Flor da Idade

A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor

Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor

Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
A gente sua
A roupa suja da cuja se lava no meio da rua
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua
E continua
Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor

Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha


Letra Composta por: Chico Buarque
Melodia Composta por:
Álbum: CPD
Ano: 1975
Estilo Musical: MPB

15 comentários em “Flor da Idade”

  1. Bruno Martins de Souza

    Esta estrofe :
    Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
    Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
    Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
    Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
    a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha

    É uma intertextualidade a Drummon este outro aqui?
    QUADRILHA

    João amava Teresa que amava Raimundo
    que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
    que não amava ninguém.
    João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
    Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
    Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
    que não tinha entrado na história.
    Carlos Drummond de Andrade

    6
    0
  2. Rosangela Macinelli

    Era imprevisível o que aconteceria a uma canção enviada à Policia Federal — e todas, evidentemente, tinham que passar por lá. Quase sempre era preciso argumentar e negociar com os censores. No caso de Chico, isso era feito através dos advogados da gravadora, porque ele, por princípio, se recusava a dialogar com a censura. A batalha, algumas raras vezes, dava certo. Na parte final de Flor da idade, por exemplo, baseada no poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, uma vertiginosa ciranda de amores acaba por acasalar dois homens, Paulo e Juca, para o escândalo das autoridades. Em carta aos advogados, Chico citou o dicionário para argumentar que o verbo “amar” nem sempre tem conteúdo erótico. A música passou. A mesma sorte não teve Vence na vida quem diz sim — não adiantou Chico, muito sério, propor a troca de uma palavra: Vence na vida quem diz não. Às vezes, ele provocava — fazendo, por exemplo, irônicos elogios à censura, que se via então forçada a proibir também os comentários a favor. Em lugar de Cálice, vetadíssima, escrevia Pai na relação de músicas que obrigatoriamente era apresentada à Polícia Federal antes dos shows; havia sempre a chance de o funcionário bobear, e em alguns casos aconteceu.

    2
    0
    1. Roberto Campos

      Fora o tempo que, também para driblar a censura, compunha sob o pseudônimo de Julinho da Adelaide.

      0
      0
  3. Marcelo Lima

    Essa música brinca com as palavras ao falar ao mesmo tempo de sensualidade, sexo, amor e juventude. Chico aborda acontecimentos rotineiros para expor esses temas. A peça Gota d’água foi apresentada em meados dos anos 70, onde a censura era fortíssima, principalmente com artistas como ele e Caetano, por exemplo. No entanto, essa música não tem conotação política, mas foi alvo de discussão jurídica porque, aos olhos da censura, demonstrava uma certa “libertinagem” ao compor a última estrofe, o que fez com que ele explicasse o que é “amor”.

    2
    1
  4. Nsta estrofe :
    Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava “Paulo
    Que amava Juca” que amava Dora que amava Carlos que amava Dora…

    tem uma alusão a homossexualidade claramente…

    e na passagem:
    A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha…

    faz uma alusão ao cheiro da genitália da moça… como não havia o hábito da depilação, era comum se referir ao genital feminino como alguma espécie de peixe de cheiro forte como bacalhau.

    claro que essa postagem é totalmente relevante e fútil diante da genialidade do Chico nesta letra tão bem desenvolvida, coloquei essas explicações apenas por via de curiosidade.

    2
    0
    1. A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha…

      hahaha, rapaz assim que ouvi, saquei também que se tratava do cheiro da vagina / genitália de maria, tá bem claro que a música é uma nostalgia de adolescencia, toda rua tem uma maria que é a mais safadinha quando chega a flor da idade e a molecada, quer comer.

      quando ele diz: “agente almoça e só se coça se roça e só se vicia” já diz tudo

      2
      0
    2. Concordo, porém nada tem a ver depilação com odor feminino. Acredito que a referência é a puberdade, quando não só os pelos nascem, mas quando a produção de hormônios aumento e com isso os podres corporais, tanto nas axilas como na vagina. Logo, o Chico quis deixar claro a jovialidade da moça e como seu odor é apreciado pelo eu lírico.

      4
      1
  5. Engraçado, a primeira vez que ouvi essa música achei que tinha algo a ver com o livro Sonho de uma noite de verão , de Shakespeare …

    0
    1
  6. Quando ele diz: “agente almoça e só se coça se roça e só se vicia”, é a molecada de pau duro se coçando para ver MARIA.

    NA ADOLESCÊNCIA DE TODO MOLEQUE TEM UMA “MARIA”.

    0
    1
  7. E OUTRA COISA O RELÓGIO DO SITE ESTÁ A TRÊS HORAS DO HORÁRIO DE BRASILIA (2 HORAS CONTANDO O HORÁRIO DE VERÃO), COMO SE FOSSE EM UM PAÍS EM QUE A DIFERENÇA DE FUSO HORÁRIO E DE 3 HORAS.

    0
    2
    1. Eu realmente gosto de analisar poesias e às vezes eu vou um pouco longe demais. Mas neste caso específico, a culpa é do Poeta: o texto brinca de deixar easter eggs pra serem descobertos pelo leitor/ouvinte: a “mesa posta” /” posta de peixe”; “ela vive parada no sucesso do rádio”/ “parada de sucesso”; “ver passar ela” / “passarela” (porque ela desfila). E até “pra ver maria” me traz foneticamente a interjeição “ave Maria”. Cada um é um convite pra continuarmos buscando significados adicionais.

      Com isso a poesia, apesar de curta, parece contar uma história maior, se adensa e, mesmo subconscientemente, deixa a impressão de querer comunicar mais.

      Entendo que a correspondência entre o cheiro da posta de peixe e o cheiro da vagina nem mesmo se qualifica como duplo sentido, ja que a próprio texto se encarrega de dizer que o peixe “deixa o cheirinho da sua filha” . É tão transparente que serve apenas pra comunicar que o corpo e a sexualidade da jovem musa continuam sendo o assunto; o prato principal do texto, por assim dizer.

      “A casa aberta / o pijama aberto” primeiro sugere uma progressão (abre a casa, abre a roupa e a poesia achou óbvio e, portanto, desnecessário dizer, qual seria a abertura seguinte). Mais: o paralelismo (casa aberta/pijama abert – e, implicitamente, corpo aberto) sugere equivalência entre os termos: quando falo da casa e da roupa, aludo à moça, a seu corpo e a sua sexualidade.

      Isso se evidencia em um outro paralelismo da canção: o primeiro copo leva ao primeiro corpo e a primeira festa leva à primeira fresta. Mas se “o primeiro copo” (experimentar bebida alcolica) é metonímia para “primeira festa”, é necessário que a “a primeira fresta” corresponda metaforicamente ao “primeiro corpo”. E esta primeira fresta já não pode significar mais a apenas a fresta do voyeurismo coletivo dos moleques (que não poderia ser a primeira, porque claramente acontecia rotineiramente) da qual ela nem desconfia, mas a fresta consentida, da porta aberta que convida a entrar.

      E por toda a poesia, as alusões às roupas e aos elementos da casa (que deveriam impedir a vista e a entrada, mas não faz nem um nem outro) parecem sempre remeter ao corpo e à sexualidade da jovem: andar seminua, abrir o pijama, lavar roupa suja no meio da rua, sugerem uma sexualidade que pode ser vista (despudorada, exposta, como uma janela sem gelosia), enquanto a porta sem tramela, aberta, sugere que pode ser acessada, uma fresta que permite a entrada… depois disto notamos que no início da historia inserimos por conta própria, por força do hábito, que “a porta (da casa ou do quarto) dela não tem tramela…”, quando o que a poesia nos diz textualmente que a porta DELA não tem tramela, com significados potencialmente diferentes.

      Como falei demais sobre a primeira parte, basta dizer que a segunda é, claro, um caso de intertextualidade com o poema de Drummond: não apenas brincando com a mesma estrutura de “fulano amava sicrano”, mas ainda terminando com a palavra “quadrilha”, que é o nome do poema de Drummond. Mas a “moral da história” é muito diferente: no poema de Drummond os amores, vistos em retrospectiva, numa visao pessimista, “adulta” , são sempre unidirecionais e não correspondidos. O poema acaba de maneira triste, inclusive com duas mortes trágicas (spoiler!) e a única que se casa, com alguém que não tinha entrado no início da história, é justamente Lili, “que não amava ninguém”.

      Já a parte final de a “flor da idade”, traz a experimentação da juventude, um clima de pegação geral, (mesmo os vários amores correspondidos não são exclusivos. Dora, inclusive, amava toda a quadrilha), sem regras, com muitas sugestões de amores homossexuais entre mulheres e homens (embora nenhum caso explícito de reciprocidade, nesses casos). Começa invocando “Carlos” (Drummond?), mas conta uma história de amores juvenis, intensos, mas leves, efêmeros. E atravez das repeticoes e recombinações, sugerem não uma memória distante que deixou marcas, mas um movimento frenético, em ritmo de análise combinatória, que talvez ainda esteja acontecendo quando é contado, sem previsão de término.

      Por último, uma coisa que só notei agora, relendo as obras: “Maria” é o unico nome mencionado tanto no poema de Chico como no de Drummond. A Maria que parece ser a musa do início de “flor da idade” não aparece no final, na hora que a turma começa a se pegar. Já a Maria de Drummond ficou pra tia… o que isso significa? Não tenho ideia! Vocês me dizem!

      0
      0

Deixe sua análise

Escreva aqui o significado, análise, o seu pensamento. O que te faz gostar dessa letra? Seu email não será publicado.