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Toque de Benguela

Mãe-África engravidou em Angola
Partiu de Luanda e de Benguela
Chegou e pariu a capoeira
No chão do Brasil, verde-e-amarela

É de Angola
Camará, que me veio essa cantiga
De Luanda
É um jogo, é uma dança, é uma briga
De Benguela
No Quilombo da Serra da Barriga
De Aruanda
Capoeira chegou com a caravela

Mãe-África engravidou em Angola
Partiu de Luanda e de Benguela
Chegou e pariu a capoeira
No chão do Brasil, verde-e-amarela

É de Angola
O meu corpo é de pingo-de-riga
De Luanda
De maneira-de-lei é minha figa
De Benguela
Sou aluno da capoeira antiga
De Aruanda
Ganga-Zumba é que é meu sentinela

Mãe-África engravidou em Angola
Partiu de Luanda e de Benguela
Chegou e pariu a capoeira
No chão do Brasil, verde-e-amarela

É de Angola
Mangangá nunca foi nem é de intriga
De Luanda
E esse sangue africano é minha liga
De Benguela
Capoeira que é bom ninguém instiga
De Aruanda
Se instigar vai provar o veneno dela

Mãe-África engravidou em Angola
Partiu de Luanda e de Benguela
Chegou e pariu a capoeira
No chão do Brasil, verde-e-amarela
É de Angola
Camará, que me veio essa cantiga
Camará

Consideração

Toda cidade vai cantar
E finalmente vai voltar
O tempo da paz, os tempos atrás
O tempo da consideração
Quando era menos ambição
E o coração valia muito mais

Toda a cidade vai cantar
O cancioneiro popular de tempos atrás
Que já não se faz
E chega a me dar uma emoção
De contemplar a multidão
Cantando pelas ruas principais

Joga todo mal pra fora
Abre o peito e chora em paz
Que é bonito demais
Toda cidade cantando
Como nos antigos carnavais

As pedras se cruzam

Apesar!
Da vida nos separar
A gente vai se encontrar
Em qualquer canto de rua
De manhã
Numa esquina de algum lugar
De tardinha num vão de bar
Ou numa noite de lua

àguas passadas não moverão moinho
Acho que a gente até pode se beijar
Mesmo que já não se tenha mais carinho
As pedras se cruzam no caminho
Que a vida foi feita pra rolar

Rolou, vida rolou, rolou a vida
Eu lhe dei casa e comida
Dei-lhe um nome e coração
Pra mim o que rolou na despedida
Foi só lágrima sentida
Mas inda lhe estendo a mão…

Jogo de dentro

Se você, camará, entrar eu entro
Vim aqui pra jogar jogo de dentro
Eu não temo quem me ataca
Nem na luta nem no jogo
Uso braço contra faca
Perna contra arma de fogo
Aprendi dessa maneira
Encarar o desaforo
Praticando capoeira
Na pedreira são Diogo

Pode vim, pode entrar que eu me concentro
Vim aqui pra jogo de dentro
Pra jogar com maestria
É preciso que se adestre
Quem é mestre desafia
A qualquer poder terrestre
Foi aluno cabaceira
Em santana virei mestre
Foi ao pé da gameleira
Na fazenda são silvestre

Oh de lá, oh de cá eu tô no centro
Vim aqui pra jogar jogo de dentro
O tirano que me atiça
Vai tomar a sua dor
Não engulo a injustiça
Não aturo desaforo
Zum zum zum é minha missa
Capoeira é meu tesouro
Quem perguntá pra polícia
Vai saber quem é besouro

Se você, camará, entrar eu entro
Vim aqui pra jogar jogo de dentro
Pode vim, pode entrar que eu me concentro
Vim aqui pra jogo de dentro

Nomes de favela

O galo já não canta mais no Cantagalo
A água (já) não corre mais na Cachoeirinha
Menino não pega mais manga na Mangueira
E agora que cidade grande é a Rocinha!

Ninguém faz mais jura de amor no Juramento
Ninguém vai-se embora do Morro do Adeus
Prazer se acabou lá no Morro dos Prazeres
E a vida é um inferno na Cidade de Deus

Não sou do tempo das armas
Por isso ainda prefiro
Ouvir um verso de samba
Do que escutar som de tiro

Pela poesia dos nomes de favela
A vida por lá já foi mais bela
Já foi bem melhor de se morar
Mas hoje essa mesma poesia pede ajuda
Ou lá na favela a vida muda
Ou todos os nomes vão mudar

Toque de São Bento Grande de Angola

Nesse mundo camará
Mas não há mas não há
Mas não há quem me mande
Eu só sei obedecer
Se mandar
Se mandar são bento grande
É de angola é de angola é de angola
De angola de angola de angola

Meu avô já foi escravo
Mas viveu com valentia
Descumpria a ordem dada
Agitava a escravaria
Vergalhão, corrente, tronco
Era quase todo dia
Quanto mais ele apanhava
Menos ele obedecia

Quando eu era ainda menino
O meu pai me disse um dia
A balança da justiça
Nunca pesa o que devia
Não me curvo a lei dos homens
A razão é quem me guia
Nem que seu avo mandasse
Eu não obedeceria

Esse mundo não tem dono
E quem me ensinou sabia
Se tivesse dono o mundo
Nele o dono moraria
Como é mundo sem dono
Não aceito hierarquia
Eu não mando nesse mundo
Nem no meu vai ter chefia

Poder da criação

“a música me ama, ela me deixa fazê-la. A música é uma estrela, deitada na minha cama. Ela me chega sem jeito, quase sem eu perceber. Quando dou conta e vou ver, ela já entrou no meu peito. No que ela entra a alma sai, fica meu corpo sem vida. Volta depois comovida, e eu nunca soube aonde vai. Meu olho dana a brilhar. Meu dedo corre o papel. E a voz repete o cordel que se derrama no olhar. Fico algum tempo perdido até me recuperar, quase sem acreditar se tudo teve sentido. A música parte e eu desperto pro mundo cruel que aí está. Com medo de ela não mais voltar. Mas ela está sempre por perto. Nada que existe é mais forte e eu quero aprender-lhe a medida, de como compõe minha vida, que é para eu compor minha morte”

Não, ninguém faz samba só porque prefere
Força nenhuma no mundo interfere
Sobre o poder da criação
Não, não precisa se estar nem feliz nem aflito
Nem se refugiar em lugar mais bonito
Em busca da inspiração

Não, ela é uma luz que chega de repente
Com a rapidez de uma estrela cadente
E acende a mente e o coração
É, faz pensar
Que existe uma força maior que nos guia
Que está no ar
Vem no meio da noite ou no claro do dia
Chega a nos angustiar
E o poeta se deixa levar por essa magia
E um verso vem vindo e vem vindo uma melodia
E o povo começa a cantar!

Lamento do samba

Eu tenho saudade
Dos sambas de antigamente
Quando o samba deixava
Uma vaga tristeza
No peito da gente
Não era amargura
E nem desventura
E nem sofrimento
Era uma nostalgia
Era melancolia
Era um bom sentimento.

Nos dias de hoje
O samba ficou diferente
Não tem mais dolência
Mudou a cadência
E o povo nem sente
Sua melodia
É uma falsa alegria
Que passa com o vento
Ninguém percebeu
Mas o samba perdeu
Sua voz de lamento.

Quando eu canto na roda de samba
Um samba que é mais antigo
A moçada se cala, escuta, aprende,
E ainda canta comigo
O que falta pra quem faz um samba
É a tristeza que vem de outro tempo.
Quem não sabe a ciência do samba
Vai fazer o que pede o momento.
O segredo da força do samba
É a vivência do seu fundamento.
O que faz ser eterno um bom samba
É a beleza que tem seu lamento.