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XXXIII – ISMÁLIA – Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Publicado no livro Pastoral aos crentes do amor e da morte: livro lírico do poeta Alphonsus de Guimaraens (1923). Poema integrante da série As Canções.

In: GUIMARAENS, Alphonsus de. Obra completa. Organização de Alphonsus de Guimaraens Filho. Introdução de Eduardo Portella. Notas biográficas de João Alphonsus. Rio de Janeiro: J. Aguilar, 1960. p. 231-232. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira, 20)

Alphonsus de Guimaraens

Autor: Alphonsus de Guimaraens


A passiflora – Alphonsus de Guimaraens

XII

A Passiflora, flor da Paixão de Jesus,
Conserva em si, piedosa, os divinos Tormentos:
Tem cores roxas, tons magoados e sangrentos
Das Chagas Santas, onde o sangue é como luz.

Quantas mãos a colhê-la, e quantos seios nus
Vêm, suaves, aninhá-la em queixas e lamentos!
Ao tristonho clarão dos poentes sonolentos,
Sangram dentro da flor os emblemas da Cruz…

Nas noites brancas, quando a lua é toda círios,
O seu cálice é como entristecido altar
Onde se adora a dor dos eternos Martírios…

Dizem que então Jesus, como em tempos de outrora,
Entre as pétalas pousa, inundado de luar…
Ah! Senhor, a minha alma é como a passiflora!
– Alphonsus de Guimaraens, em “Obra completa”. [organização Alphonsus de Guimaraens Filho]. Biblioteca luso-brasileira – Série brasileira, 20. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960.

Alphonsus de Guimaraens

Autor: Alphonsus de Guimaraens


Ai dos que vivem, se não fora o sono – Alphonsus de Guimaraens

VIII

Ai dos que vivem, se não fora o sono!
O sol, brilhando em pleno espaço, cai
Em cascatas de luz; desce do trono
E beija a terra inquieta, como um pai.

E surge a primavera. O áureo patrono
Da terra é sempre o mesmo sol. Mas ai
Da primavera, se não fora o outono,
Que vem e vai, e volta, e outra vez vai.

Ao níveo luar que vaga nos outeiros
Sucedem sombras. Sempre a lua tem
A escuridão dos sonhos agoureiros.

Tudo vem, tudo vai, do mundo é a sorte…
Só a vida, que se esvai, não mais nos vem.
Mas ai da vida, se não fora a morte!
– Alphonsus de Guimaraens, em “Obra completa”. [organização Alphonsus de Guimaraens Filho]. Biblioteca luso-brasileira – Série brasileira, 20. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. (publicado originalmente no ‘Jornal do Comércio’, Juiz de Fora, 23 mar. 1919).

Alphonsus de Guimaraens

Autor: Alphonsus de Guimaraens


Árias e canções – Alphonsus de Guimaraens

IV

Ouvindo um trio de violino, violeta e violoncelo
Simbolicamente vestida de roxo
(Eram flores roxas num vestido preto)
Tão tentadora estava que um diabo coxo
Fez rugir a carne no meu esqueleto.

Toda a pureza do meu amor por ela
Se foi num sopro tombar no pó.
Os seus olhos intercederam por ela…
Mais uma vez eu vi que não me achava só.

Simbolicamente vestida de roxo
(Talvez saudade de vida mais calma)
Tão macerada estava que a asa de um mocho
Adejou agoureira pela minha Alma.

Todos os sonhos do meu amor por ela
Vieram atormentar-me sem dó.
Mas ninguém na terra intercedeu por ela…
Para divinizá-la era bastante eu só.
– Alphonsus de Guimaraens, (Dona Mística ‘1899’), em “Obra completa”. [organização Alphonsus de Guimaraens Filho]. Biblioteca luso-brasileira – Série brasileira, 20. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960.

Alphonsus de Guimaraens

Autor: Alphonsus de Guimaraens


Catedral – Alphonsus de Guimaraens

Entre brumas, ao longe, surge a aurora.
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu risonho,
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu tristonho,
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
E a catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino geme em lúgubres responsos:
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
– Alphonsus de Guimaraens, em “Obra completa”. [organização Alphonsus de Guimaraens Filho]. Biblioteca luso-brasileira – Série brasileira, 20. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960. (publicado originalmente no periódico ‘Vida de Minas’, Belo Horizonte, 30 set. 1915).

Alphonsus de Guimaraens

Autor: Alphonsus de Guimaraens


Árias e canções – Alphonsus de Guimaraens

III

A suave castelã das horas mortas
Assoma à torre do castelo. As portas,
Que o rubro ocaso em onda ensangüentara,
Brilham do luar à Luz celeste e clara.
Como em órbitas de fatais caveiras
Olhos que fossem de defuntas freiras,
Os astros morrem pelo céu pressago…
São como círios a tombar num lago.
E o céu, diante de mim, todo escurece…
E eu nem sei de cor uma só prece!
Pobre Alma, que me queres, que me queres?
São assim todas, todas as mulheres.
Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lírios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.
De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade Média, morta em sagrados delírios.
Os poentes sepulcrais do extremo desengano
Vão enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.
Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…

-– Alphonsus de Guimaraens, (Dona Mística ‘1899’), em “Obra completa”. [organização Alphonsus de Guimaraens Filho]. Biblioteca luso-brasileira – Série brasileira, 20. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960.

Alphonsus de Guimaraens

Autor: Alphonsus de Guimaraens