Ivan Junqueira

Testamento – Ivan Junqueira

Sem trilhas no labirinto,solitário, a passo lento,leio o infausto testamentode um infante agora extinto. O que ensina esse lamentoa quem o escuta e, faminto,só o aprende à luz do instinto,e nunca à do entendimento? Não será acaso o ventoo que nas vértebras sinto?Ou será que apenas minto,e mente-me o pensamento? Não há dor nem sofrimentono

Testamento – Ivan Junqueira Read More »

Tristeza – Ivan Junqueira

Esta noite eu durmo de tristeza.(O sono que eu tinha morreu ontemqueimado pelo fogo de meu bem.)O que há em mim é só tristeza,uma tristeza úmida, que se infiltrapelas paredes de meu corpoe depois fica pingando devagarcomo lágrima de olho escondido.(Ali, no canto apagado da sala,meu sorriso é apenas um brinquedoque a mãozinha da criança

Tristeza – Ivan Junqueira Read More »

Morrer – Ivan Junqueira

Pois morrer é apenas isto:cerrar os olhos vaziose esquecer o que foi visto; é não supor-se infinito,mas antes fáustico e ambíguo,jogral entre a história e o mito; é despedir-se em surdina, sem epitáfio melífluo ou testamento sovina; é talvez como despir o que em vida não vestia e agora é inútil vestir; é nada deixar aqui: memória, pecúlio, estirpe, sequer um traço de si; é findar-se

Morrer – Ivan Junqueira Read More »

No fundo do leito – Ivan Junqueira

No leito fundo em que descansas,em meio às larvas e aos livores, longe do mundo e dos terroresque te infundia o aço das lanças; longe dos reis e dos senhoresque te esqueceram nas andanças,longe das taças e das danças,e dos feéricos rumores; longe das cálidas criançasque ateavam fogo aos corredorese se expandiam, quais vapores,entre as

No fundo do leito – Ivan Junqueira Read More »

Ó deâmbula alma inquieta – Ivan Junqueira

Animula vagula, blandula,Hospes comesque corporis (…)Publius Aelius HadrianusÓ deâmbula alma inquieta,por que te moves às cegasnesse ermo que se enovelaentre o que és e o que pareces?Por que te pões tão secreta,se debaixo de teus véustodos logo te percebemnos mil papéis que interpretas?Por que temes, alma inquieta,esse dia em que, perplexa,souberes que não te hospedamo

Ó deâmbula alma inquieta – Ivan Junqueira Read More »

Ó memória insepulta – Ivan Junqueira

Ó memória insepulta nas areiasda praia a que regresso, mas não ouçoali a voz dos ventos, o balouçoda espuma nas espáduas das sereias.Ó memória da infância sob as teiasque as aranhas teceram rente ao poçodo jardim: ervas, lodo, o calabouçoonde se afiam os punhais, as meiaspalavras, as intrigas cujas veiasvertem ódios tão duros quanto um

Ó memória insepulta – Ivan Junqueira Read More »

Quase uma sonata – Ivan Junqueira

É música o rigor com que te movesà fluida superfície do mistério,os pés quase suspensos, a aéreapartitura do corpo, seus acordes. Espaço e tempo são teu solo. E colhem,não tanto a luz que entornas, mas o pólencom que ela cinge e arroja as coisas mortasalém da espessa morte que as enrola.E música o silêncio que te

Quase uma sonata – Ivan Junqueira Read More »

Cinco movimentos – I – Ivan Junqueira

Que amor é esse que, desperto, dormee quando acorda faz-se ambíguo sonho,transfigurando o belo no medonhoe em noite espessa a vida multiforme?Então amor é só o que suponho,o que não digo por ser tão informeque fôrma alguma lhe é jamais conformecomo este molde em que teimoso o ponho?Será amor o que se esquiva à falaou

Cinco movimentos – I – Ivan Junqueira Read More »

Elegia íntima – Ivan Junqueira

Minha mãe chorando no fundo da noiterachou o silêncio do quarto adormecido.Meu pai olhava o escuro e não dizia nada,Um relógio preto gotejava barulho.Lá fora o vento lambia as espáduas do céu.Minha mãe chorando no fundo da noiteApunhalou o sono de Deus.– Ivan Junqueira, em “Os mortos”. Rio de Janeiro: Atelier de Arte, 1964. Ivan

Elegia íntima – Ivan Junqueira Read More »

Ritual – Ivan Junqueira

Fecho as janelas desta casa(seus corredores, seus fantasmassua aérea arquitetura de pássaro)fecho a insônia que inundavameu quarto debruçado sobre o nadafecho as cortinas onde a larvado tempo tece agora sua pragafecho a clara algazarra plácidadas vozes sangüíneas da alvoradafecho o trecho taciturno da tocataa chuva percutindo as teclas do telhadoas sombras navegando pelo pátio   

Ritual – Ivan Junqueira Read More »

Esse punhado de ossos – Ivan Junqueira

a Moacyr FelixEsse punhado de ossos que, na areia,alveja e estala à luz do sol a pinomoveu-se outrora, esguio e bailarino,como se move o sangue numa veia.Moveu-se em vão, talvez, porque o destinolhe foi hostil e, astuto, em sua teiabebeu-lhe o vinho e devorou-lhe à ceiao que havia de raro e de mais fino.Foram damas

Esse punhado de ossos – Ivan Junqueira Read More »

Talvez o tempo saiba – Ivan Junqueira

Talvez o vento saiba dos meus passos,das sendas que os meus pés já não abordam,das ondas cujas cristas não transbordamsenão o sal que escorre dos meus braços.As sereias que ouvi não mais acordamà cálida pressão dos meus abraços,e o que a infância teceu entre sargaçosas agulhas do tempo já não bordam.Só vejo sobre a areia

Talvez o tempo saiba – Ivan Junqueira Read More »

Flor amarela – Ivan Junqueira

Atrás daquela montanhatem uma flor amarela;dentro da flor amarela,o menino que você era.Porém, se atrás daquelamontanha não houvera tal flor amarela,o importante é acreditarque atrás de outra montanhatenha uma flor amarelacom o menino que você eraguardado dentro dela.– Ivan Junqueira, em “Poesia reunida”. São Paulo: Girafa Editora, 2005. Ivan Junqueira Autor: Ivan Junqueira

Flor amarela – Ivan Junqueira Read More »