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Talento e formosura

Tu podes bem guardar os dons da formosura
Que o tempo, um dia, há de implacável trucidar
Tu podes bem viver ufana da ventura
Que a natureza, cegamente, quis te dar

Prossegue embora em flóreas sendas sempre ovante
De glórias cheia no teu sólio triunfante
Que antes que a morte vibre em ti funéreo golpe seu
A natureza irá roubando o que te deu

E quanto a mim, irei cantando o meu ideal de amor
Que é sempre novo no viçor da primavera
Na lira austera em que o Senhor me fez tão destro
Será meu estro só do que for imortal

Terei mais glória em conquistar com sentimento
Pensantes almas de valor e alto saber
E com amor e com pujança de talento
Fazer um bargo ternas lágrimas verter

Isto é mais nobre é mais sublime e edificante
Do que vencer um coração ignorante
Porque a beleza é só matéria e nada mais traduz
Mas o talento é só o espirito e só luz

Descantarei na minha lira as obras-primas do Criador
Uma color da flor desabrochando à luz do luar
O incenso d’água que nos olhos faz a mágoa rutilar
Uns olhos onde o amor tem seu altar

E o verde mar que se debruça n’alva areia a espumejar
E a noite que soluça e faz a lua soluçar
E a estrela d’alva e a estrela Vésper languescente
Bastam somente para os bardos inspirar

Mas quando a morte conduzir-te à sepultura
O teu supremo orgulho em pó reduzirá
E após a morte profanar-te a formosura
Dos teus encantos mais ninguém se lembrará

Mas quando Deus fechar meus olhos sonhadores
Serei lembrado pelos bardos trovadores
Que os versos meus hão de na lira em magos tons gemer
E eu, morto embora, nas canções hei de viver

Ontem ao luar (Choro e Poesia)

Ontem ao luar
Nós dois em plena solidão
Tu me perguntaste
O que era dor de uma paixão
Nada respondi
Calmo assim fiquei
Mas fitando azul do azul do céu
A lua azul e te mostrei
Mostrando a ti dos olhos meus correr senti
Uma nívea lágrima e assim te respondi
Fiquei a sorrir por ter o prazer de ver a lágrima nos olhos a sofrer
A dor da paixão não tem explicação
Como definir o que só sei sentir
É mister sofrer para se saber
O que no peito o coração não quer dizer
Pergunto ao luar travesso e tão taful
De noite a chorar na onda toda azul
Pergunto ao luar do mar a canção
Qual o mistério que há na dor de uma paixão
Se tu desejas saber o que é o amor
Sentir o seu calor
O amaríssimo travor do seu dulçor
Sobe o monte a beira mar ao luar
Ouve a onda sobre a areia lacrimar
Ouve o silêncio a falar da solidão
De um calado coração
A penar a derramar os prantos seus
Ouve o choro perenal a dor silente universal
E a dor maior que a dor de deus
Se tu queres mais
Saber a fonte dos meus ais
Põe o ouvido aqui na rósea flor do coração
Ouve a inquietação da merencória pulsação
Busca saber qual a razão
Porque ele vive assim tão triste a supirar
A palpitar em desesperação
Na queima de amar um insensível coração
Que a ninguém dirá no peito ingrato em que ele está
Mas que ao sepulcro fatalmente o levará

Cabôca de Caxangá

Laurindo punga, chico dunga, zé vicente
Essa gente tão valente do sertão de jatobá
E o danado do afamado zeca lima
Tudo chora numa prima e tudo quer te traquejá

Cabôca di caxangá (bis)
Minha cabôca venha cá. (bis)

Queria ver se essa gente também sente
Tanto amor como eu senti
Quando eu te vi em cariri
Atravessava um regato no patau
E escutava lá no mato
O canto triste do urutau.

Cabôca, demônio mau, (bis)
Sou triste como o urutau. (bis)

Vem cá, cabôca, vem cá (bis)
Rainha di caxangá (bis)

Há muito tempo lá nas moita
Da taquara junto ao monte das coivara
Eu não te vejo tu passar
Todo os dia até a boca da noite
Eu te canto uma toada
Lá de baixo do indaiá.

Vem cá, cabôca, vem cá (bis)
Rainha di caxangá (bis)

Da noite santa do natal na encruzilhada
Eu te esperei e descansei
Até o romper da manhã
Quando eu saia do arraiá o sol nascia
E lá na mata já se ouvia
Pipiando a jaçanã.

Cabôca, fro manhã
Som triste de acauã (bis)
Cabôca de caxangá (bis)
Minha cabôca, vem cá (bis)

Flor amorosa

Flor amorosa, compassiva, sensitiva, vem porque
É uma rosa orgulhosa, presunçosa, tão vaidosa
Pois olha a rosa tem prazer em ser beijada, é flor, é flor
Oh, dei-te um beijo, mas perdoa, foi à toa, meu amor
Em uma taça perfumada de coral

Um beijo dar não vejo mal
É um sinal de que por ti me apaixonei

Talvez em sonhos foi que te beijei
Se tu pudesses extirpar dos lábios meus
Um beijo teu tira-o por Deus
Vê se me arrancas esse odor de resedá

Sangra-me a boca, é um favor, vem cá
Não deves mais fazer questão
Já perdi, queres mais, toma o coração
Ah, tem dó dos meus ais, perdão
Sim ou não, sim ou não
Olha que eu estou ajoelhado

A te beijar, a te oscular os pés

Sob os teus, sob os teus olhos tão cruéis
Se tu não me quiseres perdoar
Beijo algum em mais ninguém eu hei de dar
Se ontem beijavas um jasmim do teu jardim

A mim, a mim
Oh, por que juras mil torturas
Mil agruras, por que juras?
Meu coração delito algum por te beijar não vê, não vê
Só por um beijo, um gracejo, tanto pejo
Mas por quê?

Cabôca bunita

Quando tu passa nus mato, meu bem
Cantando pulos caminho
Vai seguindo atrás de ti, meu bem
Um bando di passarinho

Ai, caboca bunita
Mi da um beijinho!

Quando tu inda vem de longe, meu bem
Eu já di longe adivinho
Eu sinto istremecê, meu bem
As corda desse meu pinho

Ai, caboca facera
Mi dá um beijinho!

Quando tu samba nus samba, meu bem
Parece um beija-frozinho
Qui avoa di frô in frô, meu bem
Cumo a percura di um ninho

Ai, caboca dengosa
Mi dá um beijinho!

Ao luar

Vê que amenidade
Que serenidade
Tem a noite em meio
Quando em brando enleio
Vem lenir o seio
De algum trovador!
O luar albente
Que do bardo a mente
No silêncio exalta
Chora tua falta
Rutilante estrela
De eteral candor

Vem meu anjo agora
Recordar nest’hora
Nosso amor fanado
Quando eu a teu lado
Mais que aventurado
Por te amar vivi!
Quero a fronte tua
Ver à luz da lua
Resplendente e bela
Descerra a janela
Que eu não durmo as noites
Só pensando em ti!

Terna saudade (por um beijo)

Ó ri, meu doce amor,

Sorri lágrimas de flor
Teu sorriso inspira

A lira que afinei por teu falar
E quer de amor vibrar

Ao sol de teu olhar
Ri meu doce amor

Sorri, pérola da flor
Abre em teu lábio um sorriso

Onde um coração diviso,
De algum anjo que desceu do azul.

Num teu sorriso

Luz de poesia
Vem dar a melodia

E musicar os versos meus
Que eu mostrarei a Deus,

Como eu te amo,
Alma dileta

E sem eu ser poeta
Irei fazer o eterno

Te aclamar nos céus.

Irei estrelas lá no céu roubar

Trarei da lua, um raio de luar
Depois dos céus eu descerei ao mar

E a pérola mais bela irei buscar
Sem recear as iras do Senhor, irei,

Roubar os cofres do Senhor
Trarei a essência do divino amor

Se tu, velada no mais vasto véu,
Concederes-me a vitória

A suprema gloria,

De um só beijo teu !