Poeta: Carlos Drummond de Andrade

É indiscutível que Carlos Drummond de Andrade foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX. Carlos Drummond, em 1921, começou a publicar textos no Diário de Minas. Ganhou um prêmio de 50 mil réis, em 1922, no concurso “Novela Mineira”. Matriculou-se, em 1923, no curso de Farmácia e em 1925 concluiu o curso. Nesse mesmo ano, iniciou “A Revista”, que se tornou um importante veículo do Modernismo Mineiro. 

Drummond lecionou Geografia e Português em Itabira. A vida no interior não lhe agradava, então voltou para Belo Horizonte e conseguiu um emprego como redator no Diário de Minas. A maior figura da “Geração de 30”, o autor da Segunda Geração Modernista, embora tenha escrito excelentes crônicas e contos, se destacou como poeta. Drummond produzia poesias com questionamentos em torno da existência humana, da inquietação social, do sentimento de estar no mundo e em suas refeições religiosas, filosóficas e amorosas. Seu estilo é permeado por observações do cotidiano, traços de ironia, pessimismo diante da vida e de bom humor. 

Drummond fazia belos “retratos existenciais” e os transformava em poemas com uma maestria inigualável. Traduziu também obras de autores como Federico Garcia Lorca, Balzac e Molière. Algumas das maiores obras de destaque do autor são: Brejo das Almas (1934), Sentimento do Mundo (1940), Poesias (1942), A Rosa do Povo (1945), Poesia até Agora (1948), Claro Enigma (1951), Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora (1953), entre outras.

Sentimento do mundo – Carlos Drummond de Andrade

Tenho apenas duas mãose o sentimento do mundo,mas estou cheio de escravos,minhas lembranças escorreme o corpo transigena confluência do amor.Quando me levantar, o céuestará morto e saqueado,eu mesmo estarei morto,morto meu desejo, mortoo pântano sem acordes.Os camaradas não disseramque havia uma guerrae era necessáriotrazer fogo e alimento.Sinto-me disperso,anterior a fronteiras,humildemente vos peçoque me perdoeis.Quando os …

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Tarde de maio – Carlos Drummond de Andrade

Como esses primitivos que carregam por toda parte omaxilar inferior de seus mortos,assim te levo comigo, tarde de maio,quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,outra chama, não perceptível, tão mais devastadora,surdamente lavrava sob meus traços cômicos,e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantese condenadas, no solo ardente, porções de minh’almanunca antes nem …

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Para sempre – Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permiteque as mães vão-se embora?Mãe não tem limite,é tempo sem hora,luz que não apagaquando sopra o ventoe chuva desaba,veludo escondidona pele enrugada,água pura, ar puro,puro pensamento.Morrer acontececom o que é breve e passasem deixar vestígio.Mãe, na sua graça,é eternidade.Por que Deus se lembra— mistério profundo —de tirá-la um dia?Fosse eu Rei do …

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Poema da necessidade – Carlos Drummond de Andrade

É preciso casar João,é preciso suportar Antônio,é preciso odiar Melquíadesé preciso substituir nós todos. É preciso salvar o país,é preciso crer em Deus,é preciso pagar as dívidas,é preciso comprar um rádio,é preciso esquecer fulana. É preciso estudar volapuque,é preciso estar sempre bêbado,é preciso ler Baudelaire,é preciso colher as floresde que rezam velhos autores. É preciso …

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Poema que aconteceu – Carlos Drummond de Andrade

Nenhum desejo neste domingo Nenhum problema nesta vida O mundo parou de repente Os homens ficaram calados Domingo sem fim nem começo. A mão que escreve este poema Não sabe o que está escrevendo Mas é possível que se soubesse Nem ligasse Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Poesia – Carlos Drummond de Andrade

Gastei uma hora pensando em um verso Que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro Inquieto, vivo. Ele está cá dentro E não quer sair. Mas a poesia deste momento Inunda minha vida inteira Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Quadrilha – Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundoque amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,que não amava ninguém.João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandesque não tinha entrado na história. Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

O Deus de cada homem – Carlos Drummond de Andrade

Quando digo “meu Deus”,afirmo a propriedade.Há mil deuses pessoaisem nichos da cidade. Quando digo “meu Deus”,crio cumplicidade.Mais fraco, sou mais fortedo que a desirmandade. Quando digo “meu Deus”,grito minha orfandade.O rei que me ofereçorouba-me a liberdade. Quando digo “meu Deus”,choro minha ansiedade.Não sei que fazer dele Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Ausência – Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei que a ausência é falta.E lastimava, ignorante, a falta.Hoje não a lastimo.Não há falta na ausência.A ausência é um estar em mim.E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,que rio e danço e invento exclamações alegres,porque a ausência, essa ausência assimilada,ninguém a rouba mais de mim. Carlos Drummond de Andrade …

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Balada do amor através das idades – Carlos Drummond de Andrade

Eu te gosto, você me gostadesde tempos imemoriais.Eu era grego, você troiana,troiana mas não Helena.Saí do cavalo de paupara matar seu irmão.Matei, brigámos, morremos. Virei soldado romano,perseguidor de cristãos.Na porta da catacumbaencontrei-te novamente.Mas quando vi você nuacaída na areia do circoe o leão que vinha vindo,dei um pulo desesperadoe o leão comeu nós dois. Depois …

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José – Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, José?e agora, você?você que é sem nome,que zomba dos outros,você que faz versos,que ama, protesta?e agora, José? Está sem mulher,está sem discurso,está sem carinho,já não pode beber,já não pode fumar,cuspir já não pode,a noite esfriou,o dia não veio,o bonde não veio,o riso não …

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Congresso internacional do medo – Carlos Drummond de Andrade

Provisoriamente não cantaremos o amor,que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,não cantaremos o ódio, porque esse não existe,existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,cantaremos o medo dos ditadores, …

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Consolo na praia – Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores.A infância está perdida.A mocidade está perdida.Mas a vida não se perdeu.O primeiro amor passou.O segundo amor passou.O terceiro amor passou.Mas o coração continua.Perdeste o melhor amigo.Não tentaste qualquer viagem.Não possuis carro, navio, terra.Mas tens um cão.Algumas palavras duras,em voz mansa, te golpearam.Nunca, nunca cicatrizam.Mas, e o humour?A injustiça não se resolve.À sombra …

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Memória – Carlos Drummond de Andrade

Amar o perdidodeixa confundidoeste coração. Nada pode o olvidocontra o sem sentidoapelo do Não. As coisas tangíveistornam-se insensíveisà palma da mão Mas as coisas findasmuito mais que lindas,essas ficarão. Carlos Drummond de Andrade Autor: Carlos Drummond de Andrade

Amar – Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?amar e esquecer, amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal,senão rodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou …

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