Eu conheço a mais bela flor.Tem do céu a serena cor,E o perfume da virgindade.Eu conheço a mais bela flor,És tu, rosa da mocidade. Vive às vezes na solidão,Como filha da brisa agreste.Teme acaso indiscreta mão;Vive às vezes na solidão.Poupa a raiva

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O verme – Machado de Assis

Existe uma flor que encerraCeleste orvalho e perfume.Plantou-a em fecunda terraMão benéfica de um nume.Um verme asqueroso e feio,Gerado em lodo mortal,Busca esta flor virginalE vai dormir-lhe no seio.Morde, sangra, rasga e mina,Suga-lhe a vida e o alento;A flor o cálix inclina;As folhas, leva-as o vento.Depois, nem resta o perfumeNos ares da solidão…Esta flor é

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Os dois horizontes – Machado de Assis

Um horizonte, — a saudadeDo que não há de voltar;Outro horizonte, — a esperançaDos tempos que hão de chegar;No presente, — sempre escuro, —Vive a alma ambiciosaNa ilusão voluptuosaDo passado e do futuro. Os doces brincos da infânciaSob as asas maternais,O vôo das andorinhas,A onda viva e os rosais.O gozo do amor, sonhadoNum olhar profundo

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Quando ela fala – Machado de Assis

Quando ela fala, pareceQue a voz da brisa se cala;Talvez um anjo emudeceQuando ela fala. Meu coração doloridoAs suas mágoas exala,E volta ao gozo perdidoQuando ela fala. Pudesse eu eternamente,Ao lado dela, escutá-la,Ouvir sua alma inocenteQuando ela fala. Minha alma, já semimorta,Conseguira ao céu alçá-laPorque o céu abre uma portaQuando ela fala. Machado de Assis

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Relíquia íntima – Machado de Assis

Ilustríssimo, caro e velho amigo, Na quinta-feira, nove do corrente,Preciso muito de falar contigo. E aproveitando o portador te digo,Que nessa ocasião terás presente,A esperada gravura de patenteEm que o Dante regressa do Inimigo. Manda-me pois dizer pelo bombeiroSe às três e meia te acharás postadoJunto à porta do Garnier livreiro: Senão, escolhe outro lugar

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Soneto de Natal – Machado de Assis

Um homem, — era aquela noite amiga,Noite cristã, berço do Nazareno, —Ao relembrar os dias de pequeno,E a viva dança, e a lépida cantiga, Quis transportar ao verso doce e amenoAs sensações da sua idade antiga,Naquela mesma velha noite amiga,Noite cristã, berço do Nazareno. Escolheu o soneto . . . A folha brancaPede-lhe a inspiração;

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A uma senhora que me pediu versos – Machado de Assis

Pensa em ti mesma, acharás Melhor poesia, Viveza, graça, alegria, Doçura e paz. Se já dei flores um dia, Quando rapaz, As que ora dou têm assaz Melancolia. Uma só das horas tuas Valem um mês Das almas já ressequidas. Os sóis e as luas Creio bem que Deus os fez Para outras vidas. Machado

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Carolina – Machado de Assis

Querida, ao pé do leito derradeiroEm que descansas dessa longa vida,Aqui venho e virei, pobre querida,Trazer-te o coração do companheiro.Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiroQue, a despeito de toda a humana lida,Fez a nossa existência apetecidaE num recanto pôs o mundo inteiro.Trago-te flores – restos arrancadosDa terra que nos viu passar unidosE ora mortos nos deixa e

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Círculo vicioso – Machado de Assis

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrelaQue arde no eterno azul, como uma eterna vela!”Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,Que, da grega coluna à gótica janela,Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”Mas a lua, fitando o sol com azedume:“Mísera! Tivesse eu

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Epitáfio do México – Machado de Assis

Dobra o joelho: — é um túmulo.Embaixo amortalhadoJaz o cadáver tépidoDe um povo aniquilado;A prece melancólica Reza-lhe em torno à cruz.Ante o universo atônitoAbriu-se a estranha liça,Travou-se a luta férvidaDa força e da justiça;Contra a justiça, ó século,Venceu a espada e o obus.Venceu a força indômita;Mas a infeliz vencidaA mágoa, a dor, o ódio,Na face

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