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O amor e a morte – Ariano Suassuna

Sobre essa estrada ilumineira e parda 
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra. 
Tua nudez na minha se desdobra 
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.

O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra. 
Ao toque do Divino, o bronze dobra, 
enquanto assolo os peitos da javarda.

Vê: um dia, a bigorna desses Paços 
cortará, no martelo de seus aços, 
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.

E a Morte, em trajos pretos e amarelos, 
brandirá, contra nós, doidos Cutelos 
e as Asas rubras dos Dragões antigos.

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


A estrada – Ariano Suassuna

No relógio do Céu, o Sol ponteiro
Sangra a Cabra no estranho céu chumboso.
A Pedra lasca o Mundo impiedoso,
A chama da Espingarda fere o Aceiro.

No carrascal do sol, azul braseiro,
Refulge o Girassol rubro e fogoso.
Como morrer na sombra do meu Pouso?
Como enfrentar as flechas desse Arqueiro?

Lá fora, o incêndio: o roxo lampadário
das Macambiras rubras e auri-pardos
Anjos-diabos e Tronos-vai queimando.

Sopra o vento – o Sertão incendiário!
Andam monstros sombrios pela Estrada
e, pela Estrada, entre esses Monstros, ando!

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


Lápide – Ariano Suassuna

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


Aqui morava um rei – Ariano Suassuna

Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


A infância – Ariano Suassuna

Sem lei nem Rei, me vi arremessado
bem menino a um Planalto pedregoso.
Cambaleando, cego, ao Sol do Acaso,
vi o mundo rugir. Tigre maldoso.

O cantar do Sertão, Rifle apontado,
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.

E veio o Sonho: e foi despedaçado!
E veio o Sangue: o marco iluminado,
a luta extraviada e a minha grei!

Tudo apontava o Sol! Fiquei embaixo,
na Cadeia que estive e em que me acho,
a Sonhar e a cantar, sem lei nem Rei!

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


Nascimento – o exílio – Ariano Suassuna

Aqui, o Corvo azul da Suspeição
Apodrece nas Frutas violetas,
E a Febre escusa, a Rosa da infecção,
Canta aos Tigres de verde e malhas pretas.

Lá, no pelo de cobre do Alazão,
O Bilro de ouro fia a Lã vermelha.
Um Pio de metal é o Gavião
E suave é o focinho das Ovelhas.

Aqui, o Lodo mancha o Gato Pardo:
A Lua esverdeada sai do Mangue
E apodrece, no medo, o Desbarato.

Lá, é fogo e limalha a Estrela esparsa:
O Sol da morte luz no sol do Sangue,
Mas cresce a Solidão e sonha a Garça.

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


A morte – o sol do terrível – Ariano Suassuna

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.

Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao som do Sino.
Verei o Jaguapardo e a luz da Tarde,
Pedra do Sonho e cetro do Divino.

Ela virá – Mulher – aflando as asas,
com o mosto da Romã, o sono, a Casa,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.

Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


A mulher e o reino – Ariano Suassuna

Ó! Romã do pomar, relva esmeralda
olhos de ouro e azul, minha Alazã!
Ária em forma de Sol, fruto de prata
meu chão, meu anel, Céu da manhã!

Ó meu sono, meu sangue, dom, coragem,
Água das pedras, rosa e belvedere!
Meu candeeiro aceso da Miragem,
Meu mito e meu poder – minha Mulher!

Diz-se que tudo passa e o Tempo duro
tudo esfarela: o Sangue há de morrer!
Mas quando a luz me diz que esse Ouro puro

se acaba por finar e corromper,
Meu sangue ferve contra a vão Razão
E pulsa seu amor na escuridão!

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna


O mundo do sertão – Ariano Suassuna

Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.

Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.

E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,

o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.

Ariano Suassuna

Autor: Ariano Suassuna