Abdias do Nascimento

Filho de José Ferreira do Nascimento, violonista e sapateiro de Georgina Ferreira do Nascimento, ama de leite e doceira, Abdias do Nascimento era descendente de mulheres escravizadas. Visto como um dos maiores expoentes da cultura negra, e dos direitos humanos no Brasil, foi indicado oficialmente ao Prêmio Nobel da Paz de 2010.

Durante quatro à cinco meses, quando jovem, em 1936, fez parte da Ação Integralista Brasileira (AIB), onde trabalhou como jornalista, sendo demitido no início de 1937 por se posicionar contra uma segmentação sistematicamente racista dentro do movimento. Fez parte do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e, em 1981, foi fundador do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Era o vice-presidente da legenda e foi filiado até sua morte.

Abdias Nascimento foi autor de dezenas de livros publicados tanto em português quanto em inglês. Além do Jornal Quilombo foi editor de duas revistas, Afrodiáspora e Thoth. Sua antologia intitulada Dramas para Negros e Prólogo para Brancos (1961) foi a primeira coleção teatral sobre o tema. Seu livro de poesia Axés do Sangue e da Esperança: Orikis (1983) constitui um novo momento na literatura afro-brasileira. Fora do Brasil, atuou como professor universitário, publicando uma série de livros expondo a discriminação racial e dedicando-se à pintura e pesquisa visual relacionada à cultura religiosa afro-brasileira.

O sangue e a esperança – Abdias do Nascimento

Corre o sangue nas veiasRola rola o grão das areiasSó não corre só não rola a esperançaDo negro órfão que corre e cansaCansa do eito corre das correntesCorre e cansa do bote das serpentesSó não corre só não cansa de amarO amor da Mãe – África no além–marAlém–mar das águas e da alegriaMar–além do axé […]

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Olhando no espelho – Abdias do Nascimento

(Para meus netos Samora, Alan e Henrique Alberto)Ao espelho te vejo negrinhote reconheço garoto negrovivemos a mesma infânciaa melancolia partilhada do teu profundo olharera a senha e a contra-senhaidentificando nosso destinoconfraria dos humilhadosa povoar de terna lembrançaesta minha evocação de FrancaÉramos um só olharnos papagaios empinadosao sopro fresco do entardecerNegrinho garota negravivemos a mesma infâncianos

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Oriki da Elisa – Abdias do Nascimento

Amor em Saudade    desatado    de carência física    embotadoAmor de amor pleno    tranbordante    música pungente    latejanteLateja amor as têmporas   as taclas teclam amor   agudo punhal inclemente   apunhalando a dorDor do desamor que   não é meu   nem teu   meu é o   bemquerer que não morreu   associado partilhado   na partilha do que

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Padê de Exu libertador – Abdias do Nascimento

Ó Exu ao bruxoleio das velas vejo-te comer a própria mãe vertendo o sangue negro que a teu sangue branco  enegrece ao sangue vermelho aquece nas veias humanas no corrimento menstrual à encruzilhada dos teus três sangues deposito este ebó preparado para ti Tu me ofereces? não recuso provar do teu mel cheirando meia-noite de 

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Autobiografia – Abdias do Nascimento

EITO que ressoa no meu sanguesangue do meu bisavô pinga de tua foicefoice da tua violação ainda corta o grito de minha avó LEITO de sangue negroemudecido no espanto clamor de tragédia não esquecida crime não punido nem perdoadoqueimam minhas entranhasPEITO pesado ao peso da madrugada de chumboorvalho de fel amargoorvalhando os passos de minha mãena oferta compulsória

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Evocação da rosa – Abdias do Nascimento

(Para Yemanjá – no seu décimo aniversário)Era uma vez uma rosa que não era vegetal nem rosa mineralcarecia até da cor de rosaera uma gata formosanegra amarela e brancosairrequietamente caprichosavestida de suave pêlo multicorBichana terrivelmente amorosados laços dos seus encantosnenhum gato jamais se livrou pelos telhados miava dengosasuspirava a noite inteira seduzindo namoradeiratoda a gataria aoluar da lua alcoviteiraCerto

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O agadá da transformação – Abdias do Nascimento

Em meu peito vazio de despeito Oxum fincou o seu ixésou o peixe mergulhadono canto do pássaro odidêpousado na folha da vidatrinando a ternuraque aconchega a criançaÓ peixe dourado que vais nadandoos dias e as noites da minha sorteemblema de Oxum me levandoáguas de Oxalá me lavandono banho lustral da minha morteExisto em minha natureza Orilevedado

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Autobiografia

EITO que ressoa no meu sanguesangue do meu bisavô pinga de tua foicefoice da tua violaçãoainda corta o grito de minha avó LEITO de sangue negroemudecido no espantoclamor de tragédia não esquecidacrime não punido nem perdoadoqueimam minhas entranhasPEITO pesado ao peso da madrugada de chumboorvalho de fel amargoorvalhando os passos de minha mãena oferta compulsória

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