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O sangue e a esperança – Abdias do Nascimento

Corre o sangue nas veias
Rola rola o grão das areias
Só não corre só não rola a esperança
Do negro órfão que corre e cansa
Cansa do eito corre das correntes
Corre e cansa do bote das serpentes
Só não corre só não cansa de amar
O amor da Mãe – África no além–mar
Além–mar das águas e da alegria
Mar–além do axé nativo que procria
Aqui é o mar–aquém do desamor frio
Aquém–mar do ódio do destino sombrio
Sombrio corre o sangue derramado
No mar–aquém de tanta luta devotado
Mas o sangue continua rubro a ferver
Inspirado no Orixá que nos faz crescer
Crescer na esperança do aquém e do além
Do continente e da pele de alguém
Lutar é crescer no além e no aquém
Afirmando a liberdade da raça amém
Rio de Janeiro, 14 de março de 1982
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 107.

Abdias do Nascimento

Autor: Abdias do Nascimento


Olhando no espelho – Abdias do Nascimento

(Para meus netos Samora, Alan e Henrique Alberto)
Ao espelho te vejo negrinho
te reconheço garoto negro
vivemos a mesma infância
a melancolia partilhada do teu profundo olhar
era a senha e a contra-senha
identificando nosso destino
confraria dos humilhados
a povoar de terna lembrança
esta minha evocação de Franca
Éramos um só olhar
nos papagaios empinados
ao sopro fresco do entardecer
Negrinho garota negra
vivemos a mesma infância
nos cafezais brincamos
nas jaboticabeiras trepamos
chupamos a mesma manga e melancia
Éramos uma única ansiedade
à subida multicor dos balões
pejados de nossos sonhos e ilusões
Negrinho meu irmão
como te chamavas tu?
Felisbino  Sebastião  Geraldo?
Serias menina: Rosa
Negra  Alice  Tarcíla?
Ou te chamarias Aguinaldo?
Lembro nosso emprego:
   lavar vidros
   entregar remédios
   fazer limonada purgativa
   limpar as sujeira de uma farmácia
E aquele grito em nosso ouvido:
“__ Acorda preguiçoso”! era o patrão
outra vez cochilaste reclinado ao chão
Assustados teus olhos dançaram
desgovernados pelas lágrimas
saltaste inutilmente lépide
Um dedo irrevogável
te apontou a porta de desemprego
assim regressaste
à casa que já não tinhas
na noite anterior morrera
tua pobra mãe que a mantinha
Negrinha garoto negro
sei que somos uma
prosseguimos os mesmos
ao abandono de nossa orfandade
Assim juntos e sem nome
devemos continuar nosso sonho
nosso trabalho
reinventando as nossas letras
recompondo nossos nomes próprios
tecendo os laços firmes
nos quais ao riso alegre do novo dia
enforcaremos os usurpadores de nossa infância
Para a infância negra
construiremos um mundo diferente
nutrido ao axé de Exu
   ao amor infinito de Oxum
   à compaixão de Obatalá
   à espada justiceira de Ogum
Nesse mundo não haverá
   trombadinhas
   pivetes
   pixotes
   e capitães de areia
Búfalo, 1980
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 71-73

Abdias do Nascimento

Autor: Abdias do Nascimento


Oriki da Elisa – Abdias do Nascimento

Amor em Saudade
    desatado
    de carência física
    embotado
Amor de amor pleno
    tranbordante
    música pungente
    latejante
Lateja amor as têmporas
   as taclas teclam amor
   agudo punhal inclemente
   apunhalando a dor
Dor do desamor que
   não é meu
   nem teu
   meu é o
   bemquerer que não morreu
   associado partilhado
   na partilha do que é
   meu e teu
Teu e meu na brancura do Obatalá
   no negrume de Laroiê
   nos peixes dourado
   da mamãe oxum
   oraieieu Exu saravá
Amor saudade corimba
   danço minha lágrima
   enquanto no tambor
   tua imagem crescente
   multiplica minha força
   expande meus horizontes
   transforma a vida
   num grito
   feliz na afirmação
   de um
   de dois
   de todo o humano
   em nós
Amor unijugado
   no trabalho a quatro mãos
   na luta compartilhada
   da esperança em comunhão
   ao ritmo das coisas belas
   ao gosto agreste do bom
   do belo que profetiza
   a ternura que és tu
      Elisa

Rio de Janeiro, 1 de julho de 1980
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 65-66.

Abdias do Nascimento

Autor: Abdias do Nascimento


Padê de Exu libertador – Abdias do Nascimento

Ó Exu

ao bruxoleio das velas

vejo-te comer a própria mãe

vertendo o sangue negro

que a teu sangue branco 

enegrece

ao sangue vermelho

aquece

nas veias humanas

no corrimento menstrual

à encruzilhada dos

teus três sangues

deposito este ebó

preparado para ti

Tu me ofereces?

não recuso provar do teu mel

cheirando meia-noite de 

marafo forte

sangue branco espumante 

das delgadas palmeiras

bebo em teu alguidar de prata

onde ainda frescos bóiam

o sêmen a saliva a seiva

sobre o negro sangue que circula

no âmago do ferro

e explode em ilu azul

Ó Exu-Yangui

príncipe do universo e 

último a nascer

receba estas aves e 

os bichos de patas que

trouxe para satisfazer 

tua voracidade ritual

fume destes charutos

vindos da africana Bahia

esta flauta de Pixinguinha

é para que possas chorar

chorinhos aos nossos ancestrais

espero que estas oferendas 

agradem teu coração e 

alegrem teu paladar

um coração alegre é

um estômago satisfeito e

no contentamento de ambos

está a melhor predisposição 

para o cumprimento das 

leis da retribuição

asseguradoras da

harmonia cósmica

Invocando estas leis 

imploro-te Exu

plantares na minha boca

o teu axé verbal

restituindo-me a língua

que era minha 

e ma roubaram

sopre Exu teu hálito

no fundo da minha garganta

lá onde brota o 

botão da voz para

que o botão desabroche

se abrindo na flor do

meu falar antigo

por tua força devolvido

monta-me no axé das palavras

prenhas do teu fundamento dinâmico

e cavalgarei o infinito

sobrenatural do orum

percorrerei as distâncias

do nosso aiyê feito de

terra incerta e perigosa

Fecha o meu corpo aos perigos

transporta-me nas asas da 

tua mobilidade expansiva

cresça-me à tua linhagem

de ironia preventiva

à minha indomável paixão

amadureça-me à tua 

desabusada linguagem

escandalizemos os puritanos

desmascaremos os hipócritas

filhos da puta

assim à catarse das 

impurezas culturais

exorcizaremos a domesticação

do gesto e outras

impostas a nosso povo negro

Teu punho sou

Exu-Pelintra

quando desdenhando a polícia

defendes os indefesos

vítimas dos crimes do

esquadrão da morte 

punhal traiçoeiro da 

mão branca

somos assassinados

porque nos julgam órfãos

desrespeitam nossa humanidade

ignorando que somos 

os homens negros

as mulheres negras

orgulhosos filhos e filhas do

Senhor do Orum

Olorum

Pai nosso e teu

Exu 

de quem és o fruto alado

da comunicação e da mensagem

Ó Exu

uno e onipresente

em todos nós

na tua carne retalhada

espalhada por este mundo e o outro

faça chegar ao Pai a

notícia da nossa devoção

o retrato de nossas mãos calosas

vazias da justa retribuição

transbordantes de lágrimas

diga ao Pai que nunca

no trabalho descansamos

esse contínuo fazer 

de proibido lazer

encheu o cofre dos exploradores

à mais valia do nosso suor

recebemos nossa

menos valia humana

na sociedade deles

nossos estômagos roncam de

fome e revolta nas cozinhas alheias

nas prisões

nos prostíbulos

exiba ao Pai

nossos corações

feridos de angústia

nossas costas chicoteadas

ontem

no pelourinho da escravidão

hoje 

no pelourinho da discriminação

Exu 

tu que és o senhor dos 

caminhos da libertação do teu povo

sabes daqueles que empunharam

teus ferros em brasa

contra a injustiça e a opressão

Zumbi Luiza Mahin Luiz Gama

Cosme Isidoro João Cândido

sabes que em cada coração de negro

há um quilombo pulsando

em cada barraco

outro palmares crepita

os fogos de Xangô iluminando nossa luta

atual e passada

Ofereço-te Exu

o ebó das minhas palavras

neste padê que te consagra

não eu

porém os meus e teus

irmãos e irmãs em

Olorum

nosso Pai

que está 

no Orum

Laroiê!

Búfalo, 2 de fevereiro de 1981

– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 31-36.

Abdias do Nascimento

Autor: Abdias do Nascimento


Autobiografia – Abdias do Nascimento


EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação 
ainda corta o grito de minha avó

LEITO de sangue negro
emudecido no espanto 
clamor de tragédia não esquecida 
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas
PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito
PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra… escudo… dólar… mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu
CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento
PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito
Buffalo, 25 de janeiro de 1979
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 47-48.

Abdias do Nascimento

Autor: Abdias do Nascimento


Evocação da rosa – Abdias do Nascimento

(Para Yemanjá – no seu décimo aniversário)
Era uma vez uma rosa 
que não era vegetal 
nem rosa mineral
carecia até da cor de rosa
era uma gata formosa
negra amarela e brancosa
irrequietamente caprichosa
vestida de suave pêlo multicor
Bichana terrivelmente amorosa
dos laços dos seus encantos
nenhum gato jamais se livrou 
pelos telhados miava dengosa
suspirava a noite inteira 
seduzindo namoradeira
toda a gataria ao
luar da lua alcoviteira
Certo dia Rosa pariu 
uma ninhada de gatinhos 
de várias cores engraçadinhos
os mais lindos eram os pretinhos 
mamavam de patinhas entrelaçadas
ronronando de olhos cerrados
boquinhas rosadas coladas
às rosadas tetas de Rosa
Num desses momentos
um gatão assassino
pêlo sujo debotado
miando feio saltou felino
matando gatinho por todo lado
A mãe valente e briosa
socorri de porrete na mão 
ajudei a defesa de Rosa
esbordoando estridente 
perseguindo o ladrão
ele fugiu espavorido
um gatinho levando nos dentes
outros sangravam na agonia
Rosa fuzilava os olhos dementes
miando plangente a dor que lhe doía
noites a fio seu gemer se ouvia
ó doce e carinhosa Rosa
era de cortar o coração 
ver-te enlouquecida 
recusar enfurecida
aquela felina traição
ir definhando entristecida
até a completa inanição
Rosa cheirosa e macia
que ao morrer no
meu jardim plantei
sob a terra desapareceu
aos cuidados da minha
pobre primavera de 
uma gata demente e morta
a rosa-gata enternecida
em rosa-flor floresceu
foram ambas a 
única rosa que 
a infância me deu

Buffalo, 30 de janeiro de 1981
(antecipando o 15 de setembro de 1981)
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 55, 56 e 57.

Abdias do Nascimento

Autor: Abdias do Nascimento


O agadá da transformação – Abdias do Nascimento

Em meu peito vazio de despeito 
Oxum fincou o seu ixé
sou o peixe mergulhado
no canto do pássaro odidê
pousado na folha da vida
trinando a ternura
que aconchega a criança
Ó peixe dourado que vais nadando
os dias e as noites da minha sorte
emblema de Oxum me levando
águas de Oxalá me lavando
no banho lustral da minha morte
Existo em minha natureza Ori
levedado pelos Orixás
embora o costado dos ancestrais
clame
a costa dos escravos
proclame
o cravo cravado no lombo
me tombando no tombo
da contra-costa rebelada do meu axé
inflamando na chaga do congo
a chama incendiária do quilombo
A senha dos atabaques devolve
no ricochete do tan-tan
as mentiras brancas ventiladas
aos ventos das humilhações tragadas
basta ouvir o som grave do rum
o repicar do rumpi
o picar agudo do lé
e as irmãs negras portadoras do sofrimento
os homens moldados nos crepes ancestrais
em uníssono clamor
de convulsivo furor
desde a degradação e o opróbio
desfraldam a bandeira
úmida do sangue negro derramado
no combate vermelho sempre continuado
pela integridade verde da herança nativa poluída
Somos a semente noturna do ritmo
a consciência amarga da dor
florescida aos toques anunciadores
da perenidade das coisas vivas
à batida dos tambores
aquele marcado por tánatos
emerge do seu vale sombrio de inércia
nas veias insuflado
em lugar da letargia cancerosa
a pulsação vital cadenciada
à harmonia do tambor
à alegria do sangue
ao rancor justiceiro da metralha
Ouçamos o pipocar do couro retesado
(ó agadá da transformação)
rompendo a couraça do insensível mundo
branco
na sola dos pés sangrentos
temos dançando
o madrigal da escravidão
o minueto do tráfico
o fado do racismo
agora na pele flamejante dos tambores
dancem eles o nosso baticum de guerra
até despontar aquela aurora
de dançar o afoxé da nossa batalha final vitoriosa
Entre núvens rubras
palpita no meu peito o ixé de Oxum
às batidas do rum
sigo os labirintos da minha alma
axé rum
ruminador do silêncio
sobre nós imposto
rum
rumpi

levando nas asas do ouvido
os raios do nosso sol
brilhante e jamais posto

rum
rumpi
rompedor do cerco
dos abutres alvacentos
corvejando sob o céu desolado
de nossa diáspora compulsória
Empunho o agadá
obrigação a Ogum e Ifá
não é tempo de reclamar
nem tempo de chorar
tempo é de afirmar nosso ser
sem mendigar nosso direito ao poder
tempo é de batalhar
a guerra secular
ao invés de lamentar
ou implorar
invés de só gritar
lutar
invés de vegetar e conformar
lutar
invés de evadir e sonhar
lutar
semear a luta com decisão
ampliá-la com ardor e paixão
sem temer a incompreensão
do inimigo ou do irmão
desdenhar o elogio e o louvor
a este mero ato de fraterno amor
olhar para além do egoísmo
e da glória
abrochar no coração o ixé da bravura
certos de que à vitória
pouco significa nossa vida
e nada importa a sepultura
Tempo de viver
(ensina Ajacá)
é tempo de morrer
uns já estão mortos
vivendo
nós estaremos vivos
morrendo
Morrer enquanto cintila no meu peito
o ixé áureo de Oxum
enquanto caminho a ancestralidade da minha
terra
nas pegadas temerárias de Ogum
ao fio do agadá
transformo a queixa muda das irmãs negras
neste canto marcial de esperança
de cada soluço teu
irmão
faço uma bala de fuzil
impeço que a bondade amoleça tua revolta
e tua dança perca o embalo da trincheira
tornando tua coreografia
grávida de símbolos
em vil moeda de espetáculo mercantil
Vem do fundo escuro do tambor
esse aflito olhar magoado
(não vencido apenas derrotado)
das irmãs e irmãos em África
fixo olhar pungente
absorvendo a beleza vital do meu corpo
incrustação do ixé
projeção amorosa de Oxum
em minha origem plantado
por desígnio paterno de Olorum
o olhar a devolvendo
à intensidade e pungência
da antiga luta comum
processada à regência
do agadá transformador
e do nosso cálido
recíproco
e solidário amor
Ogunhiê! 

Salvador (Bahia), 14 de janeiro de 1982 
(Dia da lavagem do Senhor do Bonfim)
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 109-133.

Abdias do Nascimento

Autor: Abdias do Nascimento


Autobiografia

EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação
ainda corta o grito de minha avó

LEITO de sangue negro
emudecido no espanto
clamor de tragédia não esquecida
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas
PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito
PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra… escudo… dólar… mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu
CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento
PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito
Buffalo, 25 de janeiro de 1979
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 47-48.

EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação
ainda corta o grito de minha avó

LEITO de sangue negro
emudecido no espanto
clamor de tragédia não esquecida
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas
PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito
PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra… escudo… dólar… mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu
CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento
PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito
Buffalo, 25 de janeiro de 1979
– Abdias do Nascimento, em “Axés do sangue e da esperança: Orikis”. Rio de Janeiro: Achiamé; RioArte, 1983, p. 47-48.

Autor: Abdias do Nascimento