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Coração de violeiro

Naquela tapera velha que o tempo já destroçou
Morou Zé Dunga, um pretinho, valente trabalhador
Foi o maior violeiro que Deus no mundo botou
Sua viola parecia um passarinho cantador

Trabalhava o dia inteiro, feliz sem se lastimar
Mas quando a Lua formosa no céu pegava a briar
Toda gente arrudiava pra ver o preto cantar
Sua viola de pinho fazia as pedra chorar

Acontece que a Carolina, cabocla, esprito de cão
Bonita como a sereia, mas que muié tentação
Pra judiar do pretinho, fingiu lhe ter afeição
Querendo, que nem criança, brincar com seu coração

Coração de violeiro não é como outro qualquer
É frágil que nem as pétalas de um mimoso mal-me-quer
Que cai com o vento das asas do beija-flor do Tié
Perde a vida quando abelha vem pra lhe roubar o mel

Por isso, o pobre Zé Dunga, magoado pela traição
Não podendo mais guentar no peito a grande paixão
Agarrado na viola e debruçado no chão
Foi encontrado com um punhal cravado no coração

Vide vida marvada

Corre um boato aqui donde eu moro
Que as mágoas que eu choro são mal ponteadas
Que no capim mascado do meu boi
A baba sempre foi santa e purificada
Diz que eu rumino desde menininho
Fraco e mirradinho a ração da estrada
Vou mastigando o mundo e ruminando
E assim vou tocando essa vida marvada

É que a viola fala alto no meu peito humano
E toda moda é um remédio pros meus desenganos
É que a viola fala alto no meu peito, humano
E toda mágoa é um mistério fora deste plano
Pra todo aquele que só fala que eu não sei viver
Chega lá em casa pruma visitinha
Que no verso ou no reverso da vida inteirinha
Há de encontrar-me num cateretê

Tem um ditado tido como certo
Que cavalo esperto não espanta a boiada
E quem refuga o mundo resmungando
Passará berrando essa vida marvada
Cumpadi meu que envelheceu cantando
Diz que ruminando dá pra ser feliz
Por isso eu vaqueio ponteando
E assim procurando minha flor-de-lis