Autor: Adalgisa Nery
Ânsia de paz de noites desertas,
Desejo de sentir o tranquilo positivo
Nas intenções indevassáveis,
Na voz acima de todos os sons,
Acima do estrondo universal da bomba fratricida.
Ânsia de repouso final
No exaspero de mãos unidas pelo medo,
Pânicos imprevistos
Calando todos os instantes, todas as idades,
Chorando o nosso jamais.
Olhos outrora amigos
Impercebem em pastoso sangue.
Que gerações sofridas surgirão
Na espessa aflição de tão grandes mares
De ódio, ambição, vingança
Agora vêm dos ossos à procura do sexo,
Fúria de possessão inexplicável
Invade o campo de alheias propriedades
Lavradas no crime
E plantadas por tiranas mãos,
Heróis do século repetindo o que os outros foram.
Energias, vidas, mocidades
Flutuando sem rumo nas glórias e nas medalhas
Da nação em queda vertical solo abaixo
Cérebros falidos comandando existências em floração,
Numerando interminável esteira
De vassalos de línguas arrancadas.
Braços sem dono, ventres desapropriados,
Espíritos transformados em detritos pestilentos
Alimentam o tétrico destino
Da técnica contra o homem.
As estradas já não pertencem aos pés mansos,
O veio da riqueza, em mãos feudais.
No paralelo de horizonte sombrio
Levanta-se o vulcão que derrubará presídios e asilos
Para criar o grande rio de mortos putrefatos.
Não haverá tropas guerreiras contra ninguém
Apenas climas não sentidos dentro de atmosferas mortas
Desprezadas pelo vento livre.
E no âmago do âmago
O pranto medroso da futura criança
Presa ao ventre da terra,
E a revolta do jovem mudo,
São figuras oscilando nas trevas da Criação.
No profundo dos tempos
A ordem técnica recua medrosa,
Ouve o grito severo
Trazido pelo ar que balançou os corpos enforcados.
No fim, o estupro de cada homem
Violentado pela técnica
Dos inventos de guerra.
Em torno de todas as mortes
A vida, em minúsculas centelhas,
Forçará as trevas
Que cobrem o homem eternamente insepulto.
– Adalgisa Nery, in: Erosão, 1973.
Adalgisa Nery