Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pelo prazer de chorar e pelo “estamos aí”
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague
Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
Letra Composta por: Chico Buarque
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DITADURA: lugar de muita “agonia, pra suportar e assistir”, em que se precisa de “concessão pra sorrir”, em que tudo é “crime” e o samba é “distração”, onde você necessita ser autorizado à “respirar”, à “existir”. Chico, mais uma vez, parece falar de tudo o que se precisava suportar naquele tempo de repressão. E o “Deus lhe pague” vem num sentido de vingança: ao invés de agradecer, parece desejar-se que todos aqueles que lhe causam sofrimento sejam “recompensados” com a mesma consternação, e que, enfim, algum dia, “uma paz derradeira” possa “redimir” toda essa agonia.
Nesse ano de 2020, com toda a crise econômica agravada pelo coronavirus, vendo pessoas perdendo seus empregos, passei a enxergar essa letra com um viés muito particular. Isso porque eu estou sendo submetido a uma rotina de trabalho massacrante e abusiva, mas me sinto moralmente obrigado a ser grato por esse emprego. Minha saúde mental está sendo reduzida a pó, minha auto estima e dignidade sendo postas de lado, pra atender uma situação escrota, mas fico com a impressão que é o que eu tenho pro momento.
E hoje, como você está, conseguiu algo melhor?
Essa letra é uma clara repressão a vida sofrida que a ditadura impunha as pessoas, o Chico não quis nem figurar ela, mandou com todas as palavras!
Na verdade Chico figurou sim a canção, afinal, temos a presença da IRONIA! Ele pede que Deus retribua àqueles que lhes concediam coisas que deveriam ser naturais, por exemplo: “Por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague”. Seria uma crítica ao regime ditatorial, mas em forma de ironia, afinal, ele estava agradecendo por aquilo que seria de direito de qualquer um. É como se ele estivesse dizendo: Ah, obrigado por não me matar!
Chico Buarque é ateu declarado. A ironia dessa música está em dizer que um ser imaginário (ninguém) irá pagar pelo que é direito da população, mas que é taxado pelo regime.
O Chico joga a culpa em Deus por tudo de ruim que acontece aqui embaixo. Se voltarmos no tempo também veremos que os povos antigos viviam como selvagens, eram explorados e escravizados. Ora, Deus existe para quem crê nele. Para quem não crê, esse alguém não deveria desabafar sua raiva ou ira numa figura divina. Eu detesto ouvir Chico buarque, pois suas músicas são apelativas, autopromocionais, e com isso ele vende seu trabalho, para aqueles que vivem na profunda e irremediável depressão.
Engana-se rapaz, Chico Buarque era ateu, na música ele diz que a veracidade impunidade pois Deus não existe para punir os culpados
Chico foi de uma inteligência tão profunda nessa música que de fato, talvez seja pedir muito que uma cognição mais rasa, sem entendimento do básico da ironia.
Deus lhe pague. Em relação ao comentário de José, verificam-se duas coisas. 1) José nada entende de religião. 2) José nada entende de Chico.
Sensacional! Nada mais caberia… José não entende nada.
k, super verdade severino
Mais do que uma crítica ao regime ditatorial, penso que essa música seja uma crítica ao sistema capitalista e a algumas correntes de pensamento que pregam que esse sistema é livre, quando na verdade não é. O argumento seria: o trabalhador é livre para vender sua força de trabalho ou não, e para negociar o preço. Mas na realidade, qdo vc está pressionado para não morrer de fome, na verdade não tem muita escolha. Assim o capitalista ganha poder de negociação reduzindo o nível de vida da classe operária à simples subsistência. Por isso a ironia de agradecer a Deus até pelo que lhe é naturalmente de direito. Notem que a política do pão e circo (que não é exclusividade do sistema ditatorial) está retratada na segunda estrofe. Notem também que as estrofes vão ficando mais pessimistas progressivamente, simbolizando o que acontece na vida dos trabalhadores depois de tanto lutar, lutar e nada conseguir, até chegar o dia da “paz derradeira”.
Exatamente!
Parabens Juliana Possidônio, bela analise