Autor: Adalgisa Nery
Moram em mim
Fundos de mares, estrelas-d′alva,
Ilhas, esqueletos de animais,
Nuvens que não couberam no céu,
Razões mortas, perdões, condenações,
Gestos de amparo incompleto,
O desejo do meu sexo
E a vontade de atingir a perfeição.
Adolescências cortadas, velhices demoradas,
Os braços de Abel e as pernas de Caim.
Sinto que não moro.
Sou morada pelas coisas como a terra das sepulturas
É habitada pelos corpos.
Moram em mim
Gerações, alegrias em embrião,
Vagos pensamentos de perdão.
Como na terra das sepulturas
Mora em mim o fruto podre,
Que a semente fecunda repetindo a vida
No sereno ritmo da Origem. Vida e morte,
Terra e céu, Podridão, germinação,
Destruição e criação.
– Adalgisa Nery, in: Poemas, 1937.