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A uma dama transitória

Deixa a cabeça em meu peito

enquanto o sol agoniza

longe na tarde dourada

ouço te a voz despelada

antiga forte indivisa

tempo e fortuna passaram

passaram sede e saudade

deixa a cabeça em meu peito

que teu cabelo desfeito

canta a vida e a brevidade

um dia terei passado

e tu passarás também

mas antes um outro peito

talvez sem tanto proveito

guarde o que o meu hoje tem

que seja pois vida é fruto

morte sol, solo e suspeitas

e eu te quero como a vida

doce cruel sem medida

na sua gloria imperfeita

Despejo na favela

Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E, contra seu desejo
Entregou pra seu narciso
Um aviso, uma ordem de despejo

— Assinada, seu doutor
Assim dizia a ‘pedição’
“Dentro de dez dias
Quero a favela vazia
E os barracos todos no chão”

— É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior

— Não tem nada não, seu doutor
Não tem nada não
Amanhã mesmo vou deixar meu barracão
Não tem nada não, seu doutor
Vou sair daqui
Pra não ouvir o ronco do trator

— Pra mim não tem ‘probrema’
Em qualquer canto eu me arrumo
De qualquer jeito eu me ajeito
Depois, o que eu tenho é tão pouco
Minha mudança é tão pequena
Que cabe no bolso de trás

…Mas essa gente aí, hein?
Como é que faz?
Mas essa gente aí, hein?
Com’é que faz?
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
Essa gente aí
Como é que faz?
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
Essa gente aí, hein?!
Como é que faz?