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Estórias de João-joana 1a parteE

Meu irmão o sucedido
Em Lages do Caldeirão
É caso de muito ensino
Merecedor de atenção
Por isso é que me apresento
Fazendo esta relação

Vivia em dito arraial
No país das Alagoas
Um rapaz chamado João
Cuja força era das boas
Pra sujigar burro bravo
Tigres onças e leoas

João, lhe deram este nome
Não foi de letra em cartório
Pois sua mãe e seu pai
Viviam de peditório
Gente assim do miserê
Nunca soube o que é casório.

Ficou sendo João pois esse
É nome de qualquer um
Não carece escogitar
Pedir a doutor nenhum
Que a sentença vem do céu
Não de lá do Barzabum

De pequeno ficou órfão
Criado por seus dois manos
Foi logo para o trabalho
Com muitos outros fulanos
O seu muque sem mentira
Era o de três muçulmanos

Na enxada quem que vencia
Aquele tico de gente
No boteco se ele entrava
Pra bochechar aguardente
O saudavam com respeito
– Deus lhe salve meu parente

João moço não enjeitava
Parada com sertanejo
Podiam brincar com ele
Sem carregar no gracejo
Dizia que homem covarde
Não é cabra é percevejo

Num dia de calor desses
Que tacam fogo no agreste
João suava que suava
Sem despir a sua veste,
– Companheiro esta camisa
Não é coisa que moleste?

Lhe perguntou um amigo
Que estava de peito nu
E João se calado estava
Nem deu pio de nambu
Ninguém nunca viu seu pelo
Nem por traz do murundu.

João era muito avexado
Na hora de tomar banho
Punha tranca no barraco
Fugindo a qualquer estranho
Em Lages nenhum varão
Tinha recato tamanho.

João nas últimas semanas
Entrou a sofrer de inchaço
Mesmo assim arranca toco
Sem se carpir de cansaço
Um dia não guenta mais
E exclama: o que é que eu faço

Os manos vendo naquilo
Coisa mei desimportante
Logo receitam de araque
Meizinha sem variante
Para qualquer macacoa
Carece tomar purgante

João entrou no purgativo
Louco de dor e de medo
Se estorcendo e contorcendo
Na solidão do arvoredo
Pois ele em sua aflição
Lá se escondera bem cedo

O gemido que exalava
Do peito de João sozinho
Alertou os seus dois manos
Que foram ver de mansinho
Como é que aquele bravo
Se tornara tão fraquinho

No chão de terra essa terra
Que a todos nós vai comer
Chorava uma criancinha
Acabada de nascer
E João de peito desnudo
Acarinhava este ser

Aquela cena imprevista
Causou a maior surpresa
O que tanto se ocultara
Se mostrava sem defesa
João deixara de ser João
Por força da natureza

A mulher surgia nele
Ao mesmo tempo que o filho
Tal qual se brotassem junto
A espiga com o pé de milho
Ou como bala que estoura
Sem se puxar o gatilho.

Se os manos levaram susto
Até eu que apenas conto
E o povo todo assuntando
A história ponto por ponto
Ficou em breve inteirado
Do que aí vai sem desconto.

Nem menino nem menina
Era João quando nasceu
Sua mãe sem saber ao certo
O nome de João lhe deu
Dizendo – vai vestir calça
E não saia que nem eu

À proporção que crescia
Feito animal na campina
Em João foi-se acentuando
A condição feminina
Mas ele jamais quis ser
Tratado feito menina

Pois nesse triste povoado
E cem léguas ao redor
Ser homem não é vantagem
Mas ser mulher é pior
Quem vê claro já conclui:
De dois males o menor.

Homem é grão de poeira
Na estrada sem horizonte.
Mulher nem chega a ser isso
E tem de baixar a fronte
Ante as ruindades da vida
De altura maior que um monte

A sorte se presenteia
A todos doença e fome
Para as mulheres capricha
Num privilégio sem nome
Colhe miséria maior
E diz à coitada – tome.

É forma de escravidão
A infinita pobreza
Mas duas vezes escrava
É a mulher com certeza
Pois escrava de um escravo
Pode haver maior dureza?

Por isso aquela mocinha
Fez tudo para iludir
Aos outros e ao seu destino
Mas rola não é tapir
E chega lá um momento
Da natureza explodir.

João vira Joana, acontecem
Dessas coisas sem preceito
No seu colo está Joãozinho
Mamando leite de peito
Pelo menos este aqui
De ser homem tem direito.

De ser homem de escolher
O seu próprio sofrimento
E de escrever com peixeira
A lei do seu mandamento
Quando, à falta de outra lei
Ou eu fujo ou arrebento

Joana desiste de tudo
Que ganhara por mentira
Sabe que agora lhe resta
Apenas do saco a embira
E nem mesmo lhe aproveita
Esta minha pobre lira.

Saibam quantos deste caso
Houverem ciência que a vida
Não anda em favor e graça
Igualmente repartida
E que amor ensombra a falta
De amor de paz e comida.

Meu amigo meu irmão
Eu nada te peço a ti
Senão me ouvir com paciência
De Minas ao Piauí
Tendo contado o meu conto
Adeus me despeço aqui

Ponto de partida

Não tenho para a cabeça
Somente o verso brejeiro
Rimo no chão da senzala
Quilombo com cativeiro, olerê
Não tenho para o coração
Somente o ar da montanha
Tenho a planície espinheira
Com mão de sangue, façanha, olerê, olará
Não tenho para o ouvido
Somente o rumor do vento
Tenho gemidos e preces
Rompantes e contratempo, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida

Não tenho para o meu olho
Apenas o sol nascente
Tenho a mim mesmo no espelho
Dos olhos de toda gente, olerê
Não tenho para o meu nariz
Somente incenso ou aroma
Tenho este mundo matadouro
De peixe, boi, ave, homem, olerê, olará
Não tenho pra minha boca
Sagrados pães tão somente
Tenho vogal, consoante
Uma palavra entre dente, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida

Não tenho para o meu braço
Apenas o corpo amado
E assim sendo o descruzo na rédea
No remo e no fardo, olerê
Não tenho para a minha a mão
Somente acenos e palmas
Tenho gatilhos e tambores
Teclados, cordas e calos, olerê, olará
Não tenho para o meu pé
Somente o rumo traçado
Tenho improviso no passo
E caminho pra todo lado, olerê, olará, olerê, lará

Tenho pra minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida.

Aleluia

Che Guevara não morreu
Não, não morreu, Aleluia
Che, eu creio no teu canto
Como um manto em minha dor
E que todo desencanto
seja ressuscitador
Vejo o mundo dividido
Contenplando o reviver
Da esperança que morria
No silêncio do teu ser
Che Guevara não morreu
Não, não morreu, Aleluia
Che, eu creio seja eterna
Esta rosa agreste e branca
Brotada no teu sorriso
Que nem mesmo a morte arranca
E que siga em tua estrada
Outro irmão com tua mão
Com teu fuzil retomado
Com teu risco e decisão
Che Guevara não morreu
Não, não morreu, Aleluia
Che, eu creio em tua volta
Sem dar muita explicação
Como a folha vai no vento
Como a chuva no sertão
Ouço a América entoando
Novamente o canto teu
Espalhando pelos campos
A morte que não se deu
Che Guevara não morreu
Não, não morreu, Aleluia

Canção do amor armado

Eia
Ateia esta candeia
Joga a saia é branca a areia
Sob o céu que se incendeia
Na vermelha onda do mar

Se eu fosse algum pescador
Te enredeava de amor
Contando lendas encantos
Feitiços, quebrantos
Do marmarejar

Se eu fosse algum plantador
Te acalantava com a flor
Colhida nos pés dos versos
Dos cantos dispersos
Do sertanejar

Mas só trago o amargo rumor
Que o asfalto rumorejou
Só trago a foto da flor
Que o beija-flor recusou
E a terra em canto minguante
Refrão de guerra crescente
Armado eu vim só de amor

Eia
Tem minha oferenda
Forma colar, rosa e renda
Destas conchas presas prenda
Minhas relíquias de paz

Luandaluar

Luanda lua anda logo anda luar
Nua anda a lua na vereda do mar
Vou meio cego sem rumo a esperar
Que da noite nasça o dia
Ou luar pra clarear

Se não canto mais canção de amor
É por amor bem maior
Que o amor de uma canção
É verdade
Se hoje canto a minha dor
É porque a dor que trago em mim
Não é minha só
É verdade
Só canto

Abaixo a noite escura
-Abaixo a desventura
Vem de Luanda, do morro
Do samba este côro em meu cantar
-Toda noite tem seu dia
ou tem luar pra clarear

Luanda lua anda logo anda luar
Nua anda a lua na vereda do mar
Vou meio cego sem rumo a esperar
Que da noite nasça o dia
Ou luar pra clarear

Se é que as pedras somam-se ao rolar
É …se é que um samba tem muitas bocas
Pra cantar
É verdade
Como o rio vai pro mar
Toda dor que leva um coração
Vai juntar-se à dor da multidão
Cantando

-Abaixo a noite escura
-Abaixo a desventura
Vem de Luanda, do morro
Do samba este côro em meu cantar
-Toda noite tem seu dia
ou tem luar pra clarear

Luanda…

A praça é do povo

A praça é do povo
Como o céu é do condor
Já dizia o poeta
Dos escravos lutador

Outro poeta dizia
Que até o mar se levanta
Quando na praça em festa
É o povo quem canta
até o mar se levanta
até o mar se levanta
Quando na praça em festa
É o povo quem canta

Outro poeta lembrava
Dos tempos da alegria
Na voz do povo em festa
Enchendo a praça vazia.

Bichos da noite

São muitas horas da noite
São horas do bacurau
Jaguar avança dançando
Dançam caipora e babau

Festa do medo e do espanto
De assombrações num sarau
Furando o tronco da noite
Um bico de pica-pau

Andam feitiços no ar
De um feiticeiro marau
Mandingas e coisas feitas
No xangô de Nicolau

Medo da noite escondido
Nos galhos de um pé de pau
A toda dança acompanha
Tocando seu berimbau

Um caçador esquecido
Espreita de alto jirau
Não vê cotia nem paca
Só vê jaguara e babau

Alguém soluça e lamenta
Todo esse mundo tão mau
Picando a sombra da noite
Pinica o pinica-pau

Alguém no rio agoniza
Num rio que não dá vau
Alguém na sombra noturna
Morreu no fundo perau

Deus e o diabo na terra do sol

Romance do Deus Diabo

I
Anunciando ao público, marcante e lento:

Vou contar uma história
Na verdade e imaginação
Abra bem os seus olhos
Pra enxergar com atenção
É coisa de Deus e Diabo
Lá nos confins do sertão

Narrativo, lento:

Manuel e rosa
Vivia no sertão
Trabalhando a terra
Com as própria mão
Até que um dia -pelo sim pelo não-
Entrou na vida deles
O santo Sebastião
Trazia a bondade nos olhos
Jesus Cristo no coração

Agitado, na feira:

Sebastião nasceu do fogo
No mês de fevereiro
Anunciando que a desgraça
Ía queimar o mundo inteiro
Mas que ele podia salvar


Quem seguisse os passos dele
Que era santo e milagreiro
Que era santo
Que era santo
Que era santo e milagreiro

Fúnebre, triste, lento:

Meu filho, tua mãe morreu
Num foi da morte de Deus
Foi de briga no sertão, meu filho
Dos tiro que o jagunço deu

II
Lento, dramático:

Jurando em dez estrelas
Sem santo Padroeiro
Antonio das mortes
Matador de cangaceiro
Matador de cangaceiro!
Matador, matador
Matador de cangaceiro!

III
Narrativo, despertando, anunciando:

Da morte do monte Santo
Sobrou Manuel Vaqueiro
Por piedade de Antonio
Matador de cangaceiro
A estória continua
Preste lá mais atenção
Andou Manuel e Rosa
Pelas veredas do sertão
Até que um dia -pelo sim pelo não-
Entrou na vida deles
Corisco o diabo de Lampião

IV
Narrativo, triste, evocado da morte:

Lampião e Maria Bonita
Pensava que nunca
Que nunca morria
Morreram na boca da noite
Maria Bonita
Ao romper do dia

V
Trágico, anunciando desgraças:

Andando com remorso
Sem santo Padroeiro
Volta Antonio das Mortes
La ia la ii
Vem procurando noite e dia
La ia la ii
Corisco de São Jorge
La ia la ii

VI
Anunciando o final trágico:

Procurou pelo sertão
Todo o mês de fevereiro
O Dragão da Maldade
Contra o santo Guerreiro
Procura Antonio das Mortes
Procura Antonio das Mortes
Todo o mês de fevereiro

VII
Em diálogo, feroz, ritmo de luta:

– Se entre Corisco
– Eu não me entrego não
Eu não sou passarinho
Pra viver lá na prisão
– Se entrega Corisco
– Eu não me entrego não
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão
– Se entrega corisco
– Eu não me entrego não

VIII
Vivaz, alegre
Farrea, farrea povo
Farrea até o sol raiar
Mataram Corisco
Balearam Dadá (bisÂ…)
O sertão vai virá mar
E o mar virá sertão

Tá contada a minha estória
Verdade e imaginação
Espero que o sinhô
Tenha tirado uma lição
Que assim mal dividido
Esse mundo anda errado
Que a terra é do homem
Num é de Deus nem do Diabo (bis)

A fábrica

A fábrica faz assim
Tic tic plim
Tic tic plim plom

Pra se viver
É preciso da mulher
Mas como é que uma mulher vai viver
Com um homem sem vintém

Pois muito bem
É preciso trabalhar
Eu trabalho
Dou um duro danado
Apertando parafuso
Pra lá e pra cá

Morena você bem merece
Todo o mundo que eu não dou
Carinho é tudo que eu tenho pra lhe dar

Hoje eu sonhei
Tic tic plim
Tic tic plim plom
Que não se tinha mais que pagar o aluguel
Tic tic plim
Tic tic plim plom
Que se comia bife batata e até pastel
Tic tic plim
Tic tic plim plom
Que eu era dono de uma roda gigante e carrocel
Tic tic plim
Tic tic plim plom
Uma menininha cheirosa e parecida com nós dois

Que sorriso tão rosa tão cheio de graça
A morena me deu
Mas a danada da fábrica apitou

Acordei
Acordei
Eu vim trabalhar
Mas acordei

Barravento

Noite de breu sem luar
Lá vai saveiro pelo mar
Levando Bento e Chicão,
Lá vai o pranto uma oração
Se barravento chegar,
Não vai ter peixe pra vender
Filho sem pai pra criar,
Mulher viúva pra sofrer barravento
Salve mãe Iemanjá, barravento
Não deixe ele chegá
Não leve o bom Chicão, barravento
Salve mãe Iemanjá
Não quero mais viver, Janaína
Se Bento não voltar
Meu coração vai ser barravento,
Salve mãe Iemanjá, Barravento

Enquanto a tristeza não vem

Tristeza mora na favela
Às vezes ela sai por aí
Felicidade então
Que era saudade sorri
Brinca um pouquinho
Enquanto a tristeza não vem

Canta
Canta
Nasceu uma rosa
Na favela

Canta
Canta
Nasceu uma rosa
Na favela

Tristeza mora na favela
Às vezes ela sai por aí
Felicidade então
Que era saudade sorri
Brinca um pouquinho
Enquanto a tristeza não vem

Canta
Canta
Nasceu uma rosa
Na favela

Felicidade então
Que era saudade sorri
Brinca um pouquinho
Enquanto a tristeza não vem

Canta
Canta
Nasceu uma rosa
Na favela

(Nasceu uma rosa
(Na favela)

Enquanto a tristeza, não vem (ô ô)

Amor ruim

Um grito soa em minha alma

Sinto ir minha calma

Quando tu não vens

Ai, quanta dor na espera

Ai, isso desespera

É o amor ruim que me grita assim

Que me envenena na noite serena

Melancolia

É brisa

a minha saudade

avivando a chama

que acendeste em mim

a brisa vá soprar

fogo de outro lugar

é o amor ruim que me queima assim

que me envenena na noite serena

melancolia

Cafezinho

Minha vida foi
Cafezinho
Feito na hora
Quentinho
De incomparável sabor
Um café bem temperado
E recendendo a pecado
Quando achei meu amor

Tinha doçura no olhar
Não se deixava tomar
Sem ser aos olhos de dor
Tinha no sangue a fervura
Que temperava em ternura
O cafezinho do amor

Mas o que era pó
Voltou a pó
Pelo o vento
Levou o seu devido
Lugar
Des de então minha vida
Não é mais doce, bebida
É um cafezinho vulgar
Um café amargo, sem amada

Vai jangada

Jangada,

Meu pombo correio,

Me leva um recado,

Pro meu Ceará.

Jangada,

Chegando procura,

Aquela morena,

Que eu deixei lá.

Jangada,

Por Deus, vá voando,

E leva pra ela,

O meu coração,

Jangada,

Vê si traz de volta,

Um sim de seus lábios,

Em vez de um não.

Jangada,

Minha companheira,

Me leva um recado,

Pro meu Ceará.

Jangada,

Chegando procura,

Aquela morena,

Que eu deixei lá.

Jangada,

Por Deus, vá voando,

E leva pra ela,

O meu coração,

Jangada,

Vê si traz de volta,

Um sim de seus lábios,

Em vez de um não.

Vou renovar

Vou renovar
Sou um cantador da classe média
E trago por satisfação
Cantar para o ser humano
Que me ouve com atenção
Do que eu vejo todo dia
Faço verso e melodia
Pra poder ganhar meu pão

Vou renovar, vou renovar
Canto para a classe A
Canto para a classe B
Cantoria popular
Que não é nem A nem B
Cuja fonte está no povo
Onde eu vou buscar o novo
E aprender meu B-A-BA

Vou renovar, vou renovar
Porque é que eu fui classificar
Já está dando uma embolada
Eu me embolei no A com B
Me embolei no B com A
Mas me diga onde é que está
A classe do A sem B
E a classe do B sem A
Não me diga que ela é C
Porque C é comunista
E vai dar muito na vista
E os homens vão te apanhar

Vou renovar, vou renovar
No rompante da embolada
Deu-se a classificação
Mas vou me livrar do fato
Concluindo a falação
Pra ficar tudo onde está
Eu não me chamo Benedito
E fica o dito por não dito
E o dito por não falar

Vou renovar…

Zelão

Todo morro entendeu quando o Zelão chorou
Ninguém riu, ninguém brincou, e era Carnaval

No fogo de um barracão
Só se cozinha ilusão
Restos que a feira deixou
E ainda é pouco só
Mas assim mesmo o Zelão
Dizia sempre a sorrir
Que um pobre ajuda outro pobre até melhorar

Choveu, choveu
A chuva jogou seu barraco no chão
Nem foi possível salvar violão
Que acompanhou morro abaixo a canção
Das coisas todas que a chuva levou
Pedaços tristes do seu coração.

Canto americano

Mi canto es americano
Es un grito, un vuelo de pajaro
Es vuelo blanco bajo el cielo

Mi cielo es americano
Por donde vuela blanca esperanza
Esperanza blanca de todo el pueblo

Mi pueblo es americano
Blancas manos blancas sonrisas
Mientras el negro por los cabelos

Mis negros americanos
Color de hermanos de negro dolor

Besame rosa de sangre
Rojo es el color del alma

Mi dolor americano
Es el canto de los senderos
Del hombre campo por los caminos

Mi camino americano
Es abrirlo de las amarras
mano en la mano del hombre hombre

Hombre hombre americano
Eres pajaro cautivo en la tierra
Que tiene ganas de vuelo blanco

Vuelo blanco americano
En la noche negra de su dolor

Besame rosa de sangre
Rojo es el color del alma.

Semente

Cada verso é um semente
No deserto do meu peito
E onde rompe a grama verde
Vou deitando o desalento

No largo de alguma boca
No rasgo de algum sorriso
No gesto de algum lampejo
Na rima de um improviso
Nas curvas de uma morena
Na reta do meu desejo
Na relação entre corpos
Na paz do último beijo

Cada verso é uma semente
No deserto do meu peito
E onde o verde não verdeja
Não deito o meu desalento

Na rasgo dos grandes feitos
No largo de um só caminho
No brilho dos castiçais
No canto do passarinho
No garfo do deus-diabo
Na faca dos divididos
Na taça dos taciturnos
No prato dos oprimidos

Cada verso é uma semente
No deserto do meu peito
Mas se do ventre do verde
Não verdece algum rebento

No rasgo do meu poema
No largo de imagens mortas
Num gesto claro de outono
Na rima de folhas soltas
Na curva de novos versos
Na reta da revivência
Na relação dos desertos
Eu cravo a minha insistência

Hoje o verso é uma semente
Do meu peito num deserto
Verde que te quiero verde
Mas não há verde por perto

Sina de Lampião

Oi diz lá o que é que ele tem na mão
Se mulher papo amarelo
Ou a sina de lampião

Na minha roça
nem sequer sobrou semente
Foi-se embora toda gente
Uns na terra outros a pé
Dos que se foram
Uns ganharam a cidade
Outros estão na saudade
Enraizada pelo chão

Oi diz lá…

Dos da cidade
Poucos foram se salvando
Muitos se desintegrando
Em venérea e poluição
Deram-se os salvos
Uns pra escola, afortunados
Outros tantos são soldados
A serviço da nação

Oi diz lá…

Dos b-a-bados
Uns chegaram à faculdade
Outros à dificuldade
Fez rendê-los ao patrão
Quatro doutores
Dois deles se aburguesaram
Outros dois se retomaram
Na vereda dos irmãos

Oi diz lá…

Dos retomados
Um cantador se dizendo
E o outro silenciando
O seu sumiço pelo chão
Do que sumiu
Muitas histórias são contadas
Mas meu canto na viola
Dá melhor explicação

Oi diz lá…

Digo em meu canto
Que levou nova semente
Deu raiz em muita gente
Uns na terra outros a pé
Voltou pra roça
Paz de planta na bagagem
E quando lembra da viagem
Aperta o que tem na mão

Oi diz lá…

Calabouço

Olho aberto ouvido atento
E a cabeça no lugar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Do canto da boca escorre
Metade do meu cantar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Eis o lixo do meu canto
Que é permitido escutar
Cala a boca moço. Fala!

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Cerradas portas do mundo
Cala a boca moço
E decepada a canção
Cala a boca moço
Metade com sete chaves
Cala a boca moço
Nas grades do meu porão
Cala a boca moço
A outra se gangrenando
Cala a boca moço
Na chaga do meu refrão
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Mulata mula mulambo
Milícia morte e mourão
Cala a boca moço, cala a boca moço
Onde amarro a meia espera
Cercada de assombração
Cala a boca moço, cala a boca moço
Seu meio corpo apoiado
Na muleta da canção
Cala a boca moço. Fala!

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Meia dor, meia alegria
Cala a boca moço
Nem rosa nem flor, botão
Cala a boca moço
Meio pavor, meia euforia
Cala a boca moço
Meia cama, meio caixão
Cala a boca moço
Da cana caiana eu canto
Cala a boca moço
Só o bagaço da canção
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

As paredes de um inseto
Me vestem como a um cabide
Cala a boca moço, cala a boca moço
E na lama de seu corpo
Vou por onde ele decide
Cala a boca moço, cala a boca moço
Metade se esverdeando
No limbo do meu revide
Cala o boca moço. Fala!

Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia

Quem canta traz um motivo
Cala a boca moço
Que se explica no cantar
Cala a boca moço
Meu canto é filho de Aquiles
Cala a boca moço
Também tem seu calcanhar
Cala a boca moço
Por isso o verso é a bílis
Cala a boca moço
Do que eu queria explicar
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço

Olha o vazio nas almas
Olha um brasileiro de alma vazia.

Folha de papel

Olha só o que o vento faz com o papel
E traga ele a notícia que for
Vai voar… voar…

É assim quando se gosta de alguém
Não se consegue mais impedir
Que o amor
Faça o mesmo com o coração
Traga ele que razões trouxer
Nem o tempo sabe mais dizer
Quando é ontem, hoje ou amanhã

Olha só
Como a gente nem sabe onde está
Nós somos o papel a voar
Contemplando este mundo
Tristonho, profundo
Olha bem porque quando se tem tanto amor
A gente pode ver muito mais.

Beto bom de bola

Como bate batucada
Beto bate bola
Beto é o bom da molecada
E vai fazendo escola
Tira de letra a pelada
Com bola de meia
Disse adeus à namorada
A lua é bola cheia
A cigana viu azar
Mas Beto não deu bola
E aceitou a proteção
Do primeiro cartola
Nas manchetes de jornal
Bebeto entrou de sola

  • Extra !
  • O novo craque nacional
  • É o Beto Bom de bola

(Bis) – É, é, é ou não é
Até parece o Mané

E foi pra Copa buscar a glória
E fez feliz a nação,
no maior lance da história,

Atenção ! Beto com a bola
Avança o furacão
Zero a zero no placar
É grande a confusão
Vai levando a Leonor
Rompendo a marcação
Driblou dois e agora invade
A zona do agrião
Leva um chute na canela
E vai parar no chão
Se levanta ainda com a bola
Domina o balão
Capengando dribla o béque
Que pertardo , pimba
Gooooool !!
E foi beijar o véu da noiva
O Brasil campeão !

(Bis)- É, é, é ou não é
Até parece o Mané !

E foi-se a Copa e foi-se a glória
E a nação se esqueceu
do maior craque da história

Quando bate a nostalgia
Bate noite escura
Mãos no bolso e a cabeça
Baixa, sem procura
Beto vai chutando pedra
Cheio de amargura
Num terreno tão baldio
O quanto a vida é dura
Onde outrora foi seu campo
De uma aurora pura
Chão batido pé descalço
Mas sem desventura
Contusão, esquecimento
Glória não perdura
Mas,
Se por um lado o bem se acaba
O mal também tem cura

(Bis) – É, é, é ou não é
Até parece o Mané

Homem não chora
por fim da glória
Dá seu recado
enquanto durar sua história.

Vai se olhar no espelho
E vê
Mané Garrincha

Corisco

Te entrega Corisco
Te entrega Corisco

Eu não me entrego não
Eu não sou passarinho pra viver lá na prisão
Não me entrego a tenente
Nem a capitão
Só me entrego na morte
De parabelo na mão

Te entrega Corisco
Te entrega Corisco

Na conta da minha história
Verdade e imaginação
Espero que o senhor tenha tirado uma lição
Que assim mal dividido esse mundo anda errado
Que a terra é do homem,
Não é de deus nem do diabo.
Não é de deus, não é de deus
Não é de deus nem do diabo.
Não é de deus, não é de deus
Não é de deus nem do diabo.
O Sertão vai virar mar
E o mar vai virar sertão
O Sertão vai virar mar
E o mar vai virar sertão

Te entrega Corisco
Te entrega Corisco

Esse mundo é meu

Esse mundo é meu
Esse mundo é meu

Fui escravo no reino
E sou
Escravo no mundo em que estou
Mas acorrentado ninguém pode
Amar

Saravá ogum
Mandinga da gente continua
Cadê o despacho pra acabar
Santo guerreiro da floresta
Se você não vem eu mesmo vou
Brigar

Esse mundo é meu
Esse mundo é meu