Skip to main content

É tudo pra ontem

Talvez seja bom partir do final
Afinal, é um ano todo só de sexta-feira treze
Cê também podia me ligar de vez em quando
Eu ando igual lagarta, triste, sem poder sair

Aqui o mantra que nos traz o centro
Enquanto lavo um banheiro, uma louça, querendo lavar a alma
Na calma da semente que germina
Que eu preciso olhar minhas menina

A folha amarela, igual comida, envelhece
É a vida, acontece com pessoa e documento
É tão triste ter que vir, coisa ruim pra nos unir
E nem assim agora, mano, vamo embora a tempo

Viver é partir, voltar e repartir (é isso)
Partir, voltar e repartir (é tudo pra ontem)
Viver é partir, voltar e repartir
Partir, voltar e repartir

Vi árvores a derramar suas flores pra ninguém
Tô zen no meu momento, Coltrane anti-jazz
Crianças têm o céu no alcance das mãos
Irmão, será que há tempo de poder ser mais?

Eu sei, caramba, nem estrelas são iguais
Tem mais, vitória agora é uma fresta de sol
No fim das conta, Tetsuo é quem tinha razão
Então todas areias da ampulheta, vão

E as fotos amarelam, como os dentes
As plantas, a gente, a chama, a febre intermitente
Vazia estrada, cheia a caixa de entrada
E, de repente, uma luz quadrada quente, diz que

Viver é partir, voltar e repartir
Partir, voltar e repartir
Viver é partir, voltar e repartir
Partir, voltar e repartir

O Criador deixou a humanidade aqui na Terra
E foi pra algum outro lugar do cosmos
Um dia, ele se lembrou de nós e disse
Ah, eu deixei minhas criaturas lá na Terra
Preciso ver o que elas se tornaram

Mas, enquanto fazia esse movimento incrível de vir até aqui nos ver, ele pensou
E se eles tiverem se tornado algo pior do que eu posso conceber?
O melhor seria não ter um encontro pessoal com eles
Vou fazer o seguinte, vou me transformar em uma outra criatura
Para ver as minhas criaturas

Ele se transformou num tamanduá e saiu pela campina
Em certo momento, um grupo de caçadores, munidos de bordunas e laços
Se encostaram numa paisagem, avançaram sobre ele, o prenderam
E levaram pro acampamento com a intenção óbvia de comê-lo

Duas crianças gêmeas, que observavam a cena
Evitaram que ele fosse levado para a fogueira
Ele então se revelou para os meninos
Que antes que os adultos descobrissem, acobertaram a sua fuga
Do lado de uma colina, os meninos gritaram
Avô, avô, que você achou da gente, das suas criaturas?
E Deus respondeu: Mais ou menos!

Viver é partir, voltar e repartir (morte é quando a tragédia vira um costume)
Partir, voltar e repartir (pra diferença da qual ninguém tá imune)
Viver é partir, voltar e repartir (mas ouça de alguém que nasceu num tapume)
Partir, voltar e repartir (é só na escuridão que se percebe os vagalumes)

Viver é partir, voltar e repartir
Partir, voltar e repartir
Viver é partir, voltar e repartir
Partir, voltar e repartir

Viver é partir, voltar e repartir
Viver é partir, voltar e repartir
Viver é partir, voltar e repartir
Partir, voltar e repartir

Principia

[Pastoras do Rosário]
Lá-ia, lá-ia, lá-ia
Lá-ia, lá-ia, lá-ia
Lá-ia, lá-ia, lá-ia
Lá-ia, lá-ia, lá-ia

[Emicida]
Com o cheiro doce da arruda
Penso em buda, calmo
Tenso, busco uma ajuda
Às vezes me vem um salmo
Tira a visão que iluda, é tipo um oftalmo
E eu, que vejo além de um palmo
Por mim, tu, Ubuntu, algo almo
Se for pra crer no terreno
Só no que nóis tá vendo memo
Resumo do plano é baixo, pequeno
Mundano, sujo, inferno e veneno
Frio, inverno e sereno
Repressão e regressão
É um luxo ter calma, a vida escalda
Tento ler almas pra além de pressão
Nações em declive na mão desse Barrabás
Onde o milagre jaz
Só prova a urgência de livros
Perante o estrago que um sabre faz
Imersos em dívidas ávidas
Sem noção do que são dádivas
No tempo onde a única que ainda corre livre aqui são nossas lágrimas
E eu voltei pra matar, tipo infarto
Depois fazer renascer, estilo um parto
Eu me refaço, farto, descarto
De pé no chão, homem comum
Se a bênção vem a mim, reparto
Invado cela, sala, quarto
Rodei o globo, hoje tô certo de que
Todo mundo é um

[Emicida e Pastoras do Rosário]
Tudo, tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis
Tudo, tudo, tudo que nóis tem é
Tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis
Tudo, tudo, tudo que nóis tem é
Tudo, tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis
Tudo, tudo, tudo que nóis tem é
Tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis
Tudo, tudo, tudo que nóis tem é

[Emicida]
Cale o cansaço, refaça o laço
Ofereça um abraço quente
A música é só uma semente
Um sorriso ainda é a única língua que todos entende
Cale o cansaço, refaça o laço
Ofereça um abraço quente
A música é só uma semente
Um sorriso ainda é a única língua que todos entende
(Tio, gente é pra ser gentil)

Tipo um girassol, meu olho busca o Sol
Mano, crer que o ódio é a solução
É ser sommelier de anzol
Barco à deriva, sem farol
Nem sinal de aurora boreal
Minha voz corta a noite igual um rouxinol
Meu foco de pôr o amor no hall

[Fabiana Cozza]
Tudo que bate é tambor
Todo tambor vem de lá
Se o coração é o senhor, tudo é África
Pus em prática
Essa tática
Matemática, falou?
Enquanto a terra não for livre, eu também não sou
Enquanto ancestral de quem tá por vir, eu vou
Cantar com as menina enquanto germina o amor
É empírico, meio onírico, meio Kiriku, meu espírito
Quer que eu tire de tu a dor

[Emicida]
É mil volts a descarga de tanta luta
Adaga que rasga com força bruta
Deus, por que a vida é tão amarga
Na terra que é casa da cana de açúcar?
E essa sobrecarga frustra o gueto
Embarga e assusta ser suspeito
Recarga que pus, é que igual Jesus
No caminho da luz, todo mundo é preto
Ame, pois

Simbora que o tempo é rei
Vive agora, não há depois
Ser tempo da paz, como um cais que vigora nos maus lençóis
É um-dois, um-dois, não julgue o playboy
Como monge sois, fonte como sóis
No front sem bois, forte como nós
Lembra: A rua é nóis

[Emicida e Pastoras do Rosário]
(Tudo, tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis)
Tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis
(Tudo, tudo, tudo que nóis tem é)
Tudo, tudo, absolutamente tudo
(Tudo, tudo, tudo que nóis tem é nóis)
Tudo que nóis tem é isso, uns aos outros
(Tudo, tudo, tudo que nóis tem é)
Tudo que nóis tem é uns aos outros, tudo

[Pastor Henrique Vieira]
Vejo a vida passar num instante
Será tempo o bastante que tenho pra viver?
Não sei, não posso saber
Quem segura o dia de amanhã na mão?
Não há quem possa acrescentar um milímetro a cada estação
Então, será tudo em vão? Banal? Sem razão?
Seria, sim, seria se não fosse o amor
O amor cuida com carinho, respira o outro, cria o elo
No vínculo de todas as cores, dizem que o amor é amarelo
É certo na incerteza
Socorro no meio da correnteza
Tão simples como um grão de areia
Confunde os poderosos a cada momento
Amor é decisão, atitude
Muito mais que sentimento
Alento, fogueira, amanhecer
O amor perdoa o imperdoável
Resgata dignidade do ser
É espiritual
Tão carnal quanto angelical
Não tá no dogma, ou preso numa religião
É tão antigo quanto a eternidade
Amor é espiritualidade
Latente, potente, preto, poesia
Um ombro na noite quieta
Um colo para começar o dia
Filho, abrace sua mãe
Pai, perdoe seu filho
Pais é reparação, fruto de paz
Paz não se constrói com tiro
Mas eu o miro, de frente, na minha fragilidade
Eu não tenho a bolha da proteção
Queria guardar tudo que amo
No castelo da minha imaginação
Mas eu vejo a vida passar num instante
Será tempo o bastante que tenho para viver?
Eu não sei, eu não posso saber
Mas enquanto houver amor
Eu mudarei o curso da vida
Farei um altar para comunhão
Nele eu serei um com o mundo
Até ver o ubuntu da emancipação
Porque eu descobri o segredo que me faz humano
Já não está mais perdido o elo
O amor é o segredo de tudo
E eu pinto tudo em amarelo