Skip to main content

Ciranda dos pássaros – Elizandra Souza

Enquanto eu dormia

Os pássaros lá fora

Dançavam ciranda

E aqui do lado de dentro

As paredes refletiam

A tinta soltando do reboco

Malcolm vigiava

Com arma em punho

Bob acendia um alívio

Tupac me seduzia

Enquanto eu dormia

Os pássaros lá fora

Dançavam ciranda

O menino-homem

ou Homem-menino

Anoiteceu doce agarrado

Nos galhos do meu corpo

Nos tempos da modernidade

Já não temos vitrola

Mas a música nunca parou

Enquanto eu dormia

Os pássaros lá fora

Dançavam ciranda

O sol entrou pela fresta

As lembranças mosaicos

Passo a passo desenhado

Na estrada que liga vida-morte

Cada dia a mais e um a menos

Na ampulheta de quem sonha

Elizandra Souza

Autor: Elizandra Souza


Ensaio sobre nós – Elizandra Souza

Nossas afinidades

Tardes de preciosidades

suco de cacau com graviola

um samba de Cartola

ele fumaça, eu incenso

ele melodia, eu silêncio

Nossas contendas

Resolvemos com oferendas

Ervas de benzedura

Mordida na cintura

Lambida no pescoço

Esquecemos do almoço

Somos estações do ano

Períodos de estiagem

Épocas de chuva

Uma manhã ele me seduz

Uma noite ele me ama

Entre maracatus e blues…

Elizandra Souza

Autor: Elizandra Souza


Revoada n’alma – Elizandra Souza

Aquela sinfonia é a mesma

revoada que tenho n’alma

sabe essa agonia de quem

não sabe para onde vai

e volta para o mesmo lugar

É como subir as escadarias

de um morro nunca visitado

você caminha pé a pé

e não sabe onde finda

Há sempre um condutor

que te leva na morada

dos desejos de uma noite

eu não dormi com ele

mas ele dormiu comigo

seu corpo brasa vulcânica

Da janela de fora

Vem a agonia dos pássaros

Eles cantam por desespero

Não sabem pra que lado vão!

E eu só quero partir…

Elizandra Souza

Autor: Elizandra Souza


Estradeira – Elizandra Souza

Hoje a poesia veio triste

Despedidas são sempre o vazio

O que não existirá mais

Essa dor que arranha a garganta

Embarga a voz

E essa liberdade das águas dos olhos

Caindo descontroladamente…

Hoje a poesia veio triste

Como a vitória regia solitária no rio

Como uma estradeira que não olha pra trás

Fecha a mala, tranca a porta

E segue em direção ao desconhecido

Engole a poeira, pisa firme nas pedras…

Não deixa saudades, não deixa Amor

Hoje a poesia veio triste

Como final de um espetáculo

Daqueles que só alguns vestígios

Permaneceram no público.

Daquelas conexões sem nenhum sentido

Histórias cruzadas por mero acaso

Não era destino, era a vida por um triz!

Elizandra Souza

Autor: Elizandra Souza


Redemoinhos – Elizandra Souza

Quem pode prender essa ventania que mora em mim?

Essa fertilidade de espalhar boas sementes

De unir elementos contraditórios dentro de si

Tempo que se fecha sem chover, poeira do meu indizível. Fogo que alastra indomável pelo caminho

Águas que recuam e voltam com intensidade

Nesta instabilidade de nascer tempestade e dissipar-se fogo

Fecha meu ponto fraco, nas espirais dos meus ventos

Movimento o meu corpo para que ele não morra

Quem pode acalmar esse redemoinho de ser mulher preta? Este racismo que me desumaniza e me torna vazio

O invisível de todos os meus passos desfeitos

Sabe quando o mar desfaz as escritas nas areias?

Sabe quando o dia vai virando noite e tudo se torna mistério? Tem dias que a loucura mescla com a solidão

E eu me vi várias vezes vagando sem destino certo…

Eu tenho medo de que não se lembrem,

nossos passos vêm de longe e precisamos prosseguir…

Elizandra Souza

Autor: Elizandra Souza