Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague
Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
Comentários
Guilherme
09/03/2011
Essa letra é uma clara repressão a vida sofrida que a ditadura impunha as pessoas, o Chico não quis nem figurar ela, mandou com todas as palavras!
Juliana Possidônio
16/12/2010
DITADURA: lugar de muita "agonia, pra suportar e assistir", em que se precisa de "concessão pra sorrir", em que tudo é "crime" e o samba é "distração", onde você necessita ser autorizado à "respirar", à "existir". Chico, mais uma vez, parece falar de tudo o que se precisava suportar naquele tempo de repressão. E o "Deus lhe pague" vem num sentido de vingança: ao invés de agradecer, parece desejar-se que todos aqueles que lhe causam sofrimento sejam "recompensados" com a mesma consternação, e que, enfim, algum dia, "uma paz derradeira" possa "redimir" toda essa agonia.