Poeta: Hilda Hilst

Hilda de Almeida Prado Hilst, conhecida como Hilda Hilst, nasceu em 21 de abril de 1930 na cidade de Jaú (SP). É filha e de Bedecilda Vaz Cardoso e de Apolônio de Almeida Prado Hilst. Hilda Hilst foi uma cronista, poetisa, dramaturga e ficcionista. Fez parte da “Geração de 45” que se caracterizava pela busca da reabilitação de regras mais rígidas para a composição dos versos. Hilda Hilst é considerada até hoje uma das maiores escritoras brasileiras do século XX. 

Hilda era culta, de temperamento transgressor e personalidade marcante, o que ia contra aos costumes do período. Fez parte do grupo de autores brasileiros intitulado “Geração de 45”, que se caracterizou por reagir contra o supérfluo e o prosaico. Os autores deste grupo entendiam que as conquistas dos “modernistas de 22” deveriam ser abandonadas. Hilda Hilst rompeu com o bom tom clássico literário, uma vez que em seus textos nada é passivo. A poesia de Hilda Hilst passeia por temas como a loucura, solidão, amor, o misticismo, a morte e o amor erótico. 

Mística e enigmática, Hilda Hilst era dona de textos, na maioria das vezes, estranhos, instigantes e capazes de surpreender o leitor. Entre suas principais obras estão: Balada do Festival (1955), Balada de Alzira (1951), Presságios (1950), Roteiro do Silêncio (1959), Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor (1959), entre outros.

Aquela – Hilda Hilst

Aflição de ser eu e não ser outra.Aflição de não ser, amor, aquelaQue muitas filhas te deu, casou donzelaE à noite se prepara e se adivinhaObjeto de amor, atenta e bela. Aflição de não ser a grande ilhaQue te retém e não te desespera.(A noite como fera se avizinha) Aflição de ser água em meio …

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Araras versáteis – Hilda Hilst

Araras versáteis. Prato de anêmonas.O efebo passou entre as meninas trêfegas.O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.Ela abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida lacaE vergastou a cona com minúsculo açoite.O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meiosE uma língua de agulha, de fogo, de moluscoEmpapou-se de mel nos refolhos robustos.Ela gritava …

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Tateio – Hilda Hilst

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.O fundo sortilégio da omoplata.Matéria-menina a tua fronte e euMadurez, ausência nos teus clarosGuardados. Ai, ai de mim. Enquanto caminhasEm lúcida altivez, eu já sou o passado.Esta fronte que é minha, prodigiosaDe núpcias e caminhoÉ tão diversa da tua fronte descuidada. Tateio. E a um só tempo vivoE vou …

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Árias pequenas. Para bandolim – Hilda Hilst

Antes que o mundo acabe, Túlio,Deita-te e provaEsse milagre do gostoQue se fez na minha bocaEnquanto o mundo gritaBelicoso. E ao meu ladoTe fazes árabe, me faço israelitaE nos cobrimos de beijosE de flores Antes que o mundo se acabeAntes que acabe em nósNosso desejo. Hilda Hilst Autor: Hilda Hilst

Tenta-me de novo – Hilda Hilst

E por que haverias de querer minha almaNa tua cama?Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperasObscenas, porque era assim que gostávamos.Mas não menti gozo prazer lascíviaNem omiti que a alma está além, buscandoAquele Outro. E te repito: por que haveriasDe querer minha alma na tua cama?Jubila-te da memória de coitos e acertos.Ou tenta-me de novo. Obriga-me. Hilda …

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Desde sempre em mim – Hilda Hilst

Contente. Contente do instante Da ressurreição, das insônias heroicas Contente da assombrada canção Que no meu peito agora se entrelaça. Sabes? O fogo iluminou a casa. E sobre a claridade do capim Um expandir-se de asa, um trinado Uma garganta aguda, vitoriosa. Desde sempre em mim. Desde Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo Nas ermas …

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Toma-me – Hilda Hilst

oma-me. A tua boca de linho sobre a minha bocaAustera. Toma-me AGORA, ANTESAntes que a carnadura se desfaça em sangue, antesDa morte, amor, da minha morte, toma-meCrava a tua mão, respira meu sopro, degluteEm cadência minha escura agonia. Tempo do corpo este tempo, da fomeDo de dentro. Corpo se conhecendo, lento,Um sol de diamante alimentando …

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Desejo – Hilda Hilst

Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada. IPorque há desejo em mim, é tudo cintilância.Antes, o cotidiano era um pensar alturasBuscando Aquele Outro decantadoSurdo à minha humana ladradura.Visgo e suor, pois nunca se faziam.Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivoTomas-me o corpo. E que descanso me dásDepois das lidas. Sonhei penhascosQuando …

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XXXII – Hilda Hilst

Por que me fiz poeta?Porque tu, morte, minha irmã,No instante, no centroDe tudo o que vejo. No mais que perfeitoNo veio, no gozoColada entre eu e o outro.No fossoNo nó de um íntimo laçoNo haustoNo fogo, na minha hora fria. Me fiz poetaPorque à minha voltaNa humana ideia de um deus que não conheçoA ti, …

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Lobos? são muitos – Hilda Hilst

Mas tu podes aindaA palavra na línguaAquietá-los. Mortos? O mundo.Mas podes acordá-loSortilégio de vidaNa palavra escrita. Lúcidos? São poucos.Mas se farão milharesSe à lucidez dos poucosTe juntares. Raros? Teus preclaros amigos.E tu mesmo, raro.Se nas coisas que digoAcreditares. Hilda Hilst Autor: Hilda Hilst

Passeio – Hilda Hilst

De um exílio passado entre a montanha e a ilhaVendo o não ser da rocha e a extensão da praia.De um esperar contínuo de navios e quilhasRevendo a morte e o nascimento de umas vagas.De assim tocar as coisas minuciosa e lentaE nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.De saber o cavalo na montanha. E …

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Porque há desejo em mim – Hilda Hilst

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.Antes, o cotidiano era um pensar alturasBuscando Aquele Outro decantadoSurdo à minha humana ladradura.Visgo e suor, pois nunca se faziam.Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivoTomas-me o corpo. E que descanso me dásDepois das lidas. Sonhei penhascosQuando havia o jardim aqui ao lado.Pensei subidas onde não havia rastros.Extasiada, …

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A vida é líquida – Hilda Hilst

É crua a vida. Alça de tripa e metal.Nela despenco: pedra mórula ferida.É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.Como-a no livro da línguaTinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-meNo estreito-poucoDo meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vidaTua unha púmblea, me casaco rossoE perambulamos de coturno pela ruaRubras, góticas, altas de …

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Ama-me – Hilda Hilst

Aos amantes é lícito a voz desvanecida.Quando acordares, um só murmúrio sobre o teu ouvido:Ama-me. Alguém dentro de mim dirá: não é tempo, senhora,Recolhe tuas papoulas, teus narcisos. Não vêsQue sobre o muro dos mortos a garganta do mundoRonda escurecida? Não é tempo, senhora. Ave, moinho e ventoNum vórtice de sombra. Podes cantar de amorQuando …

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Amavisse – Hilda Hilst

Como se te perdesse, assim te quero.Como se não te visse (favas douradasSob um amarelo) assim te apreendo bruscoInamovível, e te respiro inteiro Um arco-íris de ar em águas profundas. Como se tudo o mais me permitisses,A mim me fotografo nuns portões de ferroOcres, altos, e eu mesma diluída e mínimaNo dissoluto de toda despedida. …

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Amor – Hilda Hilst

Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua de estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo. Que o olhar não se perca nas tulipas Pois formas tão perfeitas de beleza Vêm do fulgor das trevas. E o …

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